Pesquisar neste blog

segunda-feira, julho 27, 2009

O feminino em Garapa

Para ver o documentário "Garapa", de José Padilha, foi preciso reler "O Quinze", de Rachel de Queiroz e "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Lendo os livros, saltam aos meus sentidos Cordulina e Vitória. Sentido-as, vislumbro o feminino no filme.
Cordulina, personagem de Rachel, reúne as características de "mulher filha da fome". Desde a paciência com o marido que chega embriagado, passando pelo "conformismo" diante da arribação do filho Pedro, ou ainda a resignação com que consola os filhos sedentos e esfomeados, até a aflição que toma conta de si, ao ver o Duquinha "tomar choro" e o desespero quando da morte do filho Josias. O aperreio resultante da miséria, da fome e da seca faz dela uma mulher impaciente e birrenta, chamando toda a sorte de apelidos "pejorativos" com os filhos. Porém, essa "superfície dura" se junta a uma fragilidade que traz em si o germe do heroísmo. Mesmo entre lamúrias e mendicâncias forçadas pela situação, ela carrega uma dignidade capaz de não deixar seu caráter se abater. O único medo é de ficar sozinha, pois assim morreria mais cedo.
Vitória, personagem de Graciliano, é mulher de Fabiano. Também sofrida. Mãe inconformada com a miséria em que vivem. Sua facilidade com a língua é demonstrada quando, já no primeiro capítulo, após uma pergunta do filho, Fabiano fica irritado e manda o menino conversar com a mulher, pois essas coisas de pensamento, para um homem, não levavam a nada. Depois, quando Fabiano é preso, tem dificuldade em conseguir uma explicação para enganar a mulher, devido à esperteza dela. E quando baleia fica doente, a racionalidade de Vitória é maior que sua estima pela cadela.
No plano da visibilidade textual, enquanto Vitória tem um capítulo todo dedicado a ela e intitulado com seu nome, as informações sobre Cordulina estão diluídas ao longo do texto. Entre outros aspectos, as personagens se aproximam pela fé e pelo cuidado com os rebentos. Ambas sonham com algo melhor, mesmo que este melhor seja representado por uma cama igual a do seu Tomás da Bolandeira, no caso de Vitória.
Personagens de teor psicológico extremamente rico, Cordulina e Vitória merecem certamente outros olhares, quiçá mais eficazes. Seja pelo descaso de políticas públicas, seja pelo descaso dos deuses, elas significam a vida à base de garapa e poeira encontrada e estetizada, como não poderia deixar de ser, no documentário Garapa, de José Padilha.

Texto publicado no Jornal A União em 25/07/2009

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:


= Filme Coração Vagabundo (Fernando Grostein Andrade) - É um documentário bacana sobre o superbacana Caetano Veloso. Merece destaque a sensibilidade da edição ao "casar" lindamente imagens e canções.
= Filme A concepção (José Eduardo Belmonte) - Corajoso e ácido registro de um arco da juventude de Brasília. Atuações viscerais de Juliano Cazarré, Milhem Cortaz e Rosanne Holland.
= Exposição Milhões de Lula (Ricardo Stuckert) - O belo Castelinho do Flamengo abriga as boas fotografias que Stuckert fez durante a campanha de Lula para o segundo mandato. A paixão do povo é captada com paixão, sem pieguices.
= Show Áurea Martins e Emílio Santiago - Muito bom poder ver os dois juntos. Som do bom!
= Livro Olívio (Santiago Nazarian) - Ainda não sei se esta primeira obra do Nazarian tem algo bom de fato. De fato, apenas, percebi uma certa facilidade em criar imagens saturadas de referências fáceis, mas, nem por isso, é um livro fácil.
= Livro Remédio veneno: O futebol e o Brasil (José Miguel Wisnik) - Neste livro, de forma bem particular, como sempre, Wisnik discute sobre a cultura brasileira tendo o futebol e a mestiçagem como mote.

quarta-feira, julho 15, 2009

Teatro Municipal Rio - Festa de 100 anos

Figurinos de espetáculos

Sumi Jo e Orquestra Sinfônica




segunda-feira, julho 13, 2009

A crônica de Machado e Clarice

A palavra crônica vem do termo grego Kronos (tempo). Este gênero tem grande presença no Brasil. A crônica é a história escrita conforme a ordem do tempo, ou seja, de modo que os fatos narrados se refiram diretamente a ele. Na crônica, o tempo é o centro da narração dos fatos, mas estes não são narrados tal como aconteceram, mas tal como os recorda o cronista, que deve ser um hábil "artesão da experiência".
Mesmo com a proliferação de cronistas - na urgência de blogs, twitters, etc-, a crônica é tida como um gênero menor em relação aos outros. Em "Escrever para jornal e escrever livro", Clarice Lispector afirma que "num jornal nunca se pode esquecer o leitor, ao passo que no livro fala-se com maior liberdade, sem compromisso imediato com ninguém. Ou mesmo sem compromisso nenhum (...) não há dúvida de que eu valorizo muito mais o que escrevo em livros do que o que eu escrevo para jornais".
A atividade do cronista é narrar os fatos segundo um ponto de vista, sem se deter em nenhum, dando a eles certa "leveza" ao discutir núcleos problemáticos de uma sociedade. A "efemeridade" do suporte, seja o jornal impresso ou os espaços virtuais, faz com que a crítica também não atribua ao gênero a devida atenção.
Machado de Assis ironizou esta condição dizendo que "o folhetinista, na sociedade ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal: solta, esvoaça; brinca; tremula; paira; espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política". Desprovida do rigor jornalístico das reportagens e do rigor literário dos romances, a crônica é, nas palavras de Machado, "uma fusão admirável entre o útil e o fútil".
Analisando a atuação dos dois escritores citados, enquanto Machado é um intérprete de um amanhã cada vez mais veloz e de uma cidade que começa a se partir, Clarice já está vivendo esta velocidade das informações e da fragmentação do Ser, numa sociedade que se torna cada vez mais "escrava" da imagem.
Evidente que para cada autor há uma modalidade de texto, o que dificulta precisar um gênero que acabou abarcando artigos, comentários, poemas em prosa, contos e relatos de viagem, entre outras coisas. Mas multiplicam-se os autores de crônicas e é preciso estar atentos para perceber quem faz da observação do ordinário o vislumbre de milagres. Ou seja, distinguir o deslocamento do real na ficção e vice-versa.

Texto publicado no Jornal A União em 10/07/2009

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme A era do gelo 3 - O gelo fica na superfície, literalmente, e os personagens estão incrivéis. As cenas do esquilo Scratch continuam absurdas.
= Espetáculo Les Jardins D'Eden (Cia. Eolienne) - Técnicas circenses e coreografias que questionam a efemeridade da felicidade individual e coletiva de forma extremamente elegante e competente. A capacidade de diversificar os movimentos e as intenções e as aparentes diferenças temáticas entre um ato e outro são marcantes na obra.
= Espetáculo 9.81 (Eric LeComte) - Tecnologia e circo juntos numa performance de força e precisão técnicas. O conjunto visual é incrível!
= CD Pelo sabor do gesto (Zélia Duncan) - Sofisticação e cuidado no repertório continuam sendo a marca de Zélia. Descate para as versões em português de duas belas canções do belo filme Les Chansons d'Amour.

sábado, julho 11, 2009

Anima Mundi 2009



http://www.animamundi.com.br/