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segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Rosa e tapete vermelho

O livro Quartas histórias foi lançado pela Editora Garamond em 2006 para homenagear os 60 e 50 anos da publicação de Sagarana e Grande Sertão: veredas, respectivamente. Mas ele é muito mais que isso. É uma amostragem do que está acontecendo de mais significativo na literatura brasileira contemporânea. Além de ser uma excelente leitura para este ano de 2008, centenário de Guimarães Rosa – autor das obras homenageadas – ele desperta a curiosidade dos mais jovens pela obra do grande escritor.
O livro é o resultado do desafio que o pesquisador e professor de literatura Rinaldo de Fernandes lançou a 40 escritores brasileiros: recriar contos de Sagarana ou trechos de Grande Sertão: Veredas. O resultado são textos curtos que não se limitam a imitar o texto rosiano, até porque ele é "em princípio inimitável", como destaca o organizador na introdução do volume. Mas amplia seu universo temático com alternativas criativas.
Em Quartas histórias o leitor tem a oportunidade de entrar em contato com um imaginário único de linguagem e apropriação do sertão. Sertão que não significa apenas um espaço geográfico, pois, como disse o escritor homenageado, “o sertão está em toda parte”. O sertão é tudo e está, na verdade, dentro e não fora dos homens.
Mesmo aqueles que não conhecem as histórias de Guimarães Rosa não sentirão dificuldade em acompanhar os contos do livro. Pela diversidade de escritores, cada um com seu estilo e invenção, o livro estabelece um diálogo entre diferentes aspectos do Brasil e da literatura de maneira independente.
Destaco como exemplo o conto “Caso na roça”, do poeta e ensaísta Amador Ribeiro Neto. Aqui os primos Ribeiro e Argemiro, protagonistas do conto “Sarapalha” – uma das histórias mais ricas de nossa literatura –, aparecem entre “ícones da cultura pop e referências ao mundo cyber”. Se no conto rosiano os primos sofriam pelo abandono de Luísa e por causa da malária, na recriação de Ribeiro Neto, usando como aliado o “processo de collage e pastiche neobarrocos”, eles são inseridos na experiência homoerótica dos desejos e (des)amores.
Há ainda que se destacar as belas gravuras de Arlindo Daibert, que ilustraram os livros de Guimarães Rosa. Assim, Quartas histórias, fazendo parte da recente enxurrada editorial que marca as comemorações, sejam das obras, sejam do aniversário de Guimarães Rosa, destaca-se pela qualidade singular que vai da escolha dos escritores até a capacidade inventiva de cada um. Leitura imperdível!!!
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E o Oscar foi para No country for old men (“Onde os fracos não têm vez”), dos irmãos Joel e Ethan Coen. Acredito que merecido, apesar de não ter me empolgado por nenhum filme concorrente deste ano, mesmo com a qualidade que cada um tem. Fiquei feliz mesmo foi com a premiação do excelente Javier Bardem, como ator coadjuvante do filme vencedor, e a da disciplinada e talentosa Tilda Swinton, como melhor atriz coadjuvante por Michael Clayton ("Conduta de risco"). Aliás, interessante ver que nenhum dos atores premiados é americano (dois ingleses, uma francesa e um espanhol). No mais, nada de novo sobre o red carpet, que este ano ficou encharcado pela chuva. Cadê a Cher!?!?!... O Oscar tá muito certinho. E Oscar sem breguice perde 90% da graça, né verdade?
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A propósito, destacado aqui no blog, no texto “Briga de espadas e muito grito”, sobre o Festival MixBrasil de Cinema 2007, o curta , do estreante Felipe Sholl, recebeu um dos Prêmios Teddy para filmes de temática gay, em Berlim. Parabéns, merecido!

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Muitos assuntos

Cometi a imprudência de ir a uma agência bancária pagar uma conta, numa segunda-feira, pela manhã. Não deu outra. Enfrentei uma fila interminável e confusa. Fiquei no rabo dela, sem nada para ler além do boleto de pagamento, o que me permitiu observar coisas ao redor.
Como falei, o lugar estava confuso, mas eis que, do nada, uma senhora começa, por conta própria, a arrumar o povo dentro daquelas listras amarelas. Quando ela pedia, toda solícita, alguns nem olhavam e nem se mexiam. Outros, olhando ou não, atendiam ao apelo. Alguns riam e questionavam “de que vale isso?”, no que ela deu a resposta que eu não esperava ouvir “para ficar mais bonito”. Isto mesmo, aquela senhora, no meio de tantas (muitas) pessoas, em uma fila de banco, quase meio-dia, estava preocupada em tornar o lugar mais organizado, “mais bonito”.
Pois não é que ela, além de deixar a fila em ordem, ainda agüentou o mau humor de alguns, retribuindo com um sorriso e um “muito obrigado”. Fiquei tão impactado com a presença daquela delicadeza perdida que precisava registrar. É um achado, é uma agulha no palheiro. Ou, como diriam alguns, uma "atitude de beija-flor", fazendo sua parte para manter a engrenagem da vida mais "bonita".
E por falar em beija-flor, por que será que eu não me surpreendi com a vitória da Beija-Flor, no carnaval do Rio? Não tenho nenhuma escola preferida, o que me permite olhar com imparcialidade o quanto até o carnaval está encaretando. Escrevo “até”, porque tenho observado isso na arte de uma forma geral. Penso que, a priori, a moda do discurso politicamente correto em arte só serve para deixá-la estagnada.
Mas enfim, a Beija-Flor fez um desfile técnico, lindo, perfeito! Nenhuma inovação, nenhuma ousadiazinha, nada que a fizesse correr risco. Assim, atendeu a todos os quesitos observados pelos jurados. Ganhou!
Mudando um tiquinho o rumo desse texto, mas sem deixar de falar em pessoas que embelezam a vida, este ano Guimarães Rosa completaria 100 anos. O Oi Futuro Rio começou a comemorar a data, neste fim de semana que passou, com uma série de leituras dramáticas feita pelo Grupo Hombu. Estive lá na sexta e fui presenteado com a leitura do conto “A terceira margem do rio”.
Particularmente, não consigo ler uma frase sequer de Rosa sem me emocionar. Não só pelo que escreveu, mas pela forma como escreveu. Com toda a propriedade de (des)estruturar, virar e mexer na língua portuguesa falada no Brasil. Foi o contato com os textos de Rosa que me convenceu de que trabalharia com Literatura.
Não vou fazer nenhum resumo, nem tampouco nenhuma análise do conto. Por mais que o leia, ou leia coisas escritas sobre ele, ainda não me sinto satisfeito em relação à dimensão estrutural e semântica desta lindeza. Sugiro que leiam. Aliás, Caetano Veloso e Milton Nascimento criaram uma linda canção homônima, em homenagem a “A terceira margem do rio”. Vale a pena ouvir.
A propósito, “Mirar e ver”, nome deste blog, para quem não sabe, é uma homenagem a Riobaldo, personagem do grande “Grande Sertão: Veredas”. No livro, ele sempre chama a atenção de seu interlocutor usando a expressão “mire veja”.

E não posso findar este post sem dar o crédito da imagem da semana. Trata-se do flagra do fotógrafo Custódio Coimbra, de O Globo, obtido ontem, durante a tempestade tropical que assolou/assustou o Rio de Janeiro. Incrível!

PS: Para comemorar o centenário de Guimarães Rosa, a partir da semana que vem encerrarei os posts sempre com um trecho curto do “Grande Sertão: Veredas”, para a gente se deliciar durante o ano que começa extra-oficialmente hoje, primeira segunda-feira depois do carnaval.