Pesquisar neste blog

sexta-feira, novembro 07, 2008

Outros Mares

O que fazer durante um surto psicótico? Adriana Calcanhotto usou o momento para escrever um livro. “Saga Lusa - O relato de uma viagem” foi lançado esta semana do Rio, juntando literatura à sofisticada obra musical da cantora e compositora.
Escusado dizer que o livro foi escrito em Portugal. Calcanhotto o escreveu compulsivamente para se “manter no mundo real”, durante o surto, na turnê de “Maré”.
O livro não é um amontoado de palavras sem nenhuma idéia, como se poderia esperar de uma pessoa surtada. Como queria, ela conseguiu “fazer do limão uma limonada” e as muitas horas de escrita foram devidamente lapidadas. O resultado é a ilusão de “tempo real” das sensações, aliado ao humor e à ironia da cantora. Aliás, a epígrafe do livro não poderia ser outra senão "A alegria é a prova dos nove(s)", frase de Oswald de Andrade.“Saga Lusa” é também uma oportunidade para quem gosta de conhecer a vida pessoal dos artistas. Adriana deixa a timidez de lado e escreve bastante sobre si. E é aí que mora o barato do livro. Resguardada pelo tal surto psicótico, ela delira e trabalha, com certo êxito, a discussão muito atual da “ressurreição” do sujeito/autor dentro da obra. Sem abrir mão do uso de algumas máscaras. Ora Ofélia, ora Medéia, ora Hamlet, ora Alice. Tudo na busca de melhor registrar o tempo interior da narradora em primeira pessoa.
A narrativa não-linear, apesar do fluxo contínuo de pensamentos, é atravessada por textos, letras de músicas e poemas. Num país que ignora sua cultura, é confortante ter alguém que não se furta de apontar suas referências e constrói bem o diálogo entre elas.
“Saí do Brasil exaurida como sempre saio, porque deixo uma casa funcionando, são cheques que não acabam mais, providências, recomendações, Susana de cama, com uma gripe fortíssima, uma cachorra machucada (...), enfim, embarquei pra Lisboa sonhando em desmaiar durante o vôo.” As frases longas e as digressões contrastam com a compositora que nas letras, e na postura artística, sempre primou pela economia, onde “menos é mais”. Ela própria tenta se “retratar” e diz que é “uma pessoa educada”, que não escreve textos “massudos daquele jeito, nem para os amigos íntimos".
“Saga Lusa é um livro agradável de ler. Escrita despretensiosa, feita para “salvar” sua escritora, alguém que sabe valer-se de finos artifícios e mantém o leitor a salvo de uma tormenta de palavras.

Texto Publicado no Jornal A União-PB 01/11/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Peça Assim com Rose – Boa adaptação de três contos de Mário de Andrade. Atuações, cenário e trilha sonora em sintonia com a obra do escritor.
= Exposição Hüzün de Carlos Vergara – Sobreposições de fotografias tiradas na Turquia. Sobre o cruzamento das imagens, manipuladas digitalmente, aplicação de técnicas em 3D com o resultado 3D. Resultado visual incrível!
= Exposição Nova Arte Nova – Imperdível amostragem do que está sendo produzido na arte contemporânea. Artistas jovens, mas com trabalhos consistentes e de qualidade. O estranhamento e as dúvidas acompanham o visitante o tempo todo, como importante sensor para pensar os rumos da arte. CCBB-RJ.
= Curtindo o Festival Panorama de Dança 2008 Aproveitando tudo! A curadoria do evento teve muito cuidado e acerto ao tentar montar um panorama do que está sendo feito de mais significativo nas pesquisas com o corpo no mundo. Últimos dias, só até 09/11.
= Curtindo o Curta Cinema 2008 – Festival internacional de curtas. Sessões grátis. Só até 09/11.
= De olho no FIAE (Festival Internacional de Animação Erótica) – Boa e diversificada programação, com temas para todas as taras e gostos. Começou ontem e vai até 14/11 no MAM-RJ.

2 comentários:

Moreira disse...

Nossa Léo, não sabia que a Calcanhoto tinha surtado. Lendo seu texto fiquei curisoso para ler o resultado da "limonada". Deve ser, no mínimo, intrigante. Bjs.

Anônimo disse...

Ola Leo, meu amigo...

quanto tempo, não é? Fico feliz em estar novamente apreciando seu blog... que coisa fantástica, não sabia deste lançamento de Adriana... vou lê-lo o mais breve possível...

abs