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sábado, dezembro 31, 2011

Sons de 2011

Para quem curte, uma lista aleatória dos sons que (me) tocaram em 2011
e que continuarão (me) tocando em 2012 e depois:

Indivisível
José Miguel Wisnik
Com charme e paixão, elegância e delicadeza, José Miguel Wisnik presenteou à canção popular brasileira com um disco (duplo) cheio de metacanções - temas, melodias e vozes que se (auto)questionam e se (auto)explicam - no puro sabor do gesto de cantar canções. "As canções só são canções quando não são promessas", diz.

Micróbio do samba
Adriana Calcanhotto
Na sua singular valorização do dionisíaco, o sujeito feminino das canções deste disco quer afirmar a vida sem os compromissos afetivos que lhe faziam suportar - por amor - a onipotência do outro. Mais do que uma questão de gênero - de voz feminina (revanchista) no samba - há uma sonoridade cuja intenção é tocar - com sucesso - núcleos duros do ritmo carioca e nacional.

Nó na orelha
Criolo
Borrando a fronteira entre o sujeito cancional (a voz da canção) e o indivíduo social (a voz por trás da voz da canção), sem rancor esterilizante, Criolo sublinha que "Di Cavalcanti, Oiticica, Frida Kahlo tem o mesmo valor que a benzedeira do bairro". Tudo soma, tudo atravessa e é por ele atravessado. Um disco para o cânone da canção popular brasileira.

Ame ou se mande
Jussara Silveira
Há nas inflexões vocais de Jussara - nas nuances sutis nas alturas melódicas - um descompromisso (natural e espontâneo) comovente com aquilo que é dito, cantado. Jussara e sua voz nos arrastam para um campo onde somos amor da cabeça aos pés: desperta em nós a nostalgia da pura interioridade.

Liebe paradiso
Celso Fonseca e Ronaldo Bastos
Destacar aqui todos os sons sutis e suas articulações dentro de Liebe Paradiso é algo impossível e soa incoerente diante da grandeza da obra. É preciso ouvir: sem pressa, ao sabor dos sons, das vozes, do simples gesto - cada vez mais raro - de ouvir para ser ouvido.

Lira
Lirinha
Solo, mas permanentemente aceso pelo fogo encantado da canção popular, da cultura oral, Lirinha mantem o vigor de misturar mundos no mundo sonoro criado por ele. O delírio e a lucidez poéticas, que desde sempre acompanhou Lirinha, estão mais densos, concisos e pulsantes que nunca. Risco e controle estético no tom perfeito.

Oi! A Nova Musica Brasileira!
Diversos
Uma primorosa coleção do que de mais urgente e diverso está sendo feito em canção e música no Brasil. Muitos signos - de diferentes extrações - em rotação: festa dos vários modos de fazer som hoje por aqui. Alguns passadistas, outros interessantes.

Recanto
Gal Costa
Salvo engano, a canção "Autotune autoerótico" é síntese do disco Recanto. O verso que abre a canção - "Roço a minha voz no meu cabelo" - dá visualidade sonora à capa do disco: o rosto de Gal Costa em close-up e sua voz (assim, meio de lado) "fotografada" no instante exato em que roça o cabelo da cantora. Notas (vocais) e fios (de cabelo) elétricos a serviço do cantar. Outro disco para o cânone da canção popular brasileira.

A curva da cintura
Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra e Toumani Diabaté
Gravado em Bamako, capital do Mali, e em São Paulo, o disco traz ótimas parcerias com arranjos híbridos que figurativizam o título do disco: festa de rítmos e culturas que tenciona e movimenta o corpo, sem deixar de tocar temas sérios nas letras. Entre os instrumentos, a kora de Toumani, óbvio, ganha destaque e cria clima malemolente, praieiro: (re)unindo África e Brasil.

Assis Valente não fez bobagem
Diversos
Capitaneada pela comprovada competência do pesquisador Rodrigo Faour, esta coletânea de registros raros presta uma delicada e mais do que merecida homenagem pelos 100 anos de alegria proporcionados por um dos nossos maiores e mais geniais crônicas da canção: Assis Valente.

A canção de 2011
"Paciência", com Elza Soares

http://youtu.be/x1NuEPdWSXk

É muito difícil reduzir 365 dias em uma única canção. Foram tantas e cada uma (ou muitas) para cada instante, gesto, encontro, despedida. Mas Elza Soares cantando "Paciência", de Lenine e Dudu Falcão, é avassalador. E merece meu registro aqui, como um voto no presente e uma aposta no futuro!

segunda-feira, dezembro 12, 2011

Rita Ribeiro

Rita Ribeiro
Tecnomacumba
Teatro Odylo Costa Filho
09/12/2011

sexta-feira, dezembro 02, 2011

Amor confesso

Se você quer assistir a uma peça de teatro em que a entrega e a qualidade técnica dos atores seja visceral - daquele modo cada vez mais raro, em tempos de peças cool - não deixe de assistir a Amor confesso, no Centro Cultural dos Correios.
Feita a partir dos contos de Arthur Azevedo, o que por si só já mereceria atenção, Amor confesso é de difícil definição e descrição no campo do gênero, tamanhas são as misturas felizes de possibilidades cênicas utilizadas: da comédia de costumes ao metateatro, passando pela opereta, entre outros.
Em Amor confesso há saudade - do Rio de Janeiro ingênuo do bonde elétrico - e contemporaneidade - das questões atemporais das parcerias amorosas - em equilíbrio certo: vibrante, solar, viçoso e risonho.
Tudo é emoldurado pelo diálogo direto com a plateia e pelos temas cancionais - postos em situações bem díspares do comumente consumido - facilmente reconhecíveis do grande público, o que intensifica a empatia.
Sobre a trilha sonora (direção musical de Marcelo Alonso Neves), ainda é preciso destacar a presença do pianista Roberto Bahal: um importante terceiro ator em cena dando melodia à movimentação das personagens interpretadas por Claudia Ventura e Alexandre Dantas.
Para que tudo isso aconteça com harmonia age a direção segura de Inez Viana pondo foco nos muitos recursos (vocais e físicos) e repertórios (cênicos) dos dois atores, facilitando o jogo e o embate lúdicos.
Os encontros e desencontros de toda parceria erótico-afetivas, fotografados na pena de Arthur Azevedo - em contos como "Como o diabo arma", "Vingança", "A melhor amiga" e "Incêndio do Polytheama" - dançam com canções como "A nível de" (João Bosco), "Errei, sim" (Ataulfo Alves) e "Futuros amantes" (Chico Buarque) numa festa que enriquece a arte e a vida.
Ou seja, a peça Amor confesso é construída e atravessada por referências literárias, cancionais, musicais e, claro, teatrais diversas. O resultado é uma festa íntima - do casal em cena às voltas com os minutos que antecedem a subida ao altar - e coletiva - do público que se vê diante de um grande momento do teatro brasileiro.
Amor confesso não responde (nem quer responder) para que, porque, por quem casar. Mas se as uniões da "vida real" tiverem um-terço da cumplicidade e do tesão que Claudia Ventura e Alexandre Dantas têm em cena, a vida a dois vale muito à pena.

quinta-feira, dezembro 01, 2011

DVD Sexo MPB

Ficou mesmo muito difícil distinguir uma cantora de outra, tão parecidas são suas vozes e trejeitos ao cantar.
Felizmente temos pesquisadores atuantes e apaixonados por Canção Popular Brasileira como Rodrigo Faour, cuja vida tem sido dedicada a pescar pérolas. Algumas raríssimas, só percebidas por quem tem uma sensibilidade realmente forjada na pesquisa séria e na vivência entre a diversidade vocal brasileira.
Entre tantos trabalhos importantes, chamo atenção ao registro do prêmio-festa-show Sexo MPB recém lançado. Mostrando que o tesão não está apagado, como o "bom-gosto" de alguns críticos querem fazer crer, Faour reuniu no mesmo palco artistas de tempos, espaços e estilos diversos, a fim de celebrar e reconhecer o trabalho de cada um deles e suas tentativas bem sucedidas em manter a alta temperatura da canção feita no Brasil.
Gravado no Centro Cultural Carioca, no Rio de Janeiro, em setembro de 2010, o DVD Sexo MPB é um luxo para os ouvidos e olhos de todo interessado em canção. Com ar descontraído e clima de intimidade, que só Faour consegue entre seus convidados, os artistas passeiam e se alegram em cada cena.
Anárquico, porque feito para ser um encontro cheio de improvisos e viçoso, o DVD Sexo MPB aprecia cantores cujo brilho vocal ainda se mantem aceso, apesar de distantes dos holofotes midiáticos massivos.
É o caso de Lana Bittencourt, por exemplo, e sua voz rara em tempos de autotune.
Mas há muitos outros momentos singularmente belos e só passíveis de apreciação apenas neste DVD.
Manhoso fazendo "O modo de usar (Só capim canela)"; Alcione cantando "Sabiá Marrom", de Paul Mauriat, Pierre Delanoe, Totonho e Paulinho Rezende, lendo a letra, tanto tempo fazia do encontro da canção com a voz da cantora; Márcia Castro cantando - como só ela faz - "Vergonha", de Luciano Salvador Bahia; Eliana Pittman e seus floreios vocais em "Chuva", de Durval Ferreira e Pedro Camargo; Fernanda Abreu e sua carioquice intrínseca encarnando um blend paulista de Rita Lee; sem falar das Frenéticas desbundando com "É que nessa encarnação eu nasci manga, de Luli e Lucina; e da libido à flor da pele em Edy Star cantando "Claustrofobia", de Roberto e Erasmo Carlos.
E ainda tem Ângela Ro Ro, Toni Garrido, João Roberto Kelly, Eliana Pittman, Cláudia, Perla, Fátima Guedes, Pedro Paulo Mauta, Alfredo-Del-Penho, Márcio Gomes e Ademilde Fonseca.
O DVD Sexo MPB é um registro de importância inegável e cheio de tesão pelo objeto exposto: as canções e seus cantores, todos grandes artistas na mitologia da linha evolutiva de nossa canção popular.
Fico ansioso pelo próximo DVD Sexo MPB: um momento imprescindível emoldurado de muito tesão e afeto em que Rodrigo Faour lança luz sobre artistas que nunca deveriam ter saído do foco dos holofotes.

terça-feira, novembro 29, 2011

Obituário ideal

O corpo destrinchado e autopsiado na TV, os vários close-ups no rosto do artista, do jogador, do indivíduo comum em busca da lágrima exata, os muitos apetrechos (externos) necessários ao gozo sexual e a vontade de ser curtido e seguido por um grande número de "amigos" são alguns sintomas de nosso tempo.
Radicalmente clara, verdadeira e, portanto, asséptica, a contemporaneidade engendra artifícios para burlar a anestesia do ânima que ela mesmo gera e alimenta.
O desejo, a pulsão, aquilo que nos move têm estado tão espalhado entre badulaques confortáveis e seguros que nossa especificidade tecnológica oferece que não sabemos mais o que de fato desejamos: o que nos faz rir ou chorar.
E é sobre esta disseminação, excesso, dispêndio, proliferação que vivem o sensasionalismo e o controle mercadológico e midiático. Ambos sempre a querer mostrar - com sucesso - onde está o desejo, limitando nossa capacidade de subjetivação.
Sempre descartável, frágil e escorregadia, em estado de espera-pelo-seguinte, sem ao menos dar tempo de viver o atual, temos vivido a exuberância do luxo (excesso) da pseudo fisicalidade.
Porque insensíveis, estamos a mercê de qualquer alma penada que nos ofereça uma fresta de amor, de calor, de medo, de fogo no motor (de riso e choro) da existência.
Feita show, a realidade resulta sendo mais-ou-menos o que nós queremos: finge suprir o instante e abri-nos à busca do gesto ideal, sustentando a fragmentação conveniente do desejo.
É sobre tais questões que a peça Obituário ideal trata: nossa exposição complacente e passiva a uma realidade meticulosamente montada.
Maria Maya e Rodrigo Nogueira representam um casal cúmplice na imersão na banalidade da violência e da intimidade - dos outros.
Atravessados excessivamente pelo exterior - locuções jornalísticas, jornais impressos - o texto (Rodrigo Nogueira) e a encenação de Obituário ideal sublinham a ação do casal que busca em velórios de desconhecidos o "choro grave", real - algo que se sinta, que ultrapasse a pele.
Impregnadas e movidas pelo exterior, as personagens, em um lance de espelho com a plateia, rejeita qualquer olhar para dentro. As investidas de perspectivação da vida feitas pontualmente pelo marido se diluem na incomunicabilidade. Assim como o amor e a dor.
Apático à brutalidade, porque exausto à repetição dela, o casal vai da incomunicação à afinidade, radicais.
O cenário de Aurora dos Campos e os figurinos de Gabriela Campos merecem destaque por emoldurarem com eficácia e beleza a vontade da peça em dizer que tais sentimentalidades (ou a ausência delas) são atemporais.
Com direção de Thiare Maia e Rodrigo Nogueira, Obituário ideal e seu embaralhamento de tempos, situações e desejos, tão caros ao público contemporâneo, é uma mirada risonha e corrosiva no espelho.

sexta-feira, novembro 25, 2011

Judy Garland - o fim do arco-íris

O musical Judy Garland - o fim do arco-íris trata do processo de apagamento de uma estrela. Uma estrela que já em O Mágico de Oz (aos 17 anos) dependia de "remedinhos" para dormir, acordar, cantar. Uma estrela que quer para além do possível brilhar até o último instante. E brilha.
"Não há nada pior do que você saber que pode fazer (encontrar a nota certa) e não conseguir", reconhece.
Talvez para justificar o título, dado pelo autor do texto Peter Quilter, a conhecida canção de O Mágico de Oz atravessa a peça como um fantasma a perturbar Judy e plateia.
Mas nem só de "Over the rainbow" vive a estrela. E são nos momentos de palco que o brilho de Judy se intensifica: seja no excesso de tesão, de alongamentos vocálicos e vibratos, seja na força de sua presença física luminosa e ácida, Judy transmuta-se em um assum-preto-star.
O cenário tem a função exata de sugerir a relação íntima entre o público e o privado - no lugar onde cada um é afetado pelo outro - nas ações da personagem diante da vida, da dependência de drogas, da arte.
O piano é o elo entre os dois ambientes (o palco e o quarto de hotel) tão comuns quanto estranhos à estrela ora lúcida, ora confusa orgânica e mentalmente. Cambiante dos humores, sendo "a volta por cima" de sempre.
E é neste trânsito que surge o trabalho cênico impactante de Claudia Netto no papel título. Caricata e realista, corrosiva e frágil, engraçada e mordaz, trêmula e segura, encurvada e ereta, tudo junto e ao mesmo tempo, Claudia permite à plateia a recepção de toda a potência da tempestade solar que Judy era. Ou ainda é, para alguns.
Aliás, outro mérito de Judy Garland - o fim do arco-íris é abordar a relação íntima entre a construção e manutenção de uma diva (o mito e a lenda) e a cultura camp. Basta recolher os significantes Garland absorvidos na montagem de uma figura como Nany People, por exemplo.
Não fica dúvida à importância que cada parte exerce na outra: "Eu poderia vomitar no colo de uma bicha que isso seria uma honra para ela", diz Judy. "Nós bichas enchemos o teatro para vê-la", diz Antony (Gracindo Júnior), seu pianista e fiel escudeiro contra entidades como Mickey Deans (Igor Rickli), noivo de Judy, por exemplo.
Elogiar Charles Möeller e Claudio Botelho já virou clichê. Porém, diante de tantas lascas de mediocridade em arte espalhadas por aí, reafirmar o cuidado e a paixão que os dois imprimem em tudo que fazem nunca é bastante.
Judy Garland - o fim do arco-íris não é biografia, mas uma pintura íntima daquilo que foram os últimos tempos da estrela, sua última temporada, seus derradeiros dias. Cores, luzes e sons a serviço da permanência da lenda-viva.

quinta-feira, novembro 24, 2011

O Filho eterno

A tradução intersemiótica, a adaptação de uma linguagem artístico-estética em outra não é tarefa fácil. Afinal, cada linguagem tem suas especificidades, é preciso respeitá-las, abrir um diálogo entre elas e, principalmente, traí-las.
Adaptar não é simplesmente transpor a prosa literária in totum ao palco, por exemplo. É mais: é descolar-se do objeto inspirador, traí-lo para que ele renasça e permaneça como sempre foi. É a promoção de um retorno em diferença.
A peça O Filho eterno é mais do que uma simples adaptação do livro de mesmo nome de Cristovão Tezza. O trabalho de Bruno Lara Resende, ao manter os núcleos-duros do texto literário, mas radicalizando-os no nível do convite ao esforço intelectual do espectador, já que o livro transmutou-se em um monólogo, é outro objeto.
Mantendo as vozes do texto literário, agora concentradas nas entoações do ator sozinho em cena, O Filho eterno, com aquilo que poderíamos redefinir como monólogo interno em voz alta rompe sua ligação com o outro O Filho eterno, o livro.
Agora são dois. Diferentes. Ligados pela memória do espectador-leitor, mas separados pela competência estética. Um dignifica e fortalece o outro: cada qual em seu campo de
presença.
E está no corpo e na voz de Charles Fricks a concretização do gesto adaptador. Consciente de seus recursos cênicos e das exigências do texto teatral, o ator põe as personagens para dançar ao ritmo do fluxo alucinado dos pensamentos de um pai-escritor diante do nascimento de Felipe - o filho e sua trissomia.
Sob a direção de Daniel Herz, que sabe figurativizar com exatidão texto e marcação, o jogo lúdico entre a primeira e a terceira pessoas do discurso, surge em cena o desenho de um sujeito mais filho do que pai. Que progressivamente aprende mais do que ensina. Ou melhor, equaliza ensino e aprendizagem na certeza de que "nenhum dos dois, pai e filho, tem a mínima ideia de como vai acabar. E isso é muito bom".
Politicamente incorreto e honesto o pai observa e participa - vivendo e aprendendo a jogar - da construção da subjetivação do filho, ao mesmo tempo em que reconstrói a própria subjetividade.
O Filho eterno é teatro que convida à revisão daquilo que tratamos sob os escudos da vergonha e da piedade.

quarta-feira, novembro 23, 2011

4 faces do amor

Em tempos de virtualidade dos afetos, de pseudo trocas de intimidades, de amores líquidos, quase nada duráveis, a peça 4 faces do amor canta que só o amor é real. "O amor é meu país", dirão as personagens.
Seja qual for a forma - e toda forma vale a pena - em que o amor se manifesta, é na razão de ser das parcerias que o amor se realiza. E, acima de tudo, é na vontade de ser que o amor é. Sem fórmulas. Mas em um exercício diário doloroso e gozoso. Afinal, "amar se aprende amando". E cada relação é única, plural e incopiável, está além da massificação dos manuais.
Para além das brigas e alegrias, absorvendo os pólos positivo e negativo, se há amor, há o equilíbrio das potências, a vontade de estar, de permanecer, de durar, de recomeçar.
Em 4 faces do amor, o texto, as letras das canções de Ivan Lins e as melodias encontram uma equalização raríssima em musicais.
Se normalmente as canções entram como comentários ou um show a parte - seja para mostrar o virtuosismo do ator/cantor, seja para enfatizar a grandiloquência cênica, resultando em intervenção fake -, em 4 faces do amor, há uma organicidade realmente surpreendente: como se aquilo não pudesse ser dito de outra forma senão cantado, ou falado, daquele modo.
E aqui merecem destaques tanto o texto de Eduardo Bakr, dono de um labor apaixonado e lúcido sobre o material cancional utilizado, quanto a direção musical de Liliane Secco.
Sem esquecer a direção geral de Tadeu Aguiar, responsável pelas marcações exatas: promotoras do jogo cênico e do embaralhamento saboroso das possibilidades do amor - o mesmo em várias faces.
O texto cria vozes plurais para o amor, permitindo a identificação do espectador com alguma das vozes, ao mesmo tempo em que efetua o deslizamento de uma voz a outra aprofundando o multifacetamento, a palheta infinita de cores, do afeto.
Inícios, meios, fins e recomeços atravessam a história, as canções, transbordam nas interpretações dos atores em cena e enchem o palco de festa, tesão e desejo de enfrentar o trabalho gostoso (agridoce) que só o amor - o desejo de colar para somar - pode proporcionar.
Há uma intimidade tão intensa entre as personagens, vinda do trabalho excepcional de Gottsha, Maurício Baduh, Adriana Quadros e Cristiano Gualda, que a plateia não pode ter outra reação senão o aplauso caloroso ao fim de cada ato, de cada cena.
Por falar em intimidade, talvez seja este outro ponto forte da peça. Luz, cenário, atuações, canções, texto, música, tudo conspira para que a emoção venha da variação dos sentimentos apresentados. Sem pieguismo, longe disso, com humor e tesão, a ênfase está no todo estético-amoroso.
Ceder ou não? Libertador e senhor, o amor está acima de rótulos, regras e leis. E em cena cada personagem é amor da cabeça aos pés: sonha e arde. Amar um alguém diferente por dia pode ser tão excitante quanto amar um mesmo alguém (com passado, problemas e saberes) por vários dias.
4 faces do amor é uma ode à vida, ao teatro. Uma oportuna possibilidade de discussão dos sentimentos contemporâneos.
4 faces do amor é a grande surpresa deste final de 2011. Um espetáculo imperdível.

terça-feira, novembro 22, 2011

Emilinha e Marlene - as rainhas do rádio

"Quem sabe faz ao vivo", diz o apresentador de TV, em uma referência aos bons cantores, àqueles que têm no palco o mesmo desempenho que o público encontra no disco.
Em tempos de manipuladores vocais, e quando o show em si parece valer mais do que a voz do cantor, ao mesmo tempo em que as apresentações ao vivo parecem ser o melhor meio de sobrevivência frente à crise do produto CD, a competência vocal volta com força decisiva: um retorno insuspeitável ao pré-gravado.
Claro, um retorno-em-diferença, pois ninguém precisa mais se dividir entre um artista ou outro - a emergência de várias vozes promoveu o espaço para o plural nos gostos auditivos. E os desafinados também têm um coração.
Em um momento não muito distante, o valor dado ao cantor vinha quase exclusivamente da avaliação que o público fazia de sua performance. Sim, porque até os programas de rádio eram feitos ao vivo.
Para alguém menos familiarizado com a história de nosso cancioneiro, parece inimaginável que artistas como Emilinha e Marlene tenham conseguido seduzir tantos fãs num Brasil pré-youtube para facilitar a divulgação do trabalho.
O poder sirênico avassalador destas duas rainhas podem ser vivido por todo aquele que for assistir à peça Emilinha e Marlene - as rainhas do rádio.
Dignas de suas personagens, é preciso destacar os trabalhos corporal e vocal de Solange Badim (Marlene) e Vanessa Gerbelli (Emilinha). Bem como de todo o elenco.
Sob a direção correta de Antonio De Bonis, com o tesão posto naquilo que fazem, as atrizes honram duas de nossas maiores cantoras.
Temos uma trajetória cancional singular e superior, cheia de personagens carentes de ser recuperados do campo do esquecimento coletivo. Emilinha e Marlene - as rainhas do rádio é um prazer à memória, um luxo à vontade de manter acesa a chama de nossa história.
Com uma trilha solar, dirigida por Marcelo Alonso Neves, o espetáculo investe no bom humor e na ironia, vindos do texto de Thereza Falcão e Julio Fischer, assim como na aproximação rápida com a memória afetiva do público para reluzir seu ouro: as duas homenageadas.
Assistir a Emilinha e Marlene - as rainhas do rádio é (re)conhecer um pouco mais do Brasil.

domingo, novembro 20, 2011

Les amours imaginaires

"Gosto de gente" tem sido a resposta muderna dada com frequência por algumas pessoas quando são questionadas quanto às suas predileções sexo-afetivas.
Se por um lado podemos interpretar tal atitude como um sintoma contemporâneo de negar consciente e radicalmente os rótulos limitadores quando o assunto é a múltipla possibilidade do desejo, por outro lado isso alerta a nossa própria incompetência ao lidar com o desejo, com a libido.
Quando vale muito mais ser "seguido" e "curtido" por 1000 pessoas do que ter contato íntimo com 1, é preciso repensar as qualidades das relações.
O fato é que, ao que tudo indica, não temos sabido lidar com a virtualidade do sexo, do amor em tempos de reality shows (shows da realidade).
Frágeis e descartáveis - eles não sobrevivem à primeira divergência, afinal, haverá mais presumíveis e bacanas 999 pessoas para suprir nossas carências -, os amores líquidos intensificam a manutenção da nossa infância emocional.
E o mundo tem conspirado para que sintamo-nos mimados o tempo todo: a dor está fora do jogo. Assim como a incompatibilidade de gênios.
Todas estas questões e tantas outras são tematizadas com estética visual superiormente interessante a qualquer descrição que eu possa fazer aqui no filme Les amours imaginaires, de Xavier Dolan.
Como não poderia deixar de ser, destaco a escolha de "Bang bang", cantada com a singularidade da voz da Dalida, tanto como moldura de cenas decisivas, quanto como a síntese das personalidades frágeis, inseguras, carentes e infantis - por trás das máscaras de segurança - de Marie (Monia Chokri) e de Francis (o próprio Xavier Dolan) em relação às emoções que eles direcionam para o indiferente (anestesiado emocionalmente) Nicolas (Niels Schneider).
"Bang Bang / e resto cui / Bang Bang / a piangere / Bang Bang / hai vinto tu / Bang Bang / il cuore non l'ho più", diz o sujeito da canção.
Marie e Francis são o duplo, o espelho e a prisma deles mesmos e das disputas por atenção, brilho e forjada lucidez do indivíduo contemporâneo.

sábado, novembro 05, 2011

Pelo amor de amar

No filme A pele que habito, de Pedro Almodóvar, a jovem Norma (Ana Mena), involuntariamente (brincando distraída no jardim de casa), cantando os versos de "Pelo amor de amar", de José Toledo e Jean Manzon, desperta a mãe marcada pelo incêndio que lhe desfigurou o corpo.
Em uma cena entre as melhores construídas pelo cinema, a filha é a sereia da mãe: jogo de papéis que irá marcar toda a trama.
A voz da pequena Norma - suas inflexões infantis, seu esforço ingênuo para cantar em português - entoando os versos da canção - "O coração do mundo canta no meu coração / Meus pés seguem sozinhos a dançar / Eu não conheço em mim a grande dor da solidão / Se em tudo eu encontro o dom de amar" - oferece o sopro de vida que Gal necessita.
Porém, ao mesmo tempo, também direciona a mãe à luz, a ver refletida a sua aparência aterradora, ao fim trágico e irrefutável. A voz do coração da criança é o veneno-remédio de Gal.
Como é possível perceber, em A pele que habito, a canção "Pelo amor de amar" tem presença definidora. E recebe, mais adiante, uma interpretação comovente, apaixonada e singular, em espanhol (“Por el amor de amar”), de Concha Buika.
Resgatada do repertório de Ellen de Lima - cantora mais conhecida por ter gravado a "Canção das misses" -, "Pelo amor de amar" fez parte da trilha do filme Os bandeirantes (1960) de Marcel Camus.
Devido a dificuldade de encontrar letra e registro desta canção na voz de Ellen de Lima, disponibilizo-os aqui:




Pelo amor de amar
(José Toledo / Jean Manzon)

Quero a luz do sol
Quero o azul do céu a cair no mar
Quero o mar sem fim
Para não ter fim este mal de amar

Como a flor feliz que ver nascer a flor
Só nasci para viver no solo vento
Quem me quer amor
Tem de amar também meu amor de amar

O coração do mundo canta no meu coração
Meus pés seguem sozinhos a dançar
Eu não conheço em mim a grande dor da solidão
Se em tudo eu encontro o dom de amar

Pelo amor de amar
Quero ser a luz que sorrir na flor
Pelo dom de amar
Quero ser a flor que se deu de amor

sábado, outubro 29, 2011

Nó na orelha

Tô velho. Para quem não bebe álcool e não fuma um atraso de mais de uma hora é uma eternidade insuportável. Hábito comum em eventos do gênero aqui no Rio.
O som do Studio RJ estava péssimo. Devo ter entendido apenas uns 20% do que Criolo cantou e falou. A sorte é que eu já conheço as canções.
Ele é um homem lindo, generoso, grande: uma presença forte no palco e voz de um discurso anti-revolta estéril ímpar.
O show é cartático: começou com o choro emocionado do Criolo ao subir e ver e ouvir o público lhe saudando. Ele se emocionou várias vezes. E pregou tantas outras o "preconceito não, amor sim".
Cantou todo o Nó na orelha. Mais "Para mulato", "Domingo", de Nelson Ned, "Cerol" e "Vasilhame". Além de interpretar sua versão singular de "Cale-se".
Há uma dor em Criolo: uma dor vinda da lucidez. Por vezes ela se expressa em gestos de fúria (como se sua alma não coubesse em si), mas na maioria das vezes se expressa em canção - em arte: no desejo fundador de instaurar a democracia racial.

Criolo

Criolo
Nó na orelha
Studio RJ
Festival Faro MPB
28/10/2011

quarta-feira, outubro 26, 2011

Thais Gulin

Thais Gulin
ôÔÔôôÔôÔ
Teatro Carlos Gomes
25/10/2011

segunda-feira, outubro 17, 2011

Deus é um DJ

Como pesquisador de canção popular, uma das inquietações que tem estimulado minha pesquisa atual é tentar perceber quais são os mecanismos incorporados pelo mercado a fim de criar um produto que (melhor) sirva de trilha sonora às nossas vidas.
E qual foi a minha surpresa quando captei na peça Deus é um DJ, do alemão Falk Richter, o mesmo tatear na incerteza e na vontade de busca.
"REALIDADE num mundo midiático? Autenticidade? Existe isso em frente a uma câmera?", pergunta Richter ecoando nossas dúvidas (nem tão) atuais. Deixando apenas uma sugestão de certeza: "o poder do mundo fala conosco pela linguagem da mídia. Pela mídia eles formatam os cidadãos necessários para permanecer no poder. E eles transformam a democracia através desses novos formatos que eles nos apresentam".
Em cartaz no Oi Futuro Flamengo (Rio de Janeiro) até 13/11, sob a direção de Marcelo Rubens Paiva, Deus é um DJ elenca os sintomas de uma era pós-tudo em busca de ideologias: se por um lado ainda temos as rádios filtrando o que devemos ouvir, por outro lado temos a possibilidade de samplear, mixar, montar as trilhas sonoras que melhor nos cantam - e o que é mais complexo: podemos carregar nossas sereias na palma da mão, conectar-se a elas onde e quando quiser.
Mas, ao mesmo tempo em que o indivíduo pode compor sua própria trilha, ele é bombardeado pelos apelos midiáticos e se confunde, indistiguindo o seu desejo daquele outro instalado por um mercado cada vez mais diversificado, portanto, abridor de um leque maior de possibilidades (sempre) previsíveis.
Afinal, quando vai para o rádio a música deixa de ser independente (anônima: prenha do espírito colaborativo)? Como escolher um repertório? A sonoridade que me é estranha também é música? Como encontrar um lugar entre a borda e o mainstream quando a vida on line parece mais interessante que a vida off line? O que difere uma vida da outra? Como afetar e ser afetado pela canção de Deus: esse DJ que mixa nossas necessidades sem deixar a música parar a fim de que a vida nos cante da melhor forma possível? O que é a vida ou um show ao vivo via internet? O que é cultura e o que é entretenimento: quais as semelhanças, diferenças e onde elas se tocam?
A certa altura a personagem de Maria Ribeiro (uma VJ) declara nietzscheanamente: "Deus morreu". Se isso é verdade, quem, então, anda programando nossos sons, nossas trilhas? De fato, Deus parece ser encontrado na resignificação (veloz) de nossos bens simbólicos. Afinal, para onde caminha a música e, consequentemente, nós (ouvintes) ameaçados em nosso registro físico?
São muitas as questões levantadas na peça Deus é um DJ, justamente como são múltiplos os questionamentos do indivíduo posto no entrelugar exato do on/off line.
Representado por Marcos Damigo, um DJ inspirado, mergulhado na parafernália tecnológica claustrofóbica que cerca o jogo cênico, espelha o indivíduo contemporâneo ao se perguntar como evitar o rapto da subjetividade na nossa autopromoção diária e, ao mesmo tempo, estar aberto aos sons totais do mundo.
Sabemos apenas que num mercado global, as fronteiras das diferenças entre a Europa (hegemônica) e a América Latina (redemocrática: importância do pirata na circulação da música, por exemplo), quanto ao modo de enfrentamento de crises, são borradas.
Deus é um DJ é ação, reação e meio: uma suspensão do juízo, uma oportunidade lúcida (um descanso perturbador) de reflexão da manutenção da loucura.

domingo, outubro 16, 2011

Adriana Calcanhotto

Adriana Calcanhotto
Micróbio do samba
Teatro Tom Jobim
16/10/2011

sexta-feira, setembro 09, 2011

O bonde 10

Achei essa foto do bonde 10 entre meus arquivos e o tempo ficou suspenso ao meu redor. Senti-me íntimo das vítimas. De uma intimidade diversa daquela meliculosamente forjada pela imprensa, com seu apelo interessado.
Venho da Paraíba e sempre que recebo visitas aqui no Rio levo meus amigos ao passeio nos bondes de Santa Teresa.
Para mim, entre tantas, uma das melhores atrações da cidade.
Olhando esta foto percebi que eu poderia ser uma das vítimas. Ou pior, ter alguém das minhas relações afetivas entre os escombros do bonde 10.
Coloquei-me no lugar das vítimas e dos sobreviventes que precisam reaprender a viver sem a presença física de seus afetos e gelei.
Pensar e colocar-se no lugar do outro dói, talvez por isso exercitamos tão pouco - e cada vez menos - este gesto.
Somos o que somos: um país complexo e complexicado. Preocupa-mo-nos mais em adquirir tablets do que em aprender a ler; regozijamo-nos mais com estruturas olímpicas do que em eliminar as salmouras imundas que minam expostas na rua Uruguaiana.
Delegamos todas as decisões fundamentais de nossas vidas aos políticos institucionalizados. E eles fazem a festa, como sabemos. E assim seguimos, sem culpa alguma para nublar nossos dias solares.
Nosso compromisso com o patrimônio material e imaterial beira a nulidade. Basta andar pelas ruas do Centro do Rio no fim de tarde para sentir um misto de nojo e vergonha tamanhos são a sujeira e o descaso.
Já disse, venho da Paraíba que, como o Rio de Janeiro, é um dos estados mais antigos do Brasil - as construções barrocas (de um barroco raro no mundo: tropical) estão lá como prova - e anoto que o abandono é generalizado.
Olhando o bonde 10 - amarelo, canarinho - miro a camisa 10. Somos o que somos - nem degradação, nem utopia - e é como diz a canção: "Quem quer trocar a copa do mundo por um Brasil sem vagabundos?"

segunda-feira, setembro 05, 2011

Seu Jorge

Seu Jorge
Músicas para churrasco Vol. 1
Fundição Progresso
03/09/2011

Hyldon
Peu Meurray e Magary

quinta-feira, setembro 01, 2011

Angela Ro Ro

Angela Ro Ro
Nas ondas da Ro Ro
Teatro Rival
31/08/2011

Otto
Eduardo Dussek