Há
uma questão ética movendo a trama de Incêndios, peça de Wajdi Mouawad.
Já após o contundente filme de Denis Villeneuve tive discussões
acaloradas com amigos sobre a tal ética: Nawal Marwan tinha o direito de
só após sua morte revelar a verdade aos filhos gêmeos Jeanne e Simon?
Nawal transferiu para eles, sem chance de amenidades, uma dor que
pertencia a ela?
Tendo a tentar entender a atitude de
Nawal. A violência de saber que o filho que lhe foi tirado ainda bebê é
o estuprador que a violentou e a torturou na prisão e, ainda por cima, é
o pai do filhos gêmeos que ela acreditava estarem mortos é algo tão
assustadoramente insuportável - e o filme de Villeneuve instaura isso
nos climas que cria - que o silêncio solapa a "mulher que canta". Criar
os filhos do filho-estuprador: como julgar o silêncio de Nawal?
As
perguntas são: os filhos precisavam saber a verdade? Até então eles
acreditavam que o pai estava morto e nunca tinham ouvido falar de um
irmão, portanto, poderiam continuar vivendo sem o peso da verdade. Ou
não? Como diz o pressuposto cristão, a verdade liberta. Será? Não
estarão os gêmeos aprisionados para sempre a uma não-conversa com a mãe?
O direito à verdade é maior do que as consequências que ela pode
trazer? Ou mentiras sinceras interessam à manutenção da saúde?
O
segredo do espectro de Nawal trunca o lugar de viver, rouba a vida dos
filhos, do mesmo modo que o espectro do rei-pai de Hamlet interdita o
principado deste. A questão ética se mantêm acesa na montagem de Aderbal
Freire-Filho e, creio, assim como no filme, guardadas as devidas
diferenças impostas pela linguagem, funda o motor estético. Vide o
claustrofóbico cenário, o figurino correto e as boas atuações. Se no
filme temos a cena da revelação via marca na pele a la Ulisses de
Homero, na peça temos Marieta Severo no papel da mãe: mulher-sereia que
canta e pensa, e quanto mais sofre mais bonito canta, como um assum
preto.
segunda-feira, dezembro 16, 2013
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