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terça-feira, maio 21, 2013

Virada Cultural SP 2013: A maratona


Chegamos a São Paulo no sábado pela manhã ainda cheios de dúvidas sobre as atrações que veríamos. Afinal, escolher nunca é simples, ainda mais quando todas as opções são sedutoras. Mais tarde, com a programação na mão, descobrimos que o Palco São João era na porta do hotel. E foi pela janela do quarto que ouvimos Lobão começar a passar o som.
Vimos um pouco e seguimos para o Palco Júlio Prestes, para abrir oficialmente com Daniela Mercury e Zimbo Trio. Fazia muito tempo que eu não via um show da Daniela. Ela continua cantando e dançando como sempre. Porém, mais politizada que nunca. Aliás, é dela uma das imagens sonoras que guardei do evento: “quando o bem não toma conta, o mal ocupa o espaço”, disse convidando a multidão a enfrentar com amor as lutas pós-ditatoriais. Parte do público pedia axé, enquanto Daniela cantava clássicos da MPB, na maioria do repertório de Elis Regina. Atenta aos sinais, e com um acompanhamento luxuoso do Zimbo Trio, Daniela deixou para o final do show a dança, fazendo a plateia vibrar com “A cor da cidade”.
Palco preparado, Gal Costa entra em cena sob aplausos e gritos. Como ir ver outra atração? Como arredar o pé para outro lugar? Esta seria a quarta vez que veríamos “Recanto ao vivo”. Porém, de todas as vezes, esta foi a versão com melhor qualidade de som. A própria cantora reconheceu isso algumas vezes ao longo do show. Foi possível perceber cada nota, cada tom. Aliado a isso o brilho de uma Gal Costa solta, linda e graciosa com o carinho do público aceso. Generosa, saudou São Paulo várias vezes, em especial ao lembrar após “Divino Maravilhoso” que a Tropicália havia começado ali.
 Fim de show, já devidamente orientados, fomos caminhando até o Palco Arouche. Só então nos demos conta da dimensão do evento. Nunca tínhamos visto tanta gente na rua. Nem nos carnavais. Depois li que mais de 4 milhões de pessoas ocuparam o Centro de SP. Sinceramente, creio ter passado por muito mais. O cosmopolitismo de São Paulo era 24 fotogramas por segundo diante dos meus olhos. Gente de toda cor. Batuque de toda fé.
Chegando às imediações do Arouche vimos que era doce ilusão pensar que conseguiríamos chegar perto do palco do Sidney Magal. Uma multidão nos separava do cantor. Curtimos um pouco, passamos pelo show de Rappin Hood no Palco República. Tudo lotadaço. Pelo caminho, muitos adolescentes bêbados já caídos pelos cantos. Mas também muita gente espalhada, procurando um lugar, um show para chamar de seu.
Continuamos flanando até o Palco Cabaret (Copan-Ipiranga), quando chegamos lá os Frenéticos Molhados e Croquettes cantavam “Geni e o zepelim”. Ao final da performance, um cantor com uma arma, outro com uma bíblia e outro com uma lâmpada fluorescente apontam o esgoto escuro de nossos preconceitos geradores de gestos de discriminação, enquanto cantavam aos berros: “joga pedra na Geni... maldita Geni”.
Nesse meio tempo lembramos-nos do show da Abayomy Afrobeat Orquestra, no Palco Barão de Limeira. Quando chegamos lá, depois de atravessar marés de gente, já havia terminado. Mas quem já ocupava o palco era ninguém menos que Rita Beneditto. E, como não poderia ser diferente, foi um prazer dar a volta ao mundo ao som de Rita e seus orixás mananciais de luz e bem.
Pés, pernas, coluna e cabeça exaustos, fomos descansar para o que ainda viria. Não antes de ver da janela do quarto A banca (antiga Charlie Brown Jr) entrar no palco diante do uma plateia quentíssima para homenagear Chorão.
Amanheceu. Perdemos Gaby Amarantos e Elza Soares, Monbojó, Passo Torto. O pessoal curtia o som do Anjo Gabriel ali na São João. Passamos pelo Arouche e Lia Sophia já animava o público resistente e o público que estava acordando. As ruas estavam sendo lavadas.
Passamos pelo show dos Mustaches e os Apaches no Copan. Tomamos café. Assistimos um pouco do show da maravilhosa Anna Gelinskas. E saímos passeando pelo Centro. Intervenções artísticas por todos os lados. Grandes filas para os shows no Teatro Municipal. Pessoas voando nos balanços pendurados no Viaduto do Chá. O Anhangabaú cheio de crianças brincando. E uma estátua viva de Iemanjá me deu a certeza de que é possível sim ter diversão e arte para qualquer parte. Aliás, aquela estátua viva, ali, no centro de SP, talvez nem sabia o quanto de contribuição está dando para os processos de respeitabilidade das “diferenças”. Perto dela, uma estátua viva de São Antônio, um Jack Sparrow, uma caveira tocando guitarra... Tudo próximo e misturado. Como deve ser.
Passamos por vários palcos: forró, eletrônico. Voltamos a tempo do Ilê Aiyê no Arouche. E um grande sonho de realizou. Assistir a um show do Ilê era desejo antigo. E como foi lindo e revigorante ver a multidão cantar e dançar ao ritmo daqueles sons tão nossos: vulcão da Bahia. Tão brasileiros: motor de luz. O cansaço já era desumano. Visitamos a instalação “Água”, no Palácio da Justiça. Assistimos alguns stand-ups na Sé, onde também havia um palco de luta livre com plateia super animada.
Dali fomos aproveitar um pouco do João Carlos Assis Brasil, no Palco Piano na Praça (Dom José Gaspar), colado onde um corredor de barracas oferecia comidas deliciosas dentro do projeto Chefs na Rua. Perdemos Racionais Mcs. Traí Criolo com o Ilê. Tomara que ele me perdoe.
Ainda vimos Marisa Orth e Cida Moreira brilharem no Palco Cabaret. E encerramos a Virada ao som de “Vermelho”, com a exuberante Fafá de Belém que cantou o Hino Nacional enrolada à bandeira brasileira para um público delirante. Pé quente, cabeça fria, a esperança que fica é saber que ano que vem tem mais.

sexta-feira, maio 03, 2013

Prazer

"As cascas das árvores crescem no escuro / As cascatas a 24 fotogramas por segundo / Os vocábulos iridescem / Os hipotálamos minguam / Tudo é singular", canta a voz de Gal em mim, enquanto volto para casa depois de assistir à peça "Prazer", em cartaz no CCBB-RJ até 02/06/2013.
Em cena, os atores Cláudio Dias, Isabela Paes, Marcelo Souza e Silva e Odilon Esteves ensaiam sobre a trama daquilo que nos dá prazer. No jogo estão traumas, recalques, vontades, desejos, amizade, tesão, miradas no espelho, ..., horinhas de descuido.
É na busca pelo motor da luz, tateando na (in)certeza daquilo que faz o coração bater mais forte que as personagens se aproximam da vida sem liberdade, das alegrias catalogadas, das sombras de saudade do espectador.
Mas nada é tão pesado assim. A predominância da cor preta na cenografia, o barulho de água vazando, os cheiros de comida quentinha sendo feita na hora ampliam a dimensão sensorial das personagens-luz: em cena, Camilo, Isadora, Marcos e Ozório são a maçã (ou seria o limão?) brilhando no escuro.
O prazer como aprendizagem, é o que fica: "Be a bright red rose come bursting the concrete / Be a cartoon heart", canta Cold Play. "uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de", escreve Clarice. "Viver é um desastre que sucede a alguns / Nada temos sobre os não nenhuns / Que nunca viriam", canta Gal.
Um banho de mangueira, uma rodada de pão de queijo, o vigor do amigo, a companhia do outro que de tão diferente é semelhante, sugere a Cia. Luna Lunera, apontando que o prazer se faz da mistura exata de dor e alegria. Viver é "estar descobrindo" o ponto móvel - miami maculelê - dessa mistura.
No fim, mais perguntas: O que eu seria se eu pudesse ser eu? E o que eu posso ser sendo o que sou?