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terça-feira, novembro 27, 2007

Teatro em dia 1

Neste fim de semana começou aqui no Rio a campanha “Teatro para todos”. Com espetáculos teatrais em preços mais acessíveis. Aproveitei para comprar ingressos para algumas peças que faz tempo que queria ver, mas os preços não deixavam.
A primeira foi Minha Mãe É Uma Peça. O espetáculo retrata a rotina repleta de dilemas e situações cômicas vividas por Dona Hermínia, uma mãe “normal”, como outra qualquer. Mas é exatamente no gancho da normalidade de “ser mãe” que se sustenta o enredo da peça. Os excessivos cuidados e as broncas em relação aos filhos são o mote para a maior parte do monólogo encenado pelo ator Paulo Gustavo, que também assina o texto, segundo ele, inspirado em sua própria mãe. Porém não se trata de uma biografia, alerta o autor-ator.
O monólogo já foi visto por 100 mil espectadores e continua a encher o Teatro dos Quatro, na Gávea. Daí minha curiosidade, atiçada ainda pelo fato da crítica comentar sempre muito bem. A temática é o grande trunfo, pois causa identificação imediata com o espectador. Difícil não relembrar ao menos uma passagem da relação com nossas mães. Por exemplo: em uma determinada hora, ela diz: "Esse menino não sabe o que é um copo de água desde os 12 anos, só quer saber de Coca-Cola!", ou ainda “Essa menina abre a geladeira pra pensar o que vai pegar”. Situações assim levam o público às gargalhadas.
Vale muito a pena conferir e rir de si mesmo.

A segunda foi Farsa. Um espetáculo que reúne 4 textos curtos de 4 grandes autores: Os Faladores, de Cervantes – em torno da volúpia verbal de dois tagarelas incorrigíveis; O Urso, de Tchekhov – sobre as desavenças e o enlace entre um rude fazendeiro e uma suspirosa viúva; O Médico Saltador, de Molière – que fala das impagáveis peripécias de um criado para promover a união do patrão com a sua amada e Os Ciúmes de um Pedestre, de Martins Pena - conta as artimanhas de um fogoso vizinho e de um jovem enamorado para ludibriar o terrível capitão-do-mato que, para seguir tranqüilo em suas andanças atrás de escravos fugidos, mantém sempre trancafiadas a mulher e a filha.
Cada história requer uma atmosfera e é absolutamente bem apresentada. O conjunto dos textos resulta em uma comédia deliciosa encenada pela excelente Bianca Byington, Cláudia Ohana, Luciana Braga, Mário Borges, Sérgio Marone e o sensacional Marcos Breda. Impossível não destacar o excelente trabalho vocal e corporal de Breda e Borges, ambos impecáveis.
Com o objetivo de entreter e provocar risos, a farsa busca humor basicamente em atividades físicas, ritmo acelerado, violência e efeitos visuais. Neste item destaca-se o figurino criado por Coca Serpa, e
m contraste às cores discretas do cenário de Hélio Eichbauer, que lembra antigas gravuras.
O espetáculo em cartaz no Teatro SESC Ginástico, com direção de Luiz Arthur Nunes, tem dinâmica harmoniosa com os textos, com marcas impensáveis e soluções muito engraçadas. Um espetáculo grandioso e arrebatador em tudo.

E a terceira foi o monólogo estrelado por Zezé Polessa, Não sou Feliz, Mas tenho Marido. Aliás, o que esperar de um espetáculo que tem cenário de Gringo Cardia, direção de movimento de Débora Colker, figurino de Alexandre Herchcovitch, iluminação de Maneco Quinderé e direção de Victor Garcia Peralta? Que seja, no mínimo, perfeito. E é!
Zezé Polessa está impecável nesta adaptação do livro homônimo da jornalista argentina Viviana Gómez Thorpe. A atriz demonstra concentração e maturidade tais que quem vê a naturalidade da representação, não imagina o trabalho para conseguir o perfeito clima de intimidade apresentado.
Viviana (Zezé), uma mulher casada há 27 anos, está lançando seu livro Não sou feliz, mas tenho marido, e em entrevista confessa: “sou romântica”, o que dá o tom da encenação. O romantismo faz com que a personagem não perca nunca a fé no casamento, mesmo passando por todas as confusões e frustrações - sempre vistas pela ótica do humor - de qualquer relação. O texto chama atenção pela forma bem-humorada de tematizar o delicado equilíbrio entre a comunhão com o outro e a preservação da individualidade. Imperdível!

Semana que vem comento as outras peças que já comprei ingresso. Aliás, quem estiver no Rio, corra e compre também. É a oportunidade de por seu teatro em dia.

RODAPÉ

De 29/11 a 06/12 acontece a 15ª edição do Mix Brasil – Festival de Cinema e Vídeo da Diversidade Sexual, aqui no Rio. Um dos grandes destaques da programação de 2007 é a homenagem ao grupo carioca Dzi Croquettes, criado no início dos anos 1970, inspirado no projeto norte-americano The Cockettes e no movimento gay off-Broadway. As sessões acontecerão nos cinemas da Caixa Cultural e no Cine Palácio. Vale a pena conferir! Mas adianto, é melhor seguir os títulos originais dos filmes, pois as traduções são assombrosamente toscas, inapropriadas e apelativas.
Vinheta: http://br.youtube.com/watch?v=eWVACsvp5qE
Programação: http://www.mixbrasil.org.br/

quarta-feira, novembro 21, 2007

Admirável Velho Som Novo

Faz tempo que não vou a uma boate. Mais por falta de paciência com a música, o ambiente fechado e a aglomeração de gente do que por qualquer outro motivo. Há uma massificação de comportamento nestes ambientes para o que, sinceramente, não tenho mais paciência. Mas neste feriado, em um destes “acasos” da vida, descobri na web o trabalho de um DJ que atende pelo curioso código(?) 440. Na verdade estou falando do DJ e produtor cultural Juliani Marzani, ou simplesmente “DJ 440”.
Ele já participou e produziu diversas festas no eixo Olinda-Recife e interior do Estado de Pernambuco, terra que sempre nos proporciona tantos trabalhos decisivos para nossa cultura musical. Dentre os quais Luiz Gonzaga, Alceu Valença, Otto, Mangue Beat... para citar alguns. Trabalhou ainda em alguns dos principais bares e espaços pernambucanos: Toca da Joana, Mad Pub, Boratcho, Capitão Lima, Novo Pina, Xinxim da Baiana, Fundaj, Mercado Eufrásio Barbosa, Centro Luis Freire, entre outros. Além de conceber e comandar o projeto “Terças do Vinil”, que tem o objetivo de reunir adoradores, colecionadores, vendedores do velho bolachão, além da troca de informações musicais.
Desde 1997 ele desenvolve uma incessante pesquisa de ritmos e musicalidades diferentes, sempre dialogando e trocando figurinhas com outros DJ’s e músicos. Tudo isso para agregar e enriquecer seus trabalhos em apresentações ao vivo ou em seus mixtapes desenvolvidos de forma conceitual. Além disso, também elabora trilhas musicais e participa de diversos eventos de moda.
O trabalho de DJ 440 está fundamentalmente centrado em sonoridades brasileiras do passado, presente e futuro, passeando pelo Samba-Rock, Drum´n Bossa e Mangue Beat ou flertando com Ragga/Dance Hall, Funky e o Hip-Hop. A esta “viagem musical” ele deu o nome de “Sambalogic”, em uma tentativa de traduzir o seu estilo.
Mais que isso, com seu trabalho, DJ 440 mostra que é possível ser antenado com o presente e com a moderna tecnologia, sem deixar de visitar, e mesmo “atualizar”, sons e ritmos que foram sempre barrados nos dance-clubs. Um importante trabalho de resgate de elementos de nossa cultura que podem deixar de existir por falta de consciência crítica e histórica de muitos.
Seus mixes e remixes são resultado de um aprimorado e consciente trabalho de pesquisa, que chega a ser assustador. O som de DJ 440 constata que é possível fazer “som de pista” sem ser uma mera cópia ou uma débil repetição de fórmulas importadas. As soluções encontradas a partir da mistura, diria antropofagia, dos próprios sons, ritmos e canções pesquisados é muito superiores a maioria dos sons de DJ’s badalados do eixo Rio-São Paulo. Mas fica uma dúvida: o seu trabalho agradará aos que não tem conhecimento de música popular e da infinidade de soluções que esse tipo de música pode resultar? Não importa.
Atualmente o DJ-440 se encontra em fase de divulgação nacional de seus mixtapes, distribuídos pela internet em seu website, entre outros canais de distribuição. Portanto, deixo aqui alguns lugares onde é possível obter mais informações sobre o DJ 440:

●web: www.dj440.com.br
●blog: http://dj440.multiply.com
●myspace: www.myspace.com/dj440
●fotos: www.flickr.com/photos/dj440

DJ 440 é isso Sambalogic! Farinha Electro! Correria!

RODAPÉ:

Sempre prometo que não vou ler críticas e matérias sobre um filme que estou interessado antes de assisti-lo. Porém não resisto. Li tudo que me caiu nas mãos sobre "O Passado", o mais recente filme de Hector Babenco, com Gael Garcia Bernal. Vi até entrevista com os dois juntos na TV. Enfim, fiquei empolgado com tantas coisas que críticos, ensaístas, jornalistas, etc conseguiram tirar do filme. Não via a hora de assistir esta que já me parecia a produção mais interessante do ano. Até que parei de ler sobre e fui ao cinema, me encontrar com o filme real. A essa altura não preciso dizer - está implícito - que fiquei um tanto decepcionado com o que vi. Tal como em Piaf, Hino ao Amor (título absurdo!), parece que vi cenas que ninguém viu. Ou não vi as cenas que todo mundo viu. Se em Piaf o retrato é de uma histérica que berra o tempo todo, em "O Passado", duas das três personagens femininas principais são caricaturas da ciumenta de camisa-de-força. Em resumo: personagens com apenas 2 dimensões. E não há nada mais brochante do que ver seres humanos reduzidos ao preto&branco.

terça-feira, novembro 13, 2007

Apenas o fim do mundo

“Devemos conservar no centro do nosso mundo o lugar das nossas incertezas, o lugar da nossa fragilidade, das nossas dificuldades em dizer e ouvir” Jean-Luc Lagarce

A peça “Apenas o Fim do Mundo” em cartaz na CAIXA Cultural do Rio de Janeiro é muito mais do que o depoimento de um filho que volta ao lar, depois de anos afastado, para contar de sua doença incurável e da morte próxima. Encenada pela Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, e dirigida por Marcio Abreu, ela traz uma aguda e pontual reflexão sobre a capacidade de identificar o que realmente é importante na vida.
Assistimos ao confronto do protagonista Luiz com a família, entrecortado por flashes em que o personagem vai resgatando na memória todas as fases da descoberta da doença. Diante das reações que sua presença impõe nos parentes, Luiz encerra sua visita sem ter conseguido dizer nada, tamanha é a dimensão das aproximações e afastamentos nas relações e revelações que se desenrolam. O fracasso de sua intenção evoca o fracasso nosso de cada dia, mas escancara portas, o que talvez seja mais importante, para vitórias cotidianas impensadas.
Temas como ausência, morte, amor, desamor, medo, ressentimento que permitiriam, em mãos erradas, resultar sobrecarregados de tintas escuras, ao contrário, mesmo emocionando bastante, são apresentados com uma leveza bastante delicada. Há a lágrima e o riso. A emoção é atingida exatamente pela maturidade fluida da magnífica interpretação dos atores. Sem dúvidas, resultado de um exaustivo trabalho de pesquisa sobre o texto.
Aliás, o texto do francês
Jean-Luc Lagarce foi o que mais me encantou. Cada frase, palavra e sílaba parecem ter sido (re)pensadas a mais não poder para se encaixarem na hora certa, no lugar certo e na emoção certa de cada atuação. A dicção primorosa dos atores, em especial de Rodrigo Ferrarini e Rodrigo Bolzan, permite que a platéia absorva todas as filigranas do refinado texto.
Quando do lançamento da peça, em Paris, falou-se muito de uma obra autobiográfica o que foi rejeitado depois pelos críticos, mas há sim um paralelo com a vida do próprio Lagarce. Ele escreveu a peça logo após descobrir que tinha AIDS. Autor de poucos textos, ele que ainda foi ator, diretor e editor é hoje - pouco mais de 10 anos após sua morte, em 1995 - um dos autores contemporâneos mais montado na França.
Sem dúvida, a escrita de Lagarce é delicada, sofrida e dolorosa, mas fala dos conflitos permanentes com a alteridade e da dor do não-dito. Transforma assuntos localizados em incômodos universais com maestria, como convém a um bom escritor. A impressão que tenho é a de que esta peça poderia ser encenada em qualquer lugar que conseguiria atingir objetivos semelhantes.

Ainda estão no elenco Christiane de Macedo, Giovana Soar, responsável pela tradução do texto, Lori Santos e Simone Spoladore. O espaço cênico elaborado por Marcio Abreu e Nadja Naira é minimalista, apenas” a sala de visitas da casa, com os móveis se movimentando pela manipulação dos próprios atores, tencionando o desconforto da presença do “visitante”, voltando a nossa atenção principalmente para os atores e a palavra, ou a busca exata dela. É a comunicação entre os personagens, ou a sua falta, o que importa.
Reafirmo: a encenação é exemplar. Os atores sorveram tudo o que podiam a respeito de Jean-Luc Lagarce (foto ao lado), autor que merecerá minha melhor atenção. As atuações parecem empenhadas em captar a sinceridade e sofisticada simplicidade do texto, provocando na alma o desejo de ser um ser melhor e de entender “o lugar da nossa fragilidade” individual e das “nossas dificuldades em dizer e ouvir”. Um lindo espetáculo!

RODAPÉ:

Está em cartaz no Rio um filme que evoca o caráter de divertimento puro que certo tipo de cinema nos traz. Planet Terror, de Robert Rodriguez (Sin City, Balada do Pistoleiro, etc) foi lançado no último Festival do Rio e é quase um trash-movie. Mas não se engane: é um mix, muito bem humorado, de inúmeras referências dos filmes dos anos 70. Com direito até um falso trailler de um filme fictício chamado Machete. Planet Terror foi exibido nos USA em programa duplo com Death Proof, de Quentin Tarantino, sob o nome de Grindhouse. Aqui pagaremos duas vezes para assistir a mesma coisa. Mas vale a pena.

quarta-feira, novembro 07, 2007

Festival Internacional de Animação Erótica

O 2º FIAERio – Festival Internacional de Animação Erótica está acontecendo de 06 a 08 de novembro de 2007 no Cine Odeon BR. O Festival, que pretende receber o que há de "mais quente", provocante e divertido na produção de animações para adultos com temática erótica, tem na programação 02 longas metragens e 49 filmes em curta metragem de animação de diversas partes do mundo, todos com a temática do erotismo e afins.
Bom lembrar que a 1ª edição do Festival aconteceu ano passado no Cine Íris. Este cinema é um patrimônio histórico do Rio de Janeiro, foi inaugurado em 1919, a arquitetura é uma síntese dos estilos arquitetônicos do início do século, com predominância do art-nouveau. Hoje o cinema exibe filmes eróticos e pornográficos.
A edição passada causou muitos comentários em diversos países, o que certamente ampliou a presença de diretores estrangeiros na nova edição.
Na programação do Odeon estão sendo apresentados projetos desenvolvidos em diferentes técnicas. Enquanto “Sand”, do americano Peter Sluska, usa stop-motion (técnica em que figuras feitas de massa são animadas quadro a quadro), “O baile”, da brasileira Viviane Valadares, abusa da pesquisa de linguagens, por exemplo.
Porém, a pretensão de provocar fica restrita a poucos curtas. Dentre os quais destaco o divertidíssimo “Bikini”, do sueco Lasse Person, com a história de um jovem que “sai do armário” ao usar, literalmente, o biquíni de bolinha amarelinha de sua mãe e seduzir dois salva-vidas.
Além do ótimo “Sand” em que um macaquinho se deixa iludir por uma macaquinha feita de areia e manifesta sua pulsão sexual. Este curta em particular me chama a atenção para a metáfora de muitas de nossas relações diárias. Algumas simplesmente se desvanecem no ar, como areia que escapa entre os dedos e não nos damos conta de que, desde o início, elas eram assim: fluidas, ou líquidas, como preferem alguns teóricos da modernidade. Outras, e isso o macaquinho expressa bem, tentamos dar forma, ou prende-las a um molde, a todo custo, por mais conscientes, ou não, que sejamos de suas fragilidades. Mas essa é uma análise muito singular para um filme que pretende ser “apenas” engraçado, e consegue.
Outro que chama atenção, pela temática, é “Instinct”, do francês Fréderick Venet, com a história de amor entre um homem e sua gata. Ele a imagina como mulher, mas ela continua selvagem como um animal. O que toca também na relação entre os humanos e seus “animais domésticos”.
E há ainda o americano e interessante “Teat beat of sex”, de Signe Baumane, com palestras sobre sexo oferecidas “por uma especialista no assunto”. Ilário.
O público é quem pontua as animações que são exibidas. As mais bem votadas serão anunciadas na festa de premiação que acontece no último dia do festival, nas categorias "Mais Quente", "Desejo Nacional" e "Desejo Internacional".
Para mim, fica a impressão de que a reprise em tela grande do excelente longa “Wood & Stock – Sexo, orégano e rock’n’roll”, de Otto Guerra, é o melhor do FIAERio deste ano. Além do mais, com tantas parcerias e com o apoio cultural da Playboy TV, For Man e Sex Hot, o Festival merecia maior divulgação e melhor produção.

RODAPÉ:

Saiu o tão aguardado sétimo disco da Nação Zumbi, a banda mais influente dos anos 90 – “Fome de Tudo”. Jorge Du Peixe, vocalista da banda que já foi comandada por Chico Scienci, explicou que “a fome percorre o disco em várias músicas”. Apesar da referencia este é um dos primeiros discos que eles gravam sem um conceito fixo. Sem a quantidade de samplers do disco anterior, "Futura", o novo trabalho tem 12 faixas bastante “orgânicas”. A produção é do norte-americano Mario Caldato Jr, responsável por quase todos os discos do Beastie Boys, além dos artistas brasileiros Marcelo D2 e Bebel Gilberto. Destaco “Carnaval”, “Toda surdez será castigada” e “A culpa”. Mas ficam na mente os versos da faixa-título: "a fome tem uma saúde de ferro / Forte como quem come" e de “Olimpo”: "todos os dias nascem deuses / alguns melhores e alguns piores do que você”.

quinta-feira, novembro 01, 2007

Lendo Clarice e ouvindo Cazuza

Estão à venda o CD e o DVD Barão Vermelho – Rock In Rio 85, com o registro da famosa apresentação da banda na primeira edição daquele festival. Além disso, em um debate semana passada aqui no Rio, Ezequiel Neves, descobridor da banda, anunciou o lançamento do livro Por que a gente é assim, biografia do Barão, escrita por ele juntamente com o jornalista Rodrigo Pinto e o baterista do grupo, Guto Goffi, com lançamento previsto para o final de novembro.
Sempre que se fala de Barão Vermelho lembro de Cazuza. Esta semana, por exigências acadêmicas, reli A hora da estrela, de Clarice Lispector e fiquei pensando nas semelhanças temáticas entre sua escrita e as letras de Cazuza. Pesquisei um pouco e descobri que A descoberta do mundo, livro de crônicas de Clarice, era o livro de cabeceira de Cazuza. Bingo!
Penso que para entender a produção de Clarice e Cazuza seja preciso investigar o contexto histórico no qual elas estão inseridas. Eles são intérpretes de um mundo cada vez mais veloz, com a urgência das informações e da fragmentação do ser humano. De uma sociedade que se torna cada vez mais escrava da imagem.
Donos de uma sensibilidade por vezes mórbida e de uma aparente insatisfação com o mundo, eles tematizam insistentemente as peripécias do “ser-no-mundo”.
Clarice e Cazuza fazem das dúvidas inconfessáveis a matéria-prima de suas obras, desmascarando a si próprios. Rompem com o equilíbrio do cotidiano a partir do momento em que questionam as verdades estabelecidas. Colocam em discussão a visão de um mundo múltiplo e que nos perturba exatamente pelas várias opções de resolução para uma questão interior e individual. Ao mesmo tempo em que percebem que nenhuma resposta satisfaz. Temos tantas opções que não sabemos o que fazer. Escolhe-se tudo. Escolhe-se nada.
Buscar a verdade é um desejo pontual de todos nós. Uns encontram a duras penas, outros a perseguem por toda a vida, porém a idéia de uma verdade maior, relacionada a nossa própria origem, incomoda muito. Quanto às verdades “menores”, o que se percebe em Clarice e Cazuza, é que qualquer acontecimento pode ser o detonador de verdades. Basta lembrar o caso da personagem G. H. diante de uma barata, ou ainda, Rodrigo S. M. diante de Macabéa. É preciso estar atento. Ou não? São as verdades que nos acham?
Há, e cada vez mais isso se agrava, a falta de paradigmas. “Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder”, ou ainda, “as ilusões estão todas perdidas, os meus sonhos foram todos vendidos”. É este ser, atormentado pelas descobertas de algumas verdades e sentindo-se só diante da necessidade de enfrenta-las, quem atravessa grande parte das letras de Cazuza. Estar no mundo e vivenciar seus paradoxos atormenta. Há uma urgência em viver o agora, pela ausência de perspectivas futuras.
Voltando a Clarice, Macabéa é um exemplo desse “ser-fraturado”, rompendo com a ordem das coisas quando, sendo virgem, admira Marilyn Monroe, símbolo sexual. O equilíbrio entre tradição e o embate com essa tradição paira sobre a única certeza de que não existe uma verdade única. A verdade é construída de acordo com a ocasião e as escolhas que cada um de nós fazemos. Daí que “raspas e restos, pequenas poções de ilusão e mentiras sinceras me interessam”. Isto é, diante da falta de uma verdade universal, “mentiras sinceras” nos ajudam a continuar lutando pela vida.
Nenhum dos dois têm medo e pudores ao tratar da normalidade de seus receios e erros diante da vida, pois viver, estar vivo, já é um grande feito e redime qualquer culpa. Fica claro que o que interessa a Clarice e a Cazuza não são os indivíduos em si, mas a paixão que os domina, a inquietação que os conduz, a existência que os subjuga. Por isso, enquanto Clarice dizia que “os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro o que me interessa.”, Cazuza afirmava que “há um incêndio sobre a chuva rala”. Cabe a cada um de nós sentir pra entender. Ou não.


RODAPÉ:

Sob curadoria de André Vallias, Friedrich W. Block e Adolfo Montejo Navas, está em cartaz Poiesis – Poema / entre pixel e programa, com vinte e sete poetas, de onze países, mostrando com quantos bytes, letras e números, formas e sons se faz um poema hoje, no mundo das novas tecnologias. Entre os artistas estão Augusto de Campos, Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes, Lenora de Barros e Ricardo Aleixo. A exposição fica até 2 de dezembro no Oi Futuro, Rio de Janeiro. Imperdível!