A princípio, o Ulysses compartimentado e fragmentado de José Rufino remete o espectador ao Ulysses de James Joyce, que, multiplicado em outros, descama-se para se restituir em Eu. Onde as sereias aparecem como visagens urbanas: "Wise Bloom eyed on the door a poster, a swaying mermaid smoking mid nice waves. Smoke mermaids, coolest whiff of all. Hair streaming: lovelorn".
Noutro momento, a monumentalidade da obra estendida no centro da nave central da Casa França-Brasil evoca o herói homérico, finalmente em repouso eterno, depois de tantos périplos. Ele é todo-memória. Foi para ele que as sereias cantaram: "'Todas as coisas sabemos, que Troia de vastas campinas, / pela vontade dos deuses, Troianos e Argivos sofreram, / como, também, quanto passa no dorso da terra fecunda'".
Noutro lance de pensamentos diante da obra, intuímos ser no Ulysses de Dante Alighieri - que nem chegou a ouvir as sereias - que reside o pulso do Ulysses de Rufino, cujo corpo vazado descansa em paz, pés virados para a saída, no fundo do útero-sarcófago amarelo-marinho, enquanto a alma vaga pelos infernos: "'Quando fugi dos feiticeiros encantos de Circe (...) Já éramos velhos alquebrados, eu e meus seguidores, quando chegamos enfim ao estreito que Hércules deu por limites ao mundo [estreito de Gibraltar] (...) Dessa terra nova contra nós investia um furacão (...) E o mar terminou por nos sepultar".
Afinal, e ao final do contato, o Ulysses de José Rufino protegido pelo prédio impregnado de histórias da Casa França-Brasil é uma tensão flutuante de camadas-sobre-camadas de referências, desejos, resíduos, escaninhos, naufrágios: canto e silêncios sirênicos.
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