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quarta-feira, dezembro 10, 2014

Timon de Atenas


Primaveras. Occupy. Jornadas de junho. A ética bamba que limita esquerda e direita. Resistências e concessões. Consumismo. A hipocrisia das primeiras capas de jornais. Moralismo. Artista e burguesia. Alcebíades e senadores. Sexo e dinheiro. Está tudo concentrado nessa montagem de Timon de Atenas. Atenas é aqui, ali. É hoje. De brinde, Vera Holtz é o protagonista e Tonico Pereira é Apemantus. Shakespeare é agora: "A generosidade que faz deuses, quebra os homens".

quinta-feira, novembro 06, 2014

Há mundo por vir?

Tencionar as potências e as fragilidades do desejo (vontade e impossibilidade), desse desejo direcionado ao saber, o que já é em si uma ação política, me parece, é o que define a vida moderna. Mas isso pode ser expandido ao nosso tempo.
É por aí que leio a contundente beleza terrível de um capítulo como o “Um mundo de gente”, do livro Há mundo por vir?, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro. Estar na travessia entre a irreversibilidade do feito e o desejo de fazer parece nos constituir.
Concluí o livro com a sensação de que urge falharmos mais como homem para podermos onçar, como no conto rosiano “Meu tio o Iauaretê”. Querer ser homem, diferenciando-nos ao máximo dos outros animais, parece, tem nos levado ao colapso. Antes tivéssemos querido ser onça. Ou jabuti.

Miss violence

Só digo uma coisa: se você ainda não viu, procure ver "Miss violence". O filme tematiza a ferrugem patriarcal. E o quão cúmplices todos nós somos na manutenção dessa ferrugem. A cumplicidade, aliás, é matéria formal do filme, já que vira e mexe as personagens parecem confrontar a passividade do espectador. Filmaço seco e denso.

segunda-feira, setembro 08, 2014

Beije minha lápide

Jô Bilac consegue equilibrar em seus textos para teatro o humor e a firmeza na crítica dos comportamentos humanos contemporâneos, sempre calcado na retomada de certa ironia nelson-rodriguiana. Mas tendo a melancolia como ingrediente principal. Melancolia resultado e promoção de interdições das relações interpessoais.
Já em "Beije minha lápide" o que fica do texto de Bilac é o texto de Oscar Wilde. Os diálogos, os monólogos, as imagens, tudo é leitura de Wilde. A toda hora a mesma sensação de colagem, citação, reminiscência, fragmentos de textos.
Sendo um elogio à vida e à obra de Oscar Wilde, a interdição está materializada na cela-redoma de vidro que separa a personagem Bala (Marco Nanini) da liberdade, num duplo da redoma que separa a lápide de Wilde dos beijos de seus fãs no cemitério de Paris. Bala está preso por ter efetivamente quebrado o vidro em torno do túmulo do escritor irlandês. Também escritor, Bala é duplo de Wilde, parece estar escrevendo (ou encenando) o seu "De profundis". Ambos presos por colocarem em xeque as regras do jogo de xadrez que a vida é.
Para a eficácia da encenação, trabalha a direção correta e inspirada de Bel Garcia. Além das presenças de Carolina Pismel, Júlia Marini e Paulo Verlings. Atores da Cia. Teatro Independente que não se intimidam com a coadjuvância de suas personagens.
Posto que os tempos são outros, se Bala não está preso por sodomia, a personagem questiona as identidades socialmente aprovadas e as falsas ideias de liberdades individuais que nos cercam.  Por fim, melancolicamente, "Beije minha lápide" tematiza a liberdade. Estende-se sobre ela, desdobrando-se em efeitos e causas.

sexta-feira, agosto 15, 2014

Haicai do Brasil

Haroldo de Campos escreveu que "o haicai funciona como uma espécie de objetiva portátil, apta a captar a realidade circunstante e o mundo interior, e a convertê-la em matéria visível". Forma poética de origem japonesa, de Guilherme de Almeida a Paulo Leminski, passando por Drummond, Millôr e pelo próprio Haroldo, entre tantos outros, o haicai foi abrasileirado, ou, como diria Oswald, deglutido, apropriado. A reflexão filosófica nele contida passou a tematizar a natureza do país, as líricas brasileiras, colocando rimas e dispensando muitas vezes a métrica tradicional (três versos de cinco, sete e cinco sílabas poéticas).
Na antologia "Haicai do Brasil", Adriana Calcanhotto consegue criar um bom e diverso panorama de nossa criação de haicais. Destaque para a presença de André Vallias, cujo potente e imanente rigor sintético pode ser percebido nas suas poesias visuais, e Glauco Mattoso, poeta que tem exercitado as formas fixas para criar, haja vista sua extensa produção de sonetos.
Porém, como as antologias são sempre objetos "incompletos", sempre coletâneas afetivas de quem as organiza, não posso deixar de sentir a falta de Saulo Mendonça, na minha humilde opinião, um dos grandes haicaístas brasileiros em atividade de criação. Calcanhotto poderia ter pesquisado um pouco mais, até porque "Haicai do Brasil" já figura como indispensável à estante de quem estuda, lê ou cria/inventa poesia.


segunda-feira, agosto 11, 2014

Fake

A ironia é uma figura de linguagem, é um recurso estético. Não é zombaria vã, riso sem razão. Ser irônico é dizer algo e pensar o oposto. Portanto, a ironia requer sofisticação, trabalho rigoroso com as palavras e, principalmente, requer que o interlocutor esteja preparado e disposto ao jogo linguístico, caso contrário a ironia não funciona. Sua eficácia está na quebra da linearidade do pensamento de quem ouve/lê. Creio que Machado de Assis, com sua lírica mordaz, seja o maior exemplo da aplicação da ironia, no desmantelamento das máscaras burguesas.
Escrevo isso a fim de chamar atenção para o narrador de Fake, de Felipe Barenco. É impressionante o modo como o autor consegue sustentar a autoironia - a dessacralização de si, com humor e tragicidade na medida exata - ao longo de todo o livro. Esse artifício permite a abordagem de temas complexos, cotidianamente banalizados na superficialidade dos programas televisivos, tais como: sexualidade, iniciação do jovem na vida adulta, HIV, relação entre pais e filhos, amor. O autor faz isso proliferando no texto uma pletora de referências literárias, teatrais, musicais, culturais que, de tão bem urdidas, soam como suas, do narrador em primeira pessoa.
A narrativa supostamente linear tem torneios no tempo e cortes bruscos, conferindo a conexão entre os pequenos episódios que compõem o texto. Cada personagem entra e sai de cena na hora exata. Não há floreios desnecessários. Desses que empesteiam os livros direcionados aos "jovens leitores".
Irônico e conversando diretamente com o leitor, Téo descreve como tornou-se aquilo que é: literatura. "Por favor, não repita meus erros em casa. Todos eles foram cometidos por um profissional", escreve no "Selfie" que abre o livro. A narrativa corre leve exatamente porque Barenco estrutura o texto com consultas esporádicas e providenciais ao leitor. Criando nós e contatos. Afinal, será aquele que lê quem dará (ou não) veracidade aos acontecimentos.
A orelha avisa que Fake "faz parte da literatura YA (young adult)", mas não se iludam, Felipe Barenco, em seu primeiro romance, escreve com o rigor e a naturalidade de quem exercita a escrita há tempos.

domingo, maio 25, 2014

Praia do futuro



Praia do futuro é um filme para avisados. Avisados de que o abandono é o fundamento da existência. Se Wagner Moura não tivesse feito o fatídico Capitão Nascimento, certamente, Praia do futuro não teria a repercussão que está tendo. Posto que a maioria dos comentários e indignações versa no entorno das possibilidades da sexualidade do tal capitão.
Dentro do quadro da filmografia de Karim Aïnouz, diretor de Madame Satã (um dos melhores filmes já feitos no Brasil), Praia do futuro é um bom filme. Estende as pesquisas de câmera feitas por Karim em O céu de Suely e desdobra as tópicas de O abismo prateado, por exemplo.
Perturbados com as cenas de tensão sexual entre as personagens de Wagner Moura e Clemens Schick, muitos espectadores perdem a oportunidade de ver em cena a doçura e a força do uso do abandono como procedimento fílmico. A câmera ora parece está abandonada, ora parece abandonar as personagens, misturando sujeito e objeto, forma e conteúdo.
Sendo "criatura do que vejo", como anotou Octavio Paz, a insalubridade da praia do futuro - lugar de bênção e maldição - quer mesmo é impregnar-se no espectador. Causar desconforto no confronto. Karim coroa tal procedimento ao fechar o filme com o título invertido. Ou seja, a ideia não é olhar a praia do futuro de-fora, como um-outro apartado de-mim, mas de-dentro, como um se, uma possibilidade de ser.
Falei em tensão. Sim, há mais tensão que tesão na relação entre Donato e Konrad: O macho cearense e o macho alemão. Onde o desejo? A língua? A macheza? A morte? O mar? O sol? O frio? O silêncio. É no silêncio e no interdito, ou no não-dito, que as personagens de Karim vivem. Do "aquaman" que foge de seu lugar para viver aquilo que ele é (um salva-vidas em busca do próprio salvamento: "aqui nessa cidade subaquática eu não preciso mergulhar para me sentir livre", diz) ao irmão pródigo que constrói a vida tendo a mágoa como alicerce. Abandonar não é esquecer. Lidar com tais diferenças é o que fazem as personagens serem como são. E é preciso anotar que sabemos muito pouco sobre cada uma delas. O filme exige a montagem de um quebra cabeça e na maioria das vezes as peças não se encaixam. Para o bem e para o mal do próprio filme.
Para mim, Praia do futuro é um filme sobre Ayrton, vivido pelo brilhante Jesuíta Barbosa. Tal e qual o Aquiles homérico, que passa a maior parte da narrativa ausente da Ilíada, Ayrton é o motor do filme. Tudo o que acontece, principalmente nas frestas não exibidas da história de Donato, é uma preparação para o retorno da personagem de Jesuíta: é a odisseia particular desse o que alimenta todas as lutas corporais vividas pelo melancólico irmão Donato. Cada qual experimenta o medo de se afogar de modo singular, mas complementar. E isso é recolhido na longa sequência final.
Os ângulos do triângulo amoroso criado por Karim não convergem, assim como as cenas sobrepostas, assim como o tempo que escorre longe dos olhos do espectador. Por fim, é na beleza da fotografia - no contraponto entre a luz brilhante do trópico, quando o diretor faz uma citação à obra de Alair Gomes, e a luz fechada da Alemanha, que influencia nos corpos e nas ações das personagens - que Karim encontra a cor exata para exibir gente viva, desolada e brilhando na noite. Se "o futuro já começou", resta saber quando viver o presente.

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Ricardo III

Ao despojarem a peça shakespeariana de toda pompa circunstancial, Gustavo Gasparani e Sergio Módena criam um Ricardo III singular e não menos potente. O investimento na lucidez vocal de Gasparani faz a peça exigir imaginação e pensamento do público. E só por isso já mereceria atenção, pois nos leva a "ver aquilo que não vemos": eis o golpe da arte.
Porém, aliados a isso, é preciso destacar os jogos cênicos desenvolvidos por um Gasparani ora comentador, e, por isso, próximo ao espectador, porque "humano", ora ator desdobrado num elenco de personagens grandiosas e diversas.
Ao final, o Ricardo que na parte III de "Henrique VI", também de Shakespeare, diz "posso sorrir e assassinar enquanto sorrir; posso gritar 'Contente!' aos que atormentam meu coração; posso molhar meu rosto com lágrimas hipócritas e compor minha face para todas as ocasiões! Afogarei mais marinheiros do que a sereia; matarei mais admiradores do que o basilisco, representarei o papel de orador tão bem quanto Nestor, enganarei mais astutamente do que Ulisses e tomarei outra Tróia como um Sínon. Sou capaz de acrescentar cores ao camaleão, de lutar em metamorfoses como Proteu, de enviar à escola o sanguinário Maquiavel" apresenta-se por inteiro diante de nós.

domingo, janeiro 05, 2014

12 anos de escravidão

O filme 12 anos de escravidão fala das coisas do Brasil e seu racismo antigo intacto. Mostra que autonomia não rima com liberdade. Ou, como cantam Wisnik e Mautner: "A liberdade é bonita, mas não é infinita! Eu quero que você me acredite, a liberdade é a consciência do limite. E o resto, me entenda, é desconcentração de renda!". Deixa a pergunta: até quando tanto horror perante os céus?