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sexta-feira, novembro 28, 2008

Tom na Bossa

Depois de Estudando o samba (1976) e Estudando o pagode (2005), Tom Zé aproveita as comemorações dos 50 anos da Bossa Nova e acaba de lançar seu disco assumidamente mais cantável: Estudando a bossa – Nordeste Plaza.
Nesse trabalho, ele dá seqüência ao uso da fusão entre consciência política e experimentação estética, aliado ao deboche “incorreto”, característico de suas composições. De fato seu trabalho é uma “obra aberta”, ou melhor, in progress.
Estudando a bossa, faz um passeio por referências ao contexto histórico do “surgimento” do movimento. Passa pela histórica gravação de “Chega de saudade” feita por Elizeth Cardoso. E deságua nos desdobramentos pós Bossa Nova.
Não é preciso dizer que a batida do violão de João Gilberto atravessa todo o disco. Um disco limpo, sem os ruídos e desperdícios comuns à música “doideca” de Tom Zé. Ele buscou a sofisticação e clareza típica do estilo sob estudo. Mas engana-se quem pensa que é um disco fácil. Há inúmeras referências, ora claras, como quando ele cita diretamente fatos ou personagens, ora obscuras, como quando faz reminiscência a trechos e acontecimentos. Enfim, tudo que foi base para o surgimento daquela estética.
O “barquinho” de Bôscoli & Menescal é substituído pelo “vapor de cachoeira” que não navega mais no mar e aparece no cancioneiro popular da Bahia. Aliás, Tom Zé sugere que se a Bossa Nova surgiu com o “ventríloquo” João Gilberto, foi Mãe Menininha quem a amamentou, e faz a ponte do Bonfim à Guanabara. Obalalá. Bela aula sobre como as curvas do Rio de Janeiro inspiraram poetas, músicos e arquitetos da época.
Mas Tom Zé não “rende graças”, ao contrário, destrona o cânone. Ironiza na canção “O Céu Desabou” todo o rebuliço que o movimento causou, e lembra que se a Bossa Nova atraiu os olhos do mundo para o Brasil, o país continua a ter Buenos Aires como capital. Versa sobre temas caros aos bossanovistas como o sol, a praia e o mar. Esboça o “quase silêncio” característico das interpretações de João Gilberto, o “cara do bim bom”. E, se nas canções o amor ainda era interdito, apesar da Bossa Nova ter tentado romper com a “fossa” e os bolerões, tratando de temas solares, hoje, nas letras de Tom Zé, o amor manda recado por email.
Aparentemente longe de seu processo criativo, Tom Zé aprofunda seus estudos sobre nossa música. É o bárbaro estudando o fino, antropofagicamente, na eterna e lenta luta.

Texto Publicado no Jornal A União-PB 15/11/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme Linha de passe – Walter Salles encontrou o tom mais que perfeito, aliado a fotografia e atuações ímpares, para apresentar o avesso de nossas questões nacionais.
= Filme Baby Love – Um bom filme-pipoca-gay. Dentro do melhor "padrão hétero" de enguadrar as relações homoafetivas, o filme traz bons temas para discussão.
= Filme Ensaio sobre a cegueira – Boa adaptação para o texto de Saramago. Um tanto holywoodiano demais, mas com resultado bacana.
= Livro Tim Maia, O som e a fúria – Nelson Motta narra com muito humor as loucuras do saudoso e grande Tim Maia. E é por isso que vale a leitura: pelo personagem.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Outros Mares

O que fazer durante um surto psicótico? Adriana Calcanhotto usou o momento para escrever um livro. “Saga Lusa - O relato de uma viagem” foi lançado esta semana do Rio, juntando literatura à sofisticada obra musical da cantora e compositora.
Escusado dizer que o livro foi escrito em Portugal. Calcanhotto o escreveu compulsivamente para se “manter no mundo real”, durante o surto, na turnê de “Maré”.
O livro não é um amontoado de palavras sem nenhuma idéia, como se poderia esperar de uma pessoa surtada. Como queria, ela conseguiu “fazer do limão uma limonada” e as muitas horas de escrita foram devidamente lapidadas. O resultado é a ilusão de “tempo real” das sensações, aliado ao humor e à ironia da cantora. Aliás, a epígrafe do livro não poderia ser outra senão "A alegria é a prova dos nove(s)", frase de Oswald de Andrade.“Saga Lusa” é também uma oportunidade para quem gosta de conhecer a vida pessoal dos artistas. Adriana deixa a timidez de lado e escreve bastante sobre si. E é aí que mora o barato do livro. Resguardada pelo tal surto psicótico, ela delira e trabalha, com certo êxito, a discussão muito atual da “ressurreição” do sujeito/autor dentro da obra. Sem abrir mão do uso de algumas máscaras. Ora Ofélia, ora Medéia, ora Hamlet, ora Alice. Tudo na busca de melhor registrar o tempo interior da narradora em primeira pessoa.
A narrativa não-linear, apesar do fluxo contínuo de pensamentos, é atravessada por textos, letras de músicas e poemas. Num país que ignora sua cultura, é confortante ter alguém que não se furta de apontar suas referências e constrói bem o diálogo entre elas.
“Saí do Brasil exaurida como sempre saio, porque deixo uma casa funcionando, são cheques que não acabam mais, providências, recomendações, Susana de cama, com uma gripe fortíssima, uma cachorra machucada (...), enfim, embarquei pra Lisboa sonhando em desmaiar durante o vôo.” As frases longas e as digressões contrastam com a compositora que nas letras, e na postura artística, sempre primou pela economia, onde “menos é mais”. Ela própria tenta se “retratar” e diz que é “uma pessoa educada”, que não escreve textos “massudos daquele jeito, nem para os amigos íntimos".
“Saga Lusa é um livro agradável de ler. Escrita despretensiosa, feita para “salvar” sua escritora, alguém que sabe valer-se de finos artifícios e mantém o leitor a salvo de uma tormenta de palavras.

Texto Publicado no Jornal A União-PB 01/11/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Peça Assim com Rose – Boa adaptação de três contos de Mário de Andrade. Atuações, cenário e trilha sonora em sintonia com a obra do escritor.
= Exposição Hüzün de Carlos Vergara – Sobreposições de fotografias tiradas na Turquia. Sobre o cruzamento das imagens, manipuladas digitalmente, aplicação de técnicas em 3D com o resultado 3D. Resultado visual incrível!
= Exposição Nova Arte Nova – Imperdível amostragem do que está sendo produzido na arte contemporânea. Artistas jovens, mas com trabalhos consistentes e de qualidade. O estranhamento e as dúvidas acompanham o visitante o tempo todo, como importante sensor para pensar os rumos da arte. CCBB-RJ.
= Curtindo o Festival Panorama de Dança 2008 Aproveitando tudo! A curadoria do evento teve muito cuidado e acerto ao tentar montar um panorama do que está sendo feito de mais significativo nas pesquisas com o corpo no mundo. Últimos dias, só até 09/11.
= Curtindo o Curta Cinema 2008 – Festival internacional de curtas. Sessões grátis. Só até 09/11.
= De olho no FIAE (Festival Internacional de Animação Erótica) – Boa e diversificada programação, com temas para todas as taras e gostos. Começou ontem e vai até 14/11 no MAM-RJ.