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terça-feira, agosto 26, 2008

Somos bronze

No momento em que escrevo este texto ainda não é possível conversar sobre qualquer assunto sem mencionar a palavra Pequim (ou Beijin, para os puristas). Dominando 100% da mídia, o fenômeno olímpico tem aspectos bastante interessantes a serem observados e que revelam muito de nós brasileiros.
Não é segredo para ninguém que gostamos de nos gabar como “os melhores” nisso e naquilo. Desde o grupinho que joga pelada no campinho de terra até a seleção brasileira, todos são “os melhores”. Daí a graça de se comemorar medalhas de bronze como se fossem recordes mundiais, enquanto, por exemplo, o lutador sueco Ara Abrahamian joga fora o seu bronze. “Eu não preciso dessa medalha”, disse o atleta.
A imagem do ginasta Diego Hipólito se desculpando pela não-conquista-olímpica nos causa um sentimento misto de pena, constrangimento e frustração. Desde então ele não pára de se desculpar e dizer que não consegue dormir. Afinal ele “era” nosso herói. E precisamos de heróis (!).
Daiane dos Santos – depois de atingir seu máximo de exposição na mídia, desapareceu de tal forma que poucos sabiam de sua presença em Pequim – também não conquistou medalha. Será que acontecerá com Diego o mesmo que aconteceu com ela? Ou seja, basta deixar de ganhar para ser afastado dos noticiários?
E, por falar em mídia, as Olimpíadas mostraram que nada fica mais velho repentinamente do que uma primeira página de jornal. Terça-feira, dia 19, as bancas amanheceram com fotos de Ronaldinho Gaúcho sorridente. Exemplo de superação. A retomada do craque. Rumo ao campeonato inédito. Uma porção de frases ufanistas que ficaram vazias e caducas poucas horas depois, naquela mesma manhã de confiante glória, com a derrota por 3 a 0 para Argentina. Mas somos mesmo inclinados ao exagero momentâneo. E isso não é uma crítica, apenas uma constatação. A fila anda. E a fila de “heróis” parece que anda mais rápida por aqui.
Antes de encerrar o texto quero me unir aos admiradores de Dorival Caymmi, que soube acalentar como ninguém, com a simplicidade de gênio, quem vive distante de sua terra natal. Quando a “porta do sol” me falta, por exemplo, palmeiras altas “mandam um vento a mim. Assim: Caymmi”, como diz o verso de Caetano. Pois suas canções se encaixam no lugar universal onde a saudade e a melancolia gostosa fazem morada.

Texto publicado no jornal A União-PB, 23/08/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:
= Filme O Procurado (Wanted) – O manjado roteiro sobre um cara fracassado que se descobre o escolhido para "salvar" o mundo é retomado aqui com seqüências dignas de Bond e Matrix. Mas o filme quer ser mais que isso. Mostra o homem perdido no emaranhado dos fios do destino, literalmente. Cine-pipoca com diversão garantida.
= Show 50 anos de bossa nova – Caetano Veloso e Roberto Carlos no Teatro Municipal do Rio, em homenagem a Tom Jobim. Preciso escrever alguma coisa?
= Exposição Art Breaks: a MTV e a cultura visual contemporânea – Reunião das vilhetas que fizeram sucesso no canal. É uma volta no tempo, para quem viveu a "geração MTV". Tem coisas dignas de visita, como a sessão em que as vinhetas tiram sarro da própria MTV e dos que a consomem. No Oi Futuro até 31/08.
= Exposição Travessias Cariocas – Na Caixa Cultural-RJ, uma mostra coletiva que aponta como questões semelhantes atravessam a obra de diferentes artistas. A poética da especulação estética ainda permanece aberta. Pena que muitos pararam em pontos já radicalmente e com eficiência tratados por Duchamp. Agora soam como pesquisas desgastadas. Até 28/09.
= Livro Engenharia Erótica (Hugo Denizart) – Cuidadosa reunião de depoimentos e fotografias sobre os travestis do Rio de Janeiro. Com respeito, mas sem falsos pudores, Denizart apresenta, num belo jogo de luz e sombras, como é a vida de quem tem um "corpo montado".

quarta-feira, agosto 13, 2008

A Carmen de Ná

Ná Ozzetti apresentou no Rio um show em que visita o repertório de Carmem Miranda, que, segundo ela, é uma referência fundamental em sua carreira. O resultado não poderia ser melhor. Amadurecida que é no trato de repertório do nosso cancionista popular, a cantora nos presenteia com um espetáculo minimalista, que não perde de vista os balangandãs daquela que, com sua dicção ágil e uma malícia quase ingênua, “inventou” o modo de cantar o samba.
Carmen Miranda, como escreveu Caetano Veloso, representa para nós um “misto de orgulho e vergonha”, cuja biografia vai contra “nossos anseios de bom gosto e identidade nacional”. O fato é que quase tudo o que se faz em arte no Brasil passa pelo que ela nos deixou. A portuguesa nascida em Marco de Canaveses é, ainda nas palavras de Caetano, nossa “caricatura e radiografia”. Ela condensa em si signos que tensionam a nossa “brasilidade” ao máximo e intensifica isso pondo em xeque as questões do que podemos chamar de “Nacional”.
Voltando ao espetáculo de Ná, quanto ao figurino, a alternativa encontrada para estabelecer melhor balanceamento entre as canções é um vestido longo preto. Os balangandãs ficam por conta das várias pulseiras coloridas que ornamentam seus braços inquietos, que jamais caem no caricato.
Importa chamar atenção para este fato: a não imitação. Óbvio que é impossível cantar “Boneca de piche”, por exemplo, sem as afetações personalíssimas doadas por Carmen à canção. Mas são expressões faciais, vocais e gestuais que Ná Ozzetti soube captar com sofisticação e sensibilidade.
As canções mais populares, e são muitas que ainda permanecem em nossa lembrança, mostraram o acerto do roteiro. A platéia não deixou dúvidas da satisfação com a qualidade do repertório, da voz e dos arranjos apresentados. Aliás, o quarteto que acompanha Ná Ozzetti é um elemento importante para o sucesso do show. Muito semelhante ao que acontecia entre Carmen e o seu Bando da Lua, os músicos do show também dialogavam com Ná não só tocando, mas também cantando.
O show “Ná Ozzetti canta Carmen Miranda” mostra como se dá a transposição do sentido da mestiçagem e da hibridização na arte de Carmen. O cuidado musical e vocal do espetáculo mostra uma abordagem original sobre a complexidade da sua obra.

Texto publicado no jornal A União-PB, 09/08/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Peça Bent – Mostra como atores inexperientes e um texto mal trabalhado transformam uma história densa, como é a da situação dos gays no período nazista, em tiradas risíveis, no pior sentido da expressão.
= Peça Uma janela em Copacabana – Quando não há mais como enrolar o espectador, a peça acaba. Sem nenhuma explicação ou sentido.
= Espetáculo Arlequim no Inferno – Enrico Bonavera, ator italiano, interpreta o personagem título - Arlequim - que vai com Orfeu ao inferno buscar Eurídice. Um quase monólogo em que Bonavera, usando máscaras de Donato Sartori, dá um show de consciência e trabalho corporal e vocal. O triste é comparar com os atores do Brasil. Mais preocupados em transformar seus corpos em coisas rígidas, travadas e "malhadas" do que prepará-los para o ofício do teatro.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Olho cego

No som toca “Olho mágico”, canção do novo CD de Gilberto Gil, “Banda Larga Cordel”. Os primeiros versos dizem “você quer ver um piolho no pêlo da minha púbis”. A letra é um diálogo entre alguém que quer esmiuçar a vida de outra pessoa, como se este estivesse no “big brother”, e esta pessoa reage indignada.
“Quer meu álbum de retratos / Remexer minha gaveta / Arrumar o meu armário / Refazer meu guarda-roupa”, canta Gil, para logo a seguir responder “Que saco, que saco! / Como se isso fosse um jeito / De você bisbilhotar meu silêncio / Ou minha festa”.
Gil mostra ao longo da canção o quanto os estereótipos dos “reality shows”, na tentativa de atenderem à diversidade social e cultural, acabam por reduzir seus participantes a indivíduos “vivendo algo patético ou trágico”.
Penso que, o jogo com o EU, levado ao extremo no mundo virtual, não escapa dos jogos do ilusionismo e da ficção assumida como tal. Pensar o contrário é ingenuidade. A perscrutação da vida íntima não é autêntica, pois qualquer tentativa de “documentar” a intimidade faz com que ela deixe de existir e tudo soa forjado e falso.
O sujeito da canção quer uma relação longe da evasão de privacidade que o outro tenta impor, em que os dois, sendo “um” juntos, possam manter suas individualidades e diz “você pensa que eu estou fora de moda / porque ainda considero a solidão”.
Ora, considerar a solidão, num momento em que tudo é visto-em-tempo-real-por-todos, é no mínimo desafiador para o outro, e mesmo para o sujeito imerso neste pensamento coletivo. Solidão definitivamente não combina com o exibicionismo de nosso tempo.
A letra de Gil sugere ainda que desejamos ver além do que o olho sensível permite. Daí criar um “olho mágico”, que filma “tudo o tempo inteiro”. “Estou me dando todo”, diz a letra. Mas, o outro não percebe, cego que está, paradoxalmente, no contexto.
Não restam dúvidas de que os avanços tecnológicos jogam novas luzes sobre questões do passado e de sempre. No momento em que discutimos qual será o futuro das relações interpessoais diante da interconectividade, o novo trabalho de Gilberto Gil lança sobre tais (in)definições um olhar otimista, sem perder de vista o olho crítico.

Texto publicado no jornal A União-PB, 26/07/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme Batman – O coringa, como todos supuseram, rouba a cena. E desta vez, sem sua caverna escura (agora ele tem uma ultra-iluminada) a escuridão está imbricada no interior das incertezas de Batman. Imperdível!
= Exposição Ilustrando em Revista – Amostra de ilustrações que marcaram as publicações da Editora Abril. A riqueza das técnicas e estilos são o grande lance da exposição que ocupa o Centro Cultural da Justiça Federal até 31/08.
= Show Ná Ozzetti canta Carmen Miranda – Longe de querer estilizar Carmen, Ná cantou o nosso maior ícone com toda a consciência crítica possível. Tema para meu próximo texto.
= Mostra Cine LGBT (Homenagem ao escritor Caio Fernando Abreu) – Enquanto filmes, "Dama da noite" de Mário Diamante, "Sargento Garcia" de Tutti Gregianin e "Aqueles dois" de Sérgio Amon têm suas qualidades. Uma pena que muito pouco do imaginário de Caio Fernando Abreu tenha sido captado pelos diretores.