O corpo destrinchado e autopsiado na TV, os vários close-ups no rosto do artista, do jogador, do indivíduo comum em busca da lágrima exata, os muitos apetrechos (externos) necessários ao gozo sexual e a vontade de ser curtido e seguido por um grande número de "amigos" são alguns sintomas de nosso tempo.
Radicalmente clara, verdadeira e, portanto, asséptica, a contemporaneidade engendra artifícios para burlar a anestesia do ânima que ela mesmo gera e alimenta.
O desejo, a pulsão, aquilo que nos move têm estado tão espalhado entre badulaques confortáveis e seguros que nossa especificidade tecnológica oferece que não sabemos mais o que de fato desejamos: o que nos faz rir ou chorar.
E é sobre esta disseminação, excesso, dispêndio, proliferação que vivem o sensasionalismo e o controle mercadológico e midiático. Ambos sempre a querer mostrar - com sucesso - onde está o desejo, limitando nossa capacidade de subjetivação.
Sempre descartável, frágil e escorregadia, em estado de espera-pelo-seguinte, sem ao menos dar tempo de viver o atual, temos vivido a exuberância do luxo (excesso) da pseudo fisicalidade.
Porque insensíveis, estamos a mercê de qualquer alma penada que nos ofereça uma fresta de amor, de calor, de medo, de fogo no motor (de riso e choro) da existência.
Feita show, a realidade resulta sendo mais-ou-menos o que nós queremos: finge suprir o instante e abri-nos à busca do gesto ideal, sustentando a fragmentação conveniente do desejo.
É sobre tais questões que a peça Obituário ideal trata: nossa exposição complacente e passiva a uma realidade meticulosamente montada.
Maria Maya e Rodrigo Nogueira representam um casal cúmplice na imersão na banalidade da violência e da intimidade - dos outros.
Atravessados excessivamente pelo exterior - locuções jornalísticas, jornais impressos - o texto (Rodrigo Nogueira) e a encenação de Obituário ideal sublinham a ação do casal que busca em velórios de desconhecidos o "choro grave", real - algo que se sinta, que ultrapasse a pele.
Impregnadas e movidas pelo exterior, as personagens, em um lance de espelho com a plateia, rejeita qualquer olhar para dentro. As investidas de perspectivação da vida feitas pontualmente pelo marido se diluem na incomunicabilidade. Assim como o amor e a dor.
Apático à brutalidade, porque exausto à repetição dela, o casal vai da incomunicação à afinidade, radicais.
O cenário de Aurora dos Campos e os figurinos de Gabriela Campos merecem destaque por emoldurarem com eficácia e beleza a vontade da peça em dizer que tais sentimentalidades (ou a ausência delas) são atemporais.
Com direção de Thiare Maia e Rodrigo Nogueira, Obituário ideal e seu embaralhamento de tempos, situações e desejos, tão caros ao público contemporâneo, é uma mirada risonha e corrosiva no espelho.
terça-feira, novembro 29, 2011
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