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sexta-feira, agosto 15, 2014

Haicai do Brasil

Haroldo de Campos escreveu que "o haicai funciona como uma espécie de objetiva portátil, apta a captar a realidade circunstante e o mundo interior, e a convertê-la em matéria visível". Forma poética de origem japonesa, de Guilherme de Almeida a Paulo Leminski, passando por Drummond, Millôr e pelo próprio Haroldo, entre tantos outros, o haicai foi abrasileirado, ou, como diria Oswald, deglutido, apropriado. A reflexão filosófica nele contida passou a tematizar a natureza do país, as líricas brasileiras, colocando rimas e dispensando muitas vezes a métrica tradicional (três versos de cinco, sete e cinco sílabas poéticas).
Na antologia "Haicai do Brasil", Adriana Calcanhotto consegue criar um bom e diverso panorama de nossa criação de haicais. Destaque para a presença de André Vallias, cujo potente e imanente rigor sintético pode ser percebido nas suas poesias visuais, e Glauco Mattoso, poeta que tem exercitado as formas fixas para criar, haja vista sua extensa produção de sonetos.
Porém, como as antologias são sempre objetos "incompletos", sempre coletâneas afetivas de quem as organiza, não posso deixar de sentir a falta de Saulo Mendonça, na minha humilde opinião, um dos grandes haicaístas brasileiros em atividade de criação. Calcanhotto poderia ter pesquisado um pouco mais, até porque "Haicai do Brasil" já figura como indispensável à estante de quem estuda, lê ou cria/inventa poesia.


segunda-feira, agosto 11, 2014

Fake

A ironia é uma figura de linguagem, é um recurso estético. Não é zombaria vã, riso sem razão. Ser irônico é dizer algo e pensar o oposto. Portanto, a ironia requer sofisticação, trabalho rigoroso com as palavras e, principalmente, requer que o interlocutor esteja preparado e disposto ao jogo linguístico, caso contrário a ironia não funciona. Sua eficácia está na quebra da linearidade do pensamento de quem ouve/lê. Creio que Machado de Assis, com sua lírica mordaz, seja o maior exemplo da aplicação da ironia, no desmantelamento das máscaras burguesas.
Escrevo isso a fim de chamar atenção para o narrador de Fake, de Felipe Barenco. É impressionante o modo como o autor consegue sustentar a autoironia - a dessacralização de si, com humor e tragicidade na medida exata - ao longo de todo o livro. Esse artifício permite a abordagem de temas complexos, cotidianamente banalizados na superficialidade dos programas televisivos, tais como: sexualidade, iniciação do jovem na vida adulta, HIV, relação entre pais e filhos, amor. O autor faz isso proliferando no texto uma pletora de referências literárias, teatrais, musicais, culturais que, de tão bem urdidas, soam como suas, do narrador em primeira pessoa.
A narrativa supostamente linear tem torneios no tempo e cortes bruscos, conferindo a conexão entre os pequenos episódios que compõem o texto. Cada personagem entra e sai de cena na hora exata. Não há floreios desnecessários. Desses que empesteiam os livros direcionados aos "jovens leitores".
Irônico e conversando diretamente com o leitor, Téo descreve como tornou-se aquilo que é: literatura. "Por favor, não repita meus erros em casa. Todos eles foram cometidos por um profissional", escreve no "Selfie" que abre o livro. A narrativa corre leve exatamente porque Barenco estrutura o texto com consultas esporádicas e providenciais ao leitor. Criando nós e contatos. Afinal, será aquele que lê quem dará (ou não) veracidade aos acontecimentos.
A orelha avisa que Fake "faz parte da literatura YA (young adult)", mas não se iludam, Felipe Barenco, em seu primeiro romance, escreve com o rigor e a naturalidade de quem exercita a escrita há tempos.