Pesquisar neste blog

segunda-feira, dezembro 30, 2013

Sons de 2013

 
Lista aleatória dos sons que (me) tocaram em 2013 e continuarão (me) tocando depois da virada:
- Batuk Freak: Carol Koncá
- Soluços: Alice Caymmi e Cadu Tenorio
- Contra Nós Ninguém Será: Edi Rock
- Atento aos Sinais: Ney Matogrosso
- Malagueta, Perus e Bacanaço: Thiago França
- Praia: Mariano Marovatto
- Água Lusa: Jussara Silveira
- Aquário: Tono
- Francis e Guinga: Francis Hime e Guinga
- Se Apaixone Pela Loucura do Seu Amor: Felipe Cordeiro
- Passo Elétrico: Passo Torto
- O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui: Emicida

domingo, dezembro 22, 2013

Um estranho no lago

Acho que nunca vi um filme de grande circuito, mesmo europeu, tratar o nu masculino de forma tão naturalizada, com ângulos nada convencionais, pouco glamourosos e não valorativos da pose, quanto o despretensioso L'inconnu du lac (Um estranho no lago), de Alain Guiraudie. A progressiva implosão do paraíso é muito bem armada sobre as dicotomias tesão e tensão, desejo e instinto de preservação. O mais interessante, porém, para mim, está na pluralidade das personagens. Num lugar onde todos parecem ir à procura de sexo anônimo, cada um consegue apresentar singularidades que o distingue dos outros. E é neste jogo entre indivíduo e comunidade que reside a beleza ética e estética do filme.

sábado, dezembro 21, 2013

Cazuza - pro dia nascer feliz

Que faltam ousadia e coragem no enfrentamento de nossos mitos, isso todos nós sabemos. O excessivo suposto "respeito" ao mito, mata a potência do mito. Quando será que deixaremos de ler a obra de Cazuza apenas como mera expressão de recalque de uma rebeldia adolescente e investiremos naquilo que leva alguns críticos a comparar Cazuza a Rimbaud, por exemplo?
Os experimentos de ritmos - rock e blues; guitarra e tamborim - e de temas - "dor de corno" e sofisticação poética - ficam sempre obscurecidos pelos repetidos causos da vida de um artista obstinado à overdose de vida. Confundem-se "o espírito jovem", ser jovial, aberto ao novo com a crença de que só um pós-adolescente e imaturo poderia viver a vida que Cazuza viveu até a morte. Opta-se por cristalizá-lo como garoto-toddy, negando o seu erotismo no couro em brasa.
Creio que a obra de Cazuza fala, e toda obra deve falar, por si. Portanto, por que o contato com essa obra precisa ser sempre mediada por um discurso-narrador organizador? Basta ler as biografias e assistir aos filmes e espetáculos em sua homenagem para perceber o controle do imaginário cobrindo a personagem com luzes brandas e apolíneas. Tudo o que o artista rejeitou. "Um homem deve procurar a fruta que foi proibida", cantou.
Estes senões me servem para comentar o musical Cazuza - pro dia nascer feliz. Como um artista que enfrentou de dentro a imposição da vida burguesa - dizendo: "Eu sou da geração do desbunde. Nunca tive saco pra milico, desfile, gente com medo. Todo mundo ficava parado, mudo, anestesiado. Não dava pra fingir que não tinha nada. Pra mudar alguma coisa, a gente teve que gritar, se drogar. Ir pra rua, enfrentar nossa própria fraqueza. Era uma maneira de não se render, e não ficar careca, careta" - pode ter a trajetória contada como se se tratasse simplesmente de mais um "rebelde da MPB"? Cazuza não era o ingênuo-alegre como teimam em mostrar. Leitor voraz de poesia e ouvinte de canção popular, ele cantou que é preciso "criar a partir do feio / enfeitar o feio até o feio seduzir o belo", num gesto de quase eco a Adorno que escreveu que "na história da arte, a dialética do feio absorve também a categoria do belo em si". A obra de Cazuza transitou pelos extremos, entre a libertação do viver e o amor livre: "Cada aeroporto é um nome num papel" e "Viver a liberdade, amar de verdade, só se for a dois".
Colar as canções às situações da "vida real" do artista é reduzir sua força criativa. Claro que entendo o apelo pop e comercial que há nisso, mas é triste e paralisante ver como a visceralidade é substituída pela plasticidade do conforto dominical. Essa ânsia por certa beleza organizadora faz com que não apenas Cazuza e sim todos que gravitaram ao redor do sol que ele é, sejam risonhamente caricaturizados. Tornar as canções reféns da vida é mais fácil. E mais desrespeitoso também.
Não nego o apuro técnico do ator transfigurado no ídolo-artista-poeta. No entanto, colocar na voz da mãe encenada de Cazuza a tarefa de narrar a vida do filho - roubando deste a vocalização de canções como "Codinome beija-flor" e "Poema" - é, além de renunciar a voz própria do artista, transformá-lo num "galã bombardeado com balas de hortelã". No fim, tudo se transforma em apenas mais um divertimento simpático para dias mornos. E mais uma vez a complexidade da obra e do artista fica de fora.

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Incêndios

Há uma questão ética movendo a trama de Incêndios, peça de Wajdi Mouawad. Já após o contundente filme de Denis Villeneuve tive discussões acaloradas com amigos sobre a tal ética: Nawal Marwan tinha o direito de só após sua morte revelar a verdade aos filhos gêmeos Jeanne e Simon? Nawal transferiu para eles, sem chance de amenidades, uma dor que pertencia a ela?
Tendo a tentar entender a atitude de Nawal. A violência de saber que o filho que lhe foi tirado ainda bebê é o estuprador que a violentou e a torturou na prisão e, ainda por cima, é o pai do filhos gêmeos que ela acreditava estarem mortos é algo tão assustadoramente insuportável - e o filme de Villeneuve instaura isso nos climas que cria - que o silêncio solapa a "mulher que canta". Criar os filhos do filho-estuprador: como julgar o silêncio de Nawal?
As perguntas são: os filhos precisavam saber a verdade? Até então eles acreditavam que o pai estava morto e nunca tinham ouvido falar de um irmão, portanto, poderiam continuar vivendo sem o peso da verdade. Ou não? Como diz o pressuposto cristão, a verdade liberta. Será? Não estarão os gêmeos aprisionados para sempre a uma não-conversa com a mãe? O direito à verdade é maior do que as consequências que ela pode trazer? Ou mentiras sinceras interessam à manutenção da saúde?
O segredo do espectro de Nawal trunca o lugar de viver, rouba a vida dos filhos, do mesmo modo que o espectro do rei-pai de Hamlet interdita o principado deste. A questão ética se mantêm acesa na montagem de Aderbal Freire-Filho e, creio, assim como no filme, guardadas as devidas diferenças impostas pela linguagem, funda o motor estético. Vide o claustrofóbico cenário, o figurino correto e as boas atuações. Se no filme temos a cena da revelação via marca na pele a la Ulisses de Homero, na peça temos Marieta Severo no papel da mãe: mulher-sereia que canta e pensa, e quanto mais sofre mais bonito canta, como um assum preto.