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quarta-feira, agosto 29, 2007

Sobre "Women in art" (ver post anterior)

Da Madona medieval às deusas greco-romanas, renascentistas.
Dos retratos de nobres damas barrocas e musas românticas às mulheres comuns do realismo.
Do rosto impressionista que começa a esvanecer ao traço modernista que reduz a figura às linhas básicas... Temos a impressão de ver, através dos séculos, várias expressões de uma mesma mulher. Quando assistimos ao vídeo focando nossa atenção
nos olhos das pinturas que vão se sucedendo, o convencimento é ainda mais forte. Parece que ela apenas muda de posição, de penteado, de roupa. Uma hora um pouco mais corada pelo verão, outras vezes pálida pelo inverno. Mas é sempre ela. Sempre ele: o feminino.
Daí que ao final somos tentados a imaginar que o vídeo não trata apenas da mulher, mas da própria arte. Temos as várias pontas de uma mesma estrela: a Arte.
Este é o toque de gênio do vídeo. Não se trata de nos deixar fascinados com o apuro técnico de quem mesclou, com sensibilidade e gosto, tantos exemplos de obras cujo tema é a mulher. Esta é
apenas a ponta do iceberg.
Na verdade, este video nos mostra didaticamente, do jeito que a maioria daqueles artistas
(mesmo os mais recentes) jamais puderam enxergar, que a arte é um processo contínuo. Ele começou lá na parede das cavernas e continua até hoje, neste mesmo instante em que você lê este texto, no ateliê de algum artista em algum lugar deste planeta. Um processo que tem uma unidade, sem rupturas, mesmo quando uma época, ou um estilo, ou ainda uma escola de arte, diz querer romper e negar a anterior.
O pro
cesso de criação de agora nunca mata o que o precedeu. O vídeo mostra que criar não é destruir, mas sim absorver, digerir, desmontar e remontar, (re)codificar, transcender...
Uma
conclusão me inquieta. A arte não trata apenas de problemas subjetivos, como muitos críticos e teóricos afirmam, mas sim de linguagem. O inferno da arte está justamente no conteúdo. Ou seja, na verdade, a arte é forma e competência.
Outra idéia (já mencionada mais acima) nos remete a questão da tecnologia e da reprodução da obra de arte, assuntos caros a Walter Benjamin e outros frankfurtianos. Não deixa de ser instigante perceber que só com o uso de alta tecnologia (digitalização, técnicas de morphing, etc) é que podemos notar essa proximidade que provavelmente escapou a todos os autores das obras que desfilam naquele video. Talvez, depois da dessacralização da obra de arte com o advento da sua reprodução e banalização, estejamos perto de ver a sacralização da tecnologia como o oráculo de nosso tempo.

terça-feira, agosto 21, 2007

Women in art

Mesmo com o texto novo desta semana, "A 'Bubble' que nos protege", não pude deixar de compartilhar este vídeo, que será comentado depois aqui no blog. Merece ser assistido quantas vezes você puder. É realmente imperdível. Aumente o som, aperte o play e viaje.

O link para mandar para os amigos é: http://br.youtube.com/watch?v=nUDIoN-_Hxs

quinta-feira, agosto 16, 2007

A "bubble" que nos protege

Depois de emocionar com o belo e sutil Delicada relação (Yossi & Jagger), de 2002, o diretor israelense Eytan Fox, apresenta-nos The Bubble, em cartaz no Brasil desde 17 de agosto.
Mais do que uma história de amor entre um israelense e um palestino, o novo longa de Fox tem forte teor pacifista, sendo o mais político dos seus filmes, mas longe do planfletarismo.
The Bubble (Ha-Buah no original), com estréia internacional no Festival de Cinema de Toronto 2006, mostra a história de Noam (Ohad Knoller), que mora na moderna Tel Aviv, e de Ashraf (Yousef 'Joe' Sweid), da Cisjordânia palestina. Uma história de amor impossível de não ser afetada pela política. Talvez por isso o título preliminarmente pensado para ser "Romeo and Julio", tenha sido trocado. Para refletir melhor os acontecimentos em Israel.
A história dos dois começa quando Noam, soldado do Exército Israelense, dando plantão numa fronteira, conhece o palestino Ashraf. Há um corte na narrativa e a história continua com Noam já em Tel Aviv com os companheiros de quarto, o irônico Yali (Alon Friedman), gerente de um café, e a bela Lulu (Daniela Virtzer), vendedora em loja de essências para banho. A construção das personagens aponta para a maturidade e consciência crítica de cada um dos atores.
Bubble, “bolha” em português, pode ser a metáfora tanto de Tel Aviv, cidade que parece isolada do resto de Israel, quanto da república onde vivem os três amigos. Além das inquietações individuais de cada um.
A história de Noam e
Ashraf poderia terminar com a simples troca de olhares. Porém, Ashraf é obstinado e, tendo encontrado os documentos que o outro deixou cair num incidente na fronteira, busca e encontra Noam. Este, decepcionado com o Exército, trabalha agora numa loja de CD. A partir de então, os amigos de Noam passam a ajuda-los neste “amor explosivo”, outra metáfora que é filigranamente trabalhada ao longo do filme, até a cena final.
Com sua situação ilegal em Israel, Ashraf acaba sendo "adotado" pelos amigos de Noam e vai trabalhar com nome falso, como garçom, do café que Yali é gerente. Destaque para a trilha sonora do café, como “Aganju”, na voz de Bebel Gilberto. Uma metáfora para um país “que canta e é feliz”?
Os quatro amigos, mais outros jovens, organizam uma festa rave pela paz. “Vamos dançar em vez de matar", grita Lulu ao distribuir flyers pelas ruas de Tel Aviv. A rave é um sucesso, tendo bebida e ecstasy como combustível.
No entanto, a ilegalidade de Ashraf é descoberta, fazendo-o sentir a tensão entre judeus e árabes. Ele foge, para desespero de Noam, que auxiliado pelos amigos de quarto, vai atrás do amado.
As ações do filme são entrecortadas por cenas líricas, como num momento em que todos os personagens estão num bar e, ao piano, um crooner (Ivri Lider, responsável pela trilha sonora do filme) interpreta “The man I love”, de George Gershwin e Ira Gershwin, ou quando a irmã de Ashraf, sem aceitar que o irmão seja gay, nega-lhe uma dança, durante o casamento dela, e por cenas que revelam fundamentalismos, extremismos e separações. A câmera em movimento, os flashbacks de um passado harmônico e os cortes certeiros de Fox são a prova de sua competência.
A direção e o roteiro trabalham de mãos dadas o tempo todo, aliados de uma fotografia precisa. Todavia na parte final o diretor se perde. Numa tentativa desnecessária – haja vista o excelente papel que o roteiro de Gal Uchovsky vinha desempenhando até então – de chocar, ou mesmo de tentar finalizar a história por um viés romântico-utópico, Fox descarrila o filme.
Mesmo assim, o conjunto da obra não fica prejudicado. A mensagem do amor que rompe fronteiras físicas e espirituais, a busca por soluções de questões históricas e políticas através da arte e da festa, a supremacia da paz sobre os preconceitos e a intenção de instigar à saída da “bolha” individual em que cada um de nós nos fechamos - tudo isso costurado por imagens e diálogos que funcionam - são bem trabalhadas.
Previsível, mas imperdível para qualquer público.

***

A pré-estreia, no Brasil aconteceu durante o 11º Festival de Cinema Judaico de São Paulo e contou com a presença de Eytan Fox e do ator Ohad Knoller.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Brasil como Brasil

Depois de passar por Berlim, Londres, Chicago e Nova York, sob a curadoria de Carlos Basualdo, a exposição Tropicália: Uma revolução na cultura brasileira [1967 – 1972] chega ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
A exposição apresenta a Tropicália como um momento cultural original, envolvendo as áreas de arte plástica, música, literatura, arquitetura, teatro, cinema e moda. Buscando ainda mostrar as ressonâncias desse período nas novas gerações de artistas nacionais e estrangeiros.
Há 40 anos Hélio Oiticica apresentava a instalação Tropicália um ambiente em forma de labirinto com plantas, areia, araras, um aparelho de TV e capas de Parangolé – dentro da exposição Nova Objetividade Brasileira, no mesmo MAM.
O nome Tropicália, por sugestão do cineasta Luís Carlos Barreto que viu a exposição de Oiticica, virou o título -
após alguma relutância - de uma música de Caetano Veloso. No ano seguinte, 1968, sai o LP Tropicália: ou Panis et Circenses, considerado o disco manifesto, abrindo o brilhante momento de diálogo entre vanguarda e subdesenvolvimento. É o momento das imitações cômicas e os "arremedos" da história, e as experiências na linguagem como uma forma de colocar em xeque o ufanismo ingênuo de então.
Inaugurado por Caetano Veloso, o Tropicalismo tem também Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes e Nara Leão, como figuras centrais, acompanhadas ainda pelo maestro e arranjador Rogério Duprat e os letristas Capinan e Torquato Neto.
Celso Favaretto, no livro Tropicália: alegoria, alegria, aponta outubro de 1967, data do III Festival da MPB Record de São Paulo, a que concorreram "Alegria, Alegria", de Caetano e "Domingo no parque", de Gilberto Gil, como a época em que começa a proposta tropicalista.
Difícil de ser definida, Tropicália foi essencialmente a idéia e a tentativa de repensar a identidade brasile
ira e a arte no Brasil, em meio à agitação política e a uma ditadura repressiva, através da antropofagia cultural. Para Zé Celso Martinez Corrêa, em entrevista a O Globo, “só a antropofagia nos une. A filosofia de Oswald supera o grande impasse do mundo, o racismo, o fundamentalismo. E o multiculturalismo, que parece progressista, mas segue a filosofia do ‘cada macaco no seu galho’, setorizando gays, índios...”.
Zé Celso tem importância histórica no movimento como diretor da montagem de O rei da vela, baseada em texto de Oswald de Andrade, cuja tela feita para o cenário da peça, por Hélio Eichbauer à la Carmem Miranda, também está em exposição. A famosa tela foi usada por Caetano como capa para o disco Estrangeiro, de 1989, entre outros exemplos, numa demonstração de que conceitualmente as idéias tropicalistas norteariam sua carreira como compositor e cantor.
Na exposição, através de vídeos, verifica-se o comportamento tropicalista. Interessante perceber que, apropriando-se dos recursos tecnológicos, os tropicalistas conseguiram burlar a ideologia vigente, através do discurso alegórico, realizando uma crítica consciente e não-alienada. Alguns críticos julgaram e ainda julgam os tropicalistas como alienados, posto que não eram abertamente engajados nos movimentos políticos de esquerda.
Os visitantes de Tropicália: Uma revolução na cultura brasileira [1967 – 1972], além de interagir nas instalações Tropicália e Éden e com os Parangolés de Oiticica, podem ver trabalhos de Lygia Clark, Antonio Dias, Lygia Pape, Nelson Leirner, Lina Bo Bardi, cartazes de filmes de Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade e capas de discos tropicalistas.
É possível ver ainda as coloridíssimas roupas da Rhodia e obras concretas e neoconcretas, de Augusto de Campos (primeiro defensor crítico do Tropicalismo) e Ferreira Gullar.
Também está exposta a polêmica bandeira criada por Oiticica com a frase "seja marginal, seja herói", homenagem ao bandido Cara de Cavalo morto pela polícia em 68, e usada por Caetano nos shows. Após uma apresentação na Boate Sucata, um juiz não só proibiu o show, como fechou a boate e dias depois justificou a prisão de Caetano.
Os tropicalistas responderam aos apelos das posições regressivas da esquerda. Universalizaram a MPB com a incorporação de guitarras elétricas e o rock, modernizando a cultura brasileira de forma geral. Não esquecendo a influência pop, tendo Abelardo Chacrinha Barbosa como referência maior.
O fim do momento Tropicalista começou com a prisão e exílio de Caetano e Gil. Porém, ao que tudo indica, se a escravidão permanecerá como característica nacional do Brasil, como afirmou Joaquim Nabuco, em contrapartida, ou paralelo a isso, a antropofagia tropicalista permanecerá nos unindo e nos caracterizando.
O cantor Ney Matogrosso e a vanguarda paulistana do final dos anos 70, que incluía Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e o Grupo Rumo beberam na fonte tropicalista. Seus “acordes dissonantes” ainda ressoam hoje, num mundo cada vez mais interativo, com o advento da internet, seja pela liberdade criativa da Nação Zumbi e o movimento Mangue Beat, seja pelo experimentalismo de Marcelo D2 a "procura da batida perfeita".
Tropicália: Uma revolução na cultura brasileira [1967 – 1972] fica em cartaz até 30 de setembro, expondo o avesso de um país onde o luxo e o lixo, o erudito e o popular... não são opostos, mas "a face de uma mesma fazenda" (C. V.).

Para quem se interessa pelo assunto sugiro a leitura do livro Verdade Tropical que é, acredito, a melhor fonte sobre este período.

terça-feira, agosto 07, 2007

O cheiro do fosso

Um elenco liderado por Fernanda Torres e Wagner Moura está fazendo muita gente rir nas salas de cinema. Em cartaz desde 20 de julho “Saneamento básico, o filme”, longa do diretor e roteirista Jorge Furtado, conta a história de um grupo de moradores de Linha Cristal, uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul.
Sem dinheiro para construir uma fossa para solucionar os problemas de saneamento da cidade, Marina (Fernanda Torres) e seu marido Joaquim (Wagner Moura) descobrem que existe uma verba pública de R$10 mil destinada à premiação de um vídeo de ficção. Mesmo sem saber sequer o que significa ficção, decidem fazer o vídeo para solucionar o problema do mau-cheiro. A partir desse mote o que se vê na telona é uma sucessão de atuações impecáveis.
Além de Fernanda e Wagner, estão no elenco Camila Pitanga (Silene – irmã de Marina que sonha em fazer sucesso como atriz), Lázaro Ramos (dono de uma produtora de vídeo na cidade vizinha), Bruno Garcia (Fabrício – namorado de Silene e aspirante a prefeito da cidade), Paulo José (Otaviano – pai de Marina e desiludido com a política) e Tonico Pereira (Antônio – empreiteiro e amigo de Otaviano).
Um monstro de luvas verdes, uma mocinha com aspirações de estrela e as precariedades de uma filmagem caseira são os ingredientes saborosos dessa mistura de atores talentosos. Embora o enredo seja conduzido pela obstinada Marina e seu marido, cada personagem tem seu peso bem distribuído e, ao longo do filme, vamos percebendo como o cinema muda todas as relações inter-pessoais.
É interessante assistir a um elenco que acostumamos ver interpretando papéis de cariocas, numa paisagem totalmente diferente. Diferente inclusive de grande parte dos filmes nacionais que nos últimos anos têm gravitado entre sudeste e nordeste.
Mas além do humor, que perpassa todos os seus 112 minutos de duração, a história desse filme-dentro-do-filme desenvolve-se sobre a questão: o Brasil tem dinheiro para cultura e não tem para o esgoto? Isto é: o dinheiro está sendo bem empregado ou o modelo de se fazer cultura no Brasil, só se preocupa com os fins? As interrogações passam pelas polêmicas leis de renúncia fiscal que financiam quase 100% da produção nacional, entre outras questões. O longa de Furtado não dá as respostas, mas sugere.
O filme acaba sendo uma ode inteligente e bem-humorada ao cinema e a cultura em geral, problematizando o fazer cultura num país como o Brasil, com tantas deficiências básicas em vários setores essenciais.