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quinta-feira, novembro 24, 2011

O Filho eterno

A tradução intersemiótica, a adaptação de uma linguagem artístico-estética em outra não é tarefa fácil. Afinal, cada linguagem tem suas especificidades, é preciso respeitá-las, abrir um diálogo entre elas e, principalmente, traí-las.
Adaptar não é simplesmente transpor a prosa literária in totum ao palco, por exemplo. É mais: é descolar-se do objeto inspirador, traí-lo para que ele renasça e permaneça como sempre foi. É a promoção de um retorno em diferença.
A peça O Filho eterno é mais do que uma simples adaptação do livro de mesmo nome de Cristovão Tezza. O trabalho de Bruno Lara Resende, ao manter os núcleos-duros do texto literário, mas radicalizando-os no nível do convite ao esforço intelectual do espectador, já que o livro transmutou-se em um monólogo, é outro objeto.
Mantendo as vozes do texto literário, agora concentradas nas entoações do ator sozinho em cena, O Filho eterno, com aquilo que poderíamos redefinir como monólogo interno em voz alta rompe sua ligação com o outro O Filho eterno, o livro.
Agora são dois. Diferentes. Ligados pela memória do espectador-leitor, mas separados pela competência estética. Um dignifica e fortalece o outro: cada qual em seu campo de
presença.
E está no corpo e na voz de Charles Fricks a concretização do gesto adaptador. Consciente de seus recursos cênicos e das exigências do texto teatral, o ator põe as personagens para dançar ao ritmo do fluxo alucinado dos pensamentos de um pai-escritor diante do nascimento de Felipe - o filho e sua trissomia.
Sob a direção de Daniel Herz, que sabe figurativizar com exatidão texto e marcação, o jogo lúdico entre a primeira e a terceira pessoas do discurso, surge em cena o desenho de um sujeito mais filho do que pai. Que progressivamente aprende mais do que ensina. Ou melhor, equaliza ensino e aprendizagem na certeza de que "nenhum dos dois, pai e filho, tem a mínima ideia de como vai acabar. E isso é muito bom".
Politicamente incorreto e honesto o pai observa e participa - vivendo e aprendendo a jogar - da construção da subjetivação do filho, ao mesmo tempo em que reconstrói a própria subjetividade.
O Filho eterno é teatro que convida à revisão daquilo que tratamos sob os escudos da vergonha e da piedade.

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