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sexta-feira, março 23, 2007

Fruição e Senso Crítico

Eu estava preparando um texto sobre outro assunto, para postar aqui no blog, mas depois que assisti ontem à estréia do monólogo Federico Garcia Lorca: Pequeno Poema Infinito, e diante de tamanha beleza e de uma interpretação tão segura e delicada, eu não poderia ficar quieto. Pelo contrário, fiquei extremamente inquieto e perturbado com tudo que vi e senti durante a apresentação.
Segundo o texto de divulgação:“A peça foi criada a partir de uma conferência de Lorca, Como Canta Uma Cidade de Novembro a Novembro, realizada em 1933, em que o poeta falou de sua terra natal, Granada. Através da descrição do movimento contínuo das estações do ano, do folclore musical, das tradições do povo e das paisagens, Lorca revela suas mais marcantes experiências como artista e cidadão granadino.”
Confesso, talvez pela formação acadêmica que, se nos deixa sensíveis por um lado, torna-nos “insensíveis” por outro, fazia tempo que eu não experimentava uma sensação de inquietude tão profunda, no entanto consciente, diante de uma obra de arte.
Nos tempos em que se tenta discutir o que é o belo e/ou porque temos medo do belo, o ator, José Mauro Brant (foto) e seu diretor, Antonio Gilberto, conseguiram a medida certa do belo, sem medos ou arremedos, no soturno da obra de um artista grande e complexo como Lorca.

Com um bom currículo (está em cartaz também com o musical Aracy Cortez: A rainha da praça Tiradentes, que também já vimos, Carlos e eu), o ator conseguiu fluir num texto de pouco mais de uma hora – tratando de poesia, teatro, vida, folclore e costumes granadinos... –, sem perder as singularidades e sutilezas do personagem, os movimentos sutis, referenciando a introspecção e a melancolia de alguém sempre cutucado pela morte e a entonação vocal (ele canta e conta piano durante o espetáculo).
O roteiro tem uma visão, digamos, bem brasileira dos textos de Lorca, sem o "peso dramático" que teria caso fosse escrito por um espanhol, oferecendo leveza às densidades dramático-introspectivas do texto composto por inversões sintáticas interessantes, cobrando do ator maior trabalho de marcação, seja na luz algo transcendental de Paulo Cesar Medeiros, seja na cenografia de Ronald Teixeira.

Me emocionei alguns vezes, ri outras tantas, confesso que foi algo de catarse mesmo, de pura e nada simples fruição.
Claro que foi visível algum nervosismo, vez por outra. Afinal era a estréia!
Todavia foi, sem dúvida alguma, algo extremamente tocante, seja pelo poder de causar a fruição do espectador, seja por realmente ter qualidade artística para calar qualquer crítica mais fria.
Por fim ficou ressoando em mim, dentre tantos questionamentos, estas palavras do Lorca, vivenciadas brilhantemente pelo ator José Mauro Brant: "O Teatro é a poesia que se levanta do livro e que se faz humana..."

sexta-feira, março 16, 2007

Literatura Homoerótica

Ainda não havia sido escrito nenhum texto específico sobre Literatura aqui no blog, mas, como esta semana comemoramos o dia da poesia (14 de março - por isso este belo poema de Augusto de Campos Rosa para Gertrude ilustrando este post), resolvi revisar e sintetizar um texto meu já publicado, sobre Literatura Homoerótica.
A primeira questão que nos inquieta é se realmente a literatura (e a arte no geral) precisa ser classificada em homoerótica, panfletária, feminina etc e tal. Acredito que sim, mas só para fins didáticos e de pesquisa, pois a literatura homoerótica, para firmar-se como literatura, acredito, precisa estar dentro e junto – apresentando todas as singularidades da boa escrita – e não separada e periférica, como um resultado ao contrário da “luta” de alguns engajados.
Tratar da Literatura Homoerótica ainda é tão complicado e difícil quanto a discussão sobre o desejo homoerótico em si, hajam vistos os preconceitos, mesmo de acadêmicos, que ainda giram em torno do assunto. Denílson Lopes, em seu livro O homem que amava rapazes e outros ensaios
, afirma que a literatura gay não é aquela que retrata apenas o cotidiano sexual dos indivíduos com inclinação homoerótica, mas, principalmente, é aquela que transforma em arte a experiência do “sair do armário”, atitude que implica sérias conseqüências, longe dos estereótipos sociais e midiáticos.
A maioria dos estudiosos sobre o assunto concorda que o Brasil iniciou-se no campo da literatura homoerótica com Bom-Crioulo (1895), do cearense Adolfo Caminha. Desde então, apesar das severas críticas de alguns segmentos da sociedade e das rejeições do mercado editorial, fazem parte da produção literária brasileira, textos gays e lésbicos.
Isso se intensifica nas idéias e pensamentos libertários da contracultura dos anos 60/70, mas é a partir das décadas de 80/90, quando a “homossexualidade” deixa de ser considerada doença, pelo Conselho Federal de Medicina, com a luta dos movimentos gay-lésbicos, em defesa dos diretos destes, que acontece o impulso para a propagação dessa literatura.
Foucault, ao tratar desse assunto em Um diálogo sobre os prazeres do sexo, afirma que com o repúdio da cultura cristã sobre o homoerotismo, a literatura homoerótica “concentra sua energia no próprio ato sexual”, pois não se permitiu ao indivíduo homoeroticamente inclinado elaborar um sistema de corte, “uma vez que lhes foi negada a expressão cultural necessária a essa elaboração”. Já Jurandir Costa Freire, em A inocência e o vício
, diz que “a AIDS realçou definitivamente o arcaísmo cultural da noção de homossexualidade”, mas certamente também marcou a proliferação de escritos sobre o tema.
E Severo Sarduy, em “O Barroco e o Neobarroco”, leva-nos a concluir que o erotismo praticado pelos indivíduos homoeroticamente inclinados é um símbolo do jogo com o objeto perdido, haja vista a violação da finalidade, estabelecida pela visão clássica (judaico-cristã), para os corpos. Desse modo, o erotismo praticado pelos gays afirma uma incerteza, abrindo espaço para a contradição com os padrões da “normalidade” estabelecida.
A presença da temática homoerótica na literatura brasileira é bastante forte: Glauco Mattoso, Caio Fernando Abreu, Raul Pompéia, Valdo Mota, Roberto Piva... Sem esquecermos os inúmeros poemas e contos gays (muitos de qualidade duvidosa, como em qualquer tipo de literatura) que saltitam o tempo todo, tanto em sites direcionados ao público gay, ou não.
Por fim, acredito que é importante saber como a arte pode contribuir para uma visão mais sutil das relações afetivas entre “iguais” e como a discussão sobre o homoerotismo pode contribuir na compreensão da arte contemporânea.


Em tempo: Acabei de ler A cidade e o pilar (1948), de Gore Vidal, um dos primeiros romances do amor masculino da literatura norte-americana. Romance cujo núcleo central é o amor entre dois jovens que, para um deles, se transforma em obsessão na vida adulta.
O livro não levanta bandeira, nem faz apologia ao amor gay e exatamente por isso, trata o tema de forma normal impingindo a normalidade que o assunto requer.


segunda-feira, março 12, 2007

Ainda Babel

Por Carlos Eduardo dos Santos

Talvez não haja mais o que falar sobre um filme depois que ele perde o Oscar. Pode parecer chutar cachorro morto. Porém, desde que Babel estreou por aqui, em meados de janeiro, por mais de uma vez eu e Leo nos deparamos com uma situação estranha. Era como se as críticas ou observações que líamos fizessem uma leitura do filme considerando-o como um produto feito para passar no Brasil ou no Marrocos. Como se fosse um filme para ser lido por nossas sensibilidades, a partir do nosso ponto de vista das situações.

Evidente que por esse ângulo haverá uma compreensão bem diferente, embalada principalmente por nossas emoções ao nos ver retratados em algumas situações, em especial as dos mexicanos.

Porém ficamos particularmente curiosos de saber o que nossos irmãos latinos da América do Norte pensam da representação deles e de seu país, mais uma vez estereotipada, a lá Speed Gonzales. Sim porque o México, quando a câmera cruza a fronteira, é o dos sujos, feios, pobres, e totalmente passionais. Pessoas que não agem como seres pensantes e sim como vulcões emocionais.
Nos USA as ruas são certinhas, bem calçadas, e ainda é dia. É só cruzar a fronteira que cai a luz e o que vemos - através dos olhos das crianças brancas que vão no banco de trás do carro da babá mexicana - são prostitutas, lugares decadentes, gente estranha.
Na festa, o sobrinho mexicano (Gael Bernal) da babá - sorrindo sadicamente no meio de bando de crianças - mata um frango de modo bárbaro sob o olhar aterrorizado do menino americano. Aliás, este é um dos grandes problemas de
Babel: o ponto de vista da câmera. É o ponto de vista de quem está achando tudo estranho. No México são as crianças, no Marrocos são os americanos, e no Japão é a própria platéia porque fomos "educados" pelas lentes ocidentais a ver sempre os orientais como "estranhos".
Mas ainda no México vemos o sobrinho da babá dirigir como um louco, bêbado, um carro caindo aos pedaços e furar a barreira da fronteira, com crianças a bordo, sem medir conseqüências dos atos. Tal como a babá, que irresponsavelmente havia largado suas obrigações e carregado duas crianças numa aventura. Mas afinal "eles" não raciocinam mesmo...
Nossa leitura abranda todos estes estereótipos porque vemos romanticamente como a força das paixões, das pessoas verdadeiras que agem dominadas por seus impulsos. Idéia que agrada muito ao público latino desde Carmen.
Porém, cabe lembrar para quem, e para qual mercado afinal foi feito o filme. E lembrar também em quem vota nele para o Oscar.
Em sã consciência, alguém acredita que um americano (ou europeu) ao ver aquelas imagens do México vai se lembrar que aquele é um dos países mais dinâmicos do mundo, com uma capital moderníssima, uma indústria que tem dado banho na nossa, uma sociedade desenvolvida? Ou vai lembrar daquelas figuras de poncho e sombrero, dormindo sentadas nas calçadas tais como num desenho do Ligeirinho. Vai lembrar da folclorização de Frida, de toda a filmografia americana que insiste em mostrar os mexicanos ora como um povo alegre que vive dançando e bebendo, ora como pessoas perigosas, ou ora como integrantes de um grande bordel. Afinal vários filmes americanos já mostraram os ianques cruzando a fronteira do México para buscar sexo (até Brokeback Mountain).
A imagem cristalizada pelo cinema americano - e que em alguns aspectos Babel reforça - é de que o mexicano é um povo preguiçoso, bêbado, sanguinário, bandido, violentamente passional e sem caráter.

E as imagens da violência, pobreza e atraso do Marrocos? A impressão é de que a câmera assume um postura de documentário, vasculhando a miséria humana, de vidas sem perspectiva, presas a seu destino. Uma família isolada e sem valores, uma aldeia insalubre onde o médico ineficiente é substituído pela fumaça da curandeira, uma polícia estúpida e violenta. Aliás, bem ao contrário da polícia americana que é mostrada firme porém humana (dá até cobertor para a babá detenta).
Por conta de criar uma situação dramática relacionada com outras histórias, os autores reforçaram um estereótipo de povo que mata sem motivo, como se vocacionados ao terrorismo. E não há tempo nem intenção de qualquer explicação (sociológica, antropológica ou não) para o que acontece.
Quanto a história da menina japonesa - sem dúvida a melhor, ao mostrar
a personagem muda "conversando" com todos (até por celular) mas se comunicando com poucos - também é temperada com o estereótipo na forma de mostrar o povo japonês. Aliás, em termos de cinema, os orientais são indiscutivelmente o próprio sinônimo para exótico e estranho. Chineses, japoneses, vietnamitas, mongóis, tibetanos, etc, todos são misturados num mesmo caldeirão de exotismo. Não há filme recente passado em Tóquio que não tenha uma profusão absurda de letreiros luminosos, zilhões de pessoas atravessando ruas, altíssima tecnologia, e gente com roupas e cabelos estranhos. Um vocabulário cinematográfico paupérrimo, sem dúvida. Mas são com lugares-comuns desse tipo que se escrevem centenas de roteiros.
Lembro especialmente o oscarizado roteiro de "Encontros e Desencontros", dirigido por Sophia Coppola e estrelado por Bill Murray. Celebradíssimo pela crítica, o filme é uma sucessão de piadinhas preconceituosas que Murray faz dos "estranhos" japoneses e seus costumes "exóticos". Confesso que na época que assisti, saí do cinema enjoado.

Mas o que mais me chama atenção em Babel é o papel dos americanos. Em primeiro lugar são representados por dois atores de beleza apolínea perdidos na desolação do deserto, entre turistas gordos e velhos, e uma população local de gente suja, feia, e de pele queimada e enrrugada. Parecem dois anjos perdidos num inferno. Quem sabe uma referência a Orfeu resgatando Eurídice do Hades?
Em segundo lugar o fato de que os americanos não dão um tiro sequer no filme. Eles são ora pessoas indefesas no Marrocos, ora policiais eficientes na fronteira.

Ouvi um comentário que a arrogância do personagem de Brad Pitt (totalmente justificada uma vez que tenta desesperadamente socorrer sua mulher num local que não tem absolutamente nenhum recurso) é rechaçada pela integridade do marroquino que não aceita o dinheiro dele. Francamente, é uma solução dramática muito antiga, que acaba parecendo mais aquela história da empregada doméstica que é pobre mas é "limpinha".

Mas, de toda forma, quando sobem os créditos a idéia que ficou clara pra mim é que para leitura dos mercados americano e europeu, Babel é uma mostra dessa realidade terrível que povoa o mundo lá fora. Penso na reação do americano que mal distingue um país do Norte da África de uma nação do Oriente Médio. Penso no quanto a "tragédia que se abate sobre os pobres e inocentes turistas do filme" não ajuda senão a apoiar, ao menos fazê-los se manter indiferentes a que se continue a invadir países "bárbaros". No quanto a atitude irresponsável da babá e o sobrinho bêbado alimenta as idéias de xenofobia e as restrições à entrada de imigrantes nos USA.
Provavelmente não foi nisso que pensaram os autores (diretor e roteirista), ambos latinos. A idéia de mostrar a incomunicabilidade entre os habitantes desse planeta funciona. Mas a escolha dos personagens e situações - a meu ver - foi um erro que compromete todas as boas intenções.

quinta-feira, março 08, 2007

Impressões de um Escândalo

Foi impossível não ir assistir a Notas Sobre um Escândalo com a idéia de que ouviria comentários imbecis, como, por exemplo, os soltados nas salas de projeção onde era exibido o Brokeback Mountain.
Não há, pelo menos pra mim, comparações estruturais e formais entre os dois filmes, no entanto, ambos falam, numa superficial leitura, sobre solidão, (des)lealdade e amor homoerótico, ou não? Por mais que o excelente roteiro, assinado por Patrick Marber (o mesmo de Closer), tente desviar a atenção, o filme trata disso.
O interessante foi ouvir os sorrisos encantados com a excelente construção da personagem de Judi Dench. Sim, eu também ri várias vezes. Outro fato interessante é que em nenhuma crítica sobre o filme há piadas como: “é um filme sobre uma sapatão psicopata”, ao contrário das várias críticas que reduziram Brokeback a um filme sobre “Cawboys gays”. Todas elas, e com grande justiça, elogiam as interpretações tanto de Cate Blanchett, como de Judi Dench.
Nossa platéia (quiçá alguns críticos) está mudando? Serão os efeitos Brokeback? Duvido muito. Na verdade, a primeira impressão resultante é que numa sociedade hetero-burguesa-machista-totalirária e hipócrita, como a nossa, o homoerotismo feminino é melhor “aceito”. Será?
Brokeback incomoda porque “normaliza”, sem estereótipos, um sentimento que, de todas as maneiras, a sociedade tenta manter periférica. Mas, Notas, de certo modo, não tenta fazer isso também, apesar de reforçar o estereótipo da sapatão? De todo modo, as diferenças entre os filmes são inúmeras, Brokeback Mountain é um filme sobre o qual ainda se falará muito, apenas estou tentando entender a posição da platéia e da crítica diante deles.
Por fim, para mim, Notas Sobre um Escândalo mergulha fundo numa assustadora e escamoteada natureza humana. Tudo poderia resultar num filme pesado, cansativo e chato. Porém, o que temos é uma apresentação sutil, mas assustadora, de um “problema” muito comum entre nós, mortais e modernos, ou seja, é muito mais fácil e confortável viver uma “vida” imaginária, alimentando os nossos comportamentos infantis, quando muito pré-adolescentes (e a internet tem favorecido tal atitude), do que crescer e encarar as dores e as delícias de sermos adultos.

(Sobre o mote do “complexo de Peter Pan” temos, ainda em cartaz, o filme Little Children, que recebeu a terrível tradução de Pecados íntimos).

segunda-feira, março 05, 2007

Tempo da Delicadeza

Desde que começou o ano já assisti a três musicais, dois no teatro: Sassaricando e Cauby! Cauby!; e um no cinema: Dreamgirls. Todos na onda do memorialismo que tem atingido todas as linguagens da arte.

Sassaricando, comandado pelas atuações preciosas de Eduardo Dussek e Soraya Ravenle, com sua intenção primeira de percorrer os temas abordados pelas marchinhas dos carnavais cariocas (quiçá brasileiros) de outrora, acentua o papel de cronistas dos seus criadores. Elas tanto cuidam dos casos de amor, quanto dos problemas de moradia, das profissões, da guerra, dos transportes, da política, da comida e da bebida, dos modismos, da cidade e nunca deixam de ser deliciosas, mesmo quando politicamente incorretas. É um espetáculo para cantar junto, sair pela rua ainda cantando, remetendo-nos aos tempos dos carnavais de rua e suas inversões quase bakhtinianas.

Cauby! Cauby!, com a interpretação de Diogo Vilela, conta a trajetória da carreira de um homem que, controvérsias a parte, pertence ao universo musical do Brasil. Quando fui convidado para ir assistir ao espetáculo, fiquei pensando como seria interpretar alguém que, por si só, já é uma caricatura de si mesmo. Mas Diogo realmente consegue manter os trejeitos e marcadores até o fim, mesmo quando ninguém queira tal fim. É emocionante ver as senhoras acenando tchau para Vilela como se ele “fosse” Cauby. Bons tempos o da delicadeza!!!
Destaco ainda a magnífica presença da cantriz Marya Bravo, ela merece um espetáculo só pra ela. Como disse Carlos, aquela voz pode tudo!

Dreamgirls é um filme que soa como um filme antigo reunindo vários filmes antigos. Gostei do filme. Ele tem momentos aqui e acolá de emoção verdadeira, aliás é buscando fisgar o espectador pela emoção, que o diretor Bill Conton peca pelo exagero. Essencialmente, o personagem de Jamie Foxx me fez lembrar a história de Elvis Presley, dos Jackson Five e de Tina Tunner, entre outros, que tiveram de sucumbir às “atrocidades do bem” de seus produtores e empresários no início da carreira (aliás até nosso Cauby teve seu “padrinho”). Só não entendi porque a Jennifer Hudson concorreu, e ganhou, ao Oscar na categoria de melhor atriz coadjuvante. Para mim, a sua personagem é a espinha dorsal da história. Talvez tenha sido para não ofuscar o “brilho” de Beyonce Knowles.

Enfim e por fim, fica a impressão de que é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro. Estas fugas para um passado mais delicado e com promessas de felicidade futura, que anda impregnando a arte, nas suas várias linguagens, faz-nos, por lapsos de momentos, superar a fragmentação descontrolada da nossa vida presente. Não sei em que momento, mas perdemos algo que tem causado todos estes sustos (se é que alguém ainda se assusta) dos tempos modernos. Sem dúvida, é sim, mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro. E isso é triste!

sexta-feira, março 02, 2007

O primeiro melhor filme de 2007

2007 nem começou direito, sim, pois só agora passou o carnaval, e já temos um filme com tudo para ser o melhor desse ano: Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América. (Borat, Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan EUA, 2006).
Como o enorme e irônico título deixa claro, o personagem principal, idealizado e interpretado por Sacha Baron Cohen, também roteirista do filme, apresenta a viagem de um repórter de TV do Cazaquistão enviado aos Estados Unidos para uma série de reportagens sobre o modo de vida deste rico e poderoso país.
O filme tem conceito documental. Desde o início, quando Borat começa apresentando sua terra e sua família, percebe-se o tom do discurso que será sustentado durante o filme. A partir de então, somos bombardeados por uma série de situações, as mais inusitadas possíveis.
Em tempos de “politicamente correto”, com a sua conseqüente chatice e marasmo, erroneamente assimilados pela arte (o alardeado Babel sendo um exemplo disso, com uma conclusão em que se reitera a hegemonia americana e “folcloriza” as demais nações), Borat está na contra-mão.
Deficientes, negros, gordos, gays, mulheres etc e tal são ridicularizados o tempo todo, num "desperdício" de imagens e diálogos resultando numa condensação de informações e discussões inteligentes . Destaque para a cena em que o presidente Bush é “exaltado” às avessas no meio de um rodeio no interior dos Estados Unidos; para o momento em que Borat participa de uma parada gay sem saber do que se trata, apenas porque ali, os homens se beijavam, conforme é comum na sua terra; e para a briga que Borat tem com seu diretor. É com, digamos, “ingenuidade e deslumbre de colonizado”, que Borat consegue dar leveza às ácidas críticas e autocríticas do filme.
O roteiro consegue tratar de uma boa quantidade de temas políticos e sociais sem perde o fôlego. No filme, e isso é o mais importante, há o “ridículo pelo ridículo”, causando um esvaziamento absoluto dos conceitos impostos, o que, sem dúvida, gera uma inquietação em quem vê, mas, caso quem está assistindo ao filme se permita, gera também inúmeras reflexões sobre o modo como estamos levando a vida.
Certamente é um daqueles filmes pra gostar ou odiar. Eu gostei muito! Ri muito, ri de mim mesmo, muitas vezes, coisa difícil em épocas tão complicadas quanto a que nossa sociedade está vivendo, em que agimos de forma cada vez mais carrancuda e individual.