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segunda-feira, agosto 11, 2014

Fake

A ironia é uma figura de linguagem, é um recurso estético. Não é zombaria vã, riso sem razão. Ser irônico é dizer algo e pensar o oposto. Portanto, a ironia requer sofisticação, trabalho rigoroso com as palavras e, principalmente, requer que o interlocutor esteja preparado e disposto ao jogo linguístico, caso contrário a ironia não funciona. Sua eficácia está na quebra da linearidade do pensamento de quem ouve/lê. Creio que Machado de Assis, com sua lírica mordaz, seja o maior exemplo da aplicação da ironia, no desmantelamento das máscaras burguesas.
Escrevo isso a fim de chamar atenção para o narrador de Fake, de Felipe Barenco. É impressionante o modo como o autor consegue sustentar a autoironia - a dessacralização de si, com humor e tragicidade na medida exata - ao longo de todo o livro. Esse artifício permite a abordagem de temas complexos, cotidianamente banalizados na superficialidade dos programas televisivos, tais como: sexualidade, iniciação do jovem na vida adulta, HIV, relação entre pais e filhos, amor. O autor faz isso proliferando no texto uma pletora de referências literárias, teatrais, musicais, culturais que, de tão bem urdidas, soam como suas, do narrador em primeira pessoa.
A narrativa supostamente linear tem torneios no tempo e cortes bruscos, conferindo a conexão entre os pequenos episódios que compõem o texto. Cada personagem entra e sai de cena na hora exata. Não há floreios desnecessários. Desses que empesteiam os livros direcionados aos "jovens leitores".
Irônico e conversando diretamente com o leitor, Téo descreve como tornou-se aquilo que é: literatura. "Por favor, não repita meus erros em casa. Todos eles foram cometidos por um profissional", escreve no "Selfie" que abre o livro. A narrativa corre leve exatamente porque Barenco estrutura o texto com consultas esporádicas e providenciais ao leitor. Criando nós e contatos. Afinal, será aquele que lê quem dará (ou não) veracidade aos acontecimentos.
A orelha avisa que Fake "faz parte da literatura YA (young adult)", mas não se iludam, Felipe Barenco, em seu primeiro romance, escreve com o rigor e a naturalidade de quem exercita a escrita há tempos.

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