Pesquisar neste blog

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Incêndios

Há uma questão ética movendo a trama de Incêndios, peça de Wajdi Mouawad. Já após o contundente filme de Denis Villeneuve tive discussões acaloradas com amigos sobre a tal ética: Nawal Marwan tinha o direito de só após sua morte revelar a verdade aos filhos gêmeos Jeanne e Simon? Nawal transferiu para eles, sem chance de amenidades, uma dor que pertencia a ela?
Tendo a tentar entender a atitude de Nawal. A violência de saber que o filho que lhe foi tirado ainda bebê é o estuprador que a violentou e a torturou na prisão e, ainda por cima, é o pai do filhos gêmeos que ela acreditava estarem mortos é algo tão assustadoramente insuportável - e o filme de Villeneuve instaura isso nos climas que cria - que o silêncio solapa a "mulher que canta". Criar os filhos do filho-estuprador: como julgar o silêncio de Nawal?
As perguntas são: os filhos precisavam saber a verdade? Até então eles acreditavam que o pai estava morto e nunca tinham ouvido falar de um irmão, portanto, poderiam continuar vivendo sem o peso da verdade. Ou não? Como diz o pressuposto cristão, a verdade liberta. Será? Não estarão os gêmeos aprisionados para sempre a uma não-conversa com a mãe? O direito à verdade é maior do que as consequências que ela pode trazer? Ou mentiras sinceras interessam à manutenção da saúde?
O segredo do espectro de Nawal trunca o lugar de viver, rouba a vida dos filhos, do mesmo modo que o espectro do rei-pai de Hamlet interdita o principado deste. A questão ética se mantêm acesa na montagem de Aderbal Freire-Filho e, creio, assim como no filme, guardadas as devidas diferenças impostas pela linguagem, funda o motor estético. Vide o claustrofóbico cenário, o figurino correto e as boas atuações. Se no filme temos a cena da revelação via marca na pele a la Ulisses de Homero, na peça temos Marieta Severo no papel da mãe: mulher-sereia que canta e pensa, e quanto mais sofre mais bonito canta, como um assum preto.

Nenhum comentário: