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terça-feira, agosto 30, 2011

Marina Lima

Marina Lima
Clímax (Palco MPB)
Nelson Rodrigues
29/08/2011

segunda-feira, agosto 29, 2011

Inbox

Os laços humanos estão cada vez mais frágeis. Talvez como nunca na história. Talvez apaixonar-se e desapaixonar-se jamais tenham sido movimentos tão fáceis. Basta um torpedo e o começo do começo e/ou o fim do fim está dado. Talvez.
Ao mesmo tempo em que tudo parece mais fácil - tornamo-nos mestres em "facilitar a vida", basta tomar os remédios certos e deletar os contatos que insinuam qualquer possibilidade de dor -, o fato é que manter uma relação erótica-afetiva, com todas as consequências gozosas e dolorosas, tem exigido reinvenções íntimas em cada parceria, em cada parte envolvida.
Como lidar com os apelos que a vida on line e suas sedutoras sugestões à imaginação oferecem é uma delas. Pela internet entramos em contato apenas com o lado ficcional do outro. E não há nada mais apaixonante do que isso.
Inbox (direção de Bel Garcia), com Maria Eduarda e Gregório Duvivier, ao apresentar uma escritora em crise criativa e vivendo em uma relação gasta pelo cotidiano e o seu contato com um fã misterioso, via email, despoleta o arco teso das novas formas que o amor tem encontrado para ainda se fazer presente.
As soluções cênicas - as movimentações corretas e sugestivas das personagens - são exatas no desejo de presentificar o texto. A plateia entra numa intimidade que é a cada instante mais próxima.
A surpresa final, tantas vezes sugerida ao logo da peça, é comovente: lança luz e esperança - aquece, promove conexões insuspeitadas.
O mais radicalmente interessante no texto (Clarice Falcão e Gregório Duvivier) de Inbox é que questões como "olhar para o que está perto", "reconhecer o valor necessário do cotidiano" e "lidar com a ordem 'natural' das coisas" não soam pieguas, nem nostálgicas. Ao contrário.
Inbox usa os elementos da vida on line como um veneno-remédio para o tratamento e o cuidado dos afetos.
Com versatilidade precisa, Inbox tematiza o amor em tempos de excesso dos meios de comunicação versus a escassez de comunicabilidade "de perto": com aquelas pessoas com quem dividimos a casa, a mesa, a cama.
John/André (Duvivier) quer mostrar que, se há amor, deve haver - mesmo que seja na elaboração ficcional de si - a capacidade de adaptação e de manutenção do desejo.
Ao captar e traduzir o nublado desejo de Clara (Eduarda) ele se descobre. E faz do risco que isso implica uma aprendizagem: um livro dos prazeres compartilhados, construídos em parceria.
O último romântico? Talvez. Mas talvez também ele seja apenas um sujeito abrindo um novo labirinto dentro do labirinto que é - "sempre foi assim, assim será" - a arte de amar.

quinta-feira, agosto 25, 2011

Viver sem tempos mortos

Assim como a canção só tem razão se se cantar, o teatro é o efeito especial do instante-já da encenação. A parte isso, o teatro, enquanto gênero, reinventa-se com o mundo que roda.
Em tempos de artistas cujas carreiras são tão frágeis quanto suas competências profissionais, de espetacularização de toda sorte de efemeridades e de uma proliferação de monólogos, assistir a Fernanda Montenegro em Viver sem tempos mortos, no Teatro Dulcina, deveria estar entre aquelas 1000 coisas - se é que há tantas coisas imprescindíveis assim - para se fazer na vida.
Seja por ter sido no teatro, palco importante na história do Brasil, criado por Dulcina de Moraes, artista comprometida com sua arte, em uma era pré-Lei Rouanet; seja pela excelência do texto - uma adaptação a partir das correspondências de Simone de Beauvoir; seja pela economia da encenação em si - minimalista ao extremo; seja pela presença cênica de Fernanda Montenegro.
De fato, Viver sem tempos mortos é uma aula, nada didática. Felipe Hirsch (direção), Daniela Thomas (direção de arte), Beto Bruel (iluminação), Newton Goldman (pesquisa e compilação) e Fernanda Montenegro fazem da sensibilização a chave mágica da peça.
As sugestões cênicas - a cadeira no centro do palco, ao lado do túmulo invisível de Sartre, de onde Beauvoir reconstitui, pela memória, a própria vida; a luz focalizando a voz; e o comedimento gestual da atriz (de Beauvoir) - ampliam os sentidos de um texto meticulosamente bem montado: repleto de sugestões estimulantes do pensamento.
Viver sem tempos mortos mostra que, em teatro, um excelente texto só produz sentidos quando submetido a uma encenação que lhe é compatível. Afinal é aqui, em cena, que o texto encontra ressonância no mundo do espectador.
"Perceber é conceber", anotou Octávio Paz. Viver sem tempos mortos força (exige de) a plateia ao exercício - cada dia mais nublado pelos desejos impostos (enlatados e congelados) - da imaginação, da vontade de sentidos por trás do ruído.
Em resumo: O vigor de Viver sem tempos mortos está na sensibilização da intimidade. No redimencionamento do feminino em nós.

segunda-feira, agosto 15, 2011

Tim Maia - Vale tudo, o musical

Se você, entre muitos risos e lágrimas, emocionou-se com a leitura de Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia, de Nelson Motta, vai também ser afetado por Tim Maia - Vale tudo, o musical, dirigido por João Fonseca.
Tudo no espetáculo trabalha para a empatia rápida com a plateia: sejam os recortes amenos no texto do livro; sejam as soluções cênicas; sejam as interpretações caricaturais de personagens da história da canção brasileira - todos bastante conhecidos pelo grande público.
Por falar em interpretações, dizer que o elenco escolhido para este musical é irretocável seria redundante, mas necessário. Todos em cena merecem destaques e João Fonseca sabe explorar bem as possibilidades de cada um.
Porém, como não poderia ser diferente, o destaque é Tiago Abravanel: equilibrando semelhanças e diferenças com Tim Maia, o ator encontra um ponto próprio de intervenção artística.
E por falar em figuras caricaturais, talvez seja aí onde mora o segredo do espetáculo: não se quer interpretar o indivíduo socialmente reconhecível, mas recuperar e condensar mitemas que lhe traduza - o Tim - da melhor forma possível: tropical - "baseado em que você pode fazer quase tudo".
Atores e músicos se movimentam em um cenário que sugere uma vida - a de Tim Maia - passada dentro de um imenso backstage. Até algumas trocas de roupas são feitas diante do público. O recurso metalinguístico amplia a atmosfera íntima e joga com ficção e realidade - convida o público a entrar no jogo, nas canções, no labirinto que quer alcançar o sujeito Tim Maia: presente e ausente o tempo todo.
A intensão de Tim Maia - Vale tudo, o musical é levar a plateia à intimidade do mito: tantas vezes posta em público pela própria personagem. Uma intimidade ficcional, afinal não é proposta da peça encenar uma vida inteira.
Como no livro, a assinatura de um Nelson Motta íntimo da personagem dá o tom do espetáculo. O autor aqui e ali aparece em cena, seja na voz em off, seja encenado. Mas diferente do livro, a autoironia corrosiva de Tim alcança um nível humorístico que abrange um público maior. O espetáculo é indicado para maiores de 14 anos. E aqui mais um ponto para a direção de João Fonseca e sua capacidade de driblar com luz, som e sonho a melancolia destrutiva e construtora do mito.
Aliás, o grande foco da peça é mesmo o público que, entre memórias e novidades, encontra em Tim Maia uma possibilidade brasileira - malandra - de rir de si mesmo: dos acertos e, principalmente, dos erros cotidianos.
O Tim Maia do espetáculo, mais do que uma alegoria, é um símbolo do Tim Maia referencial: posto que, através das construções apresentadas no conjunto cênico, semelhante ao Tim Maia "real", ele faz da própria vida uma obra de arte: uma intervenção (por vezes uma imposição) de sua voz e de sua personalidade singularíssimas.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Dia do Orgulho Hetero

Para além do apelo comercial, pois até mesmo as intenções e os momentos mais nobres, revolucionários e íntimos são rapidamente absorvidos pelo mercado - o que, por um lado, não é de todo ruim -, destacamos no calendário os dias que, de tão importantes, naturalizam-se e perdem sentido na roda viva. Marcamos para não esquecer o que não pode ser esquecido.
Em geral, estes dias servem à lembrança e à celebração das vitórias e dos avanços humanos. É assim com o dia da mulher, da consciência negra, da independência nacional. Mas também para alertar o muito que ainda precisa ser feito para que a vida seja mais feliz, tais como, além dos também já citados, o dia das crianças, o dia do índio, o dia do orgulho lgbt e o dia do trabalho. Entre tantos.
Outros apertam sentimentos pessoais: se no dia das mães alguns lembram que tem (ou teve) uma, no natal - paralelo à comemoração religiosa e ao convite dos shoppings - damos mais atenção aos afetos, ao que de fato importa. Isso sem contar o dia dos namorados, dos pais, do amigo, da confraternização universal, de finados.
Aliás, por falar em religiões, é de se estranhar que elas não tenham percebido ainda que "a íris do olho de deus tem muitos arcos". Se somos todos filhos de um mesmo deus-pai (não importando o nome que se dá a ele), ou seja, formamos uma mesma família universal, por que a prática segregária engendrada por muitos líderes e seguidores religiosos: onde o ódio e a discórdia entre os "irmãos" são alimentados?
Eles dizem querer salvar a família e manter os bons costumes. Primeiro: ninguém salva a família, ela não é passível de pedestal, de cristalização - ela transmuta-se com o tempo que roda. À revelia de seus "protetores", a família (o conjunto formado por pessoas envolvidas pelo afeto) adapta-se aos tempos. A vida real, o cotidiano tem provado isso. Basta ter olhos para ver.
Segundo: ao definir o que são ou não são bons costumes estaremos sempre trabalhando no campo da subjetividade - do interesse de um grupo em detrimento de outro. E é aí que reside o germe da segregação, do ódio. Basta ter sentidos para sentir.
Ora, não podemos ser ingênuos bastantes ao ponto de pretender a concórdia geral. Somos diferentes e é a diferença que torna a vida complexa, rica, repleta de significados possíveis. Mas estamos expostos às mesmas (semelhantes) inquietações: o ser e o estar no mundo. O que deveria ao menos promover diálogos.
Seja como for, agendamos as datas que não queremos (nem podemos) esquecer. O dia do orgulho hetero, aliado a um iminente dia da consciência branca, lembra-nos que não importa nada - nem o horror da escravidão, nem o presidente mulato dos EUA; nem os sutiãs queimados, nem a lei Maria da Penha, nem a presidenta do Brasil; nem o Stonewall, nem os homossexuais vítimas fatais do ódio; nem a nossa brasileira genealogia mestiça, nem o ecumenismo que (ainda: por enquanto) nos sustenta - o macho adulto branco ("que só usa dez por cento de sua cabeça animal") vai estar sempre no comando.
(In)conforme-mo-nos.