Tudo é extraordinariamente elaborado. Cada movimento dos atores, auxiliado pelo cenário e figurinos perfeitos, acrescenta mais e mais tensão, fazendo cada cena superar a anterior. As soluções imagéticas concebidas pelo diretor André Garolli detalham tal tensão até não mais poder. Tudo adquire um clima extremado. Os sentimentos das personagens ficam impregnados do ar rarefeito, que circula em si mesmo, aprisionado em porões de ferro.
Em Zona de Guerra a ação começa quando um dos marinheiros muda uma caixa preta de lugar. Esse pequeno ato é o estopim da desconfiança e do assombramento dos demais tripulantes diante do desconhecido. Como conviver e lidar com o medo de ter um possível espião a bordo? Tema bastante atual em tempos de políticas do medo e de terrorismos.
Em cena, durante boa parte da peça, temos apenas uma versão da história. A versão gerada e alimentada pelo medo. O cenário e as marcações cênicas auxiliam o texto a criar uma espécie de redemoinho alienante e alienador. A platéia não fica impassível. Tudo incomoda e busca desterritorializar as certezas do radicalismo ético que cada um ainda teima em manter.
É interessante perceber as pertinentes conexões do texto com o recente noticiário dos jornais, da busca desenfreada do “culpado”. São pais, madrastas, jogadores de futebol, travestis, artistas, políticos, etc., linchados catarticamente por um imenso "coro grego" transfigurado em opinião pública.
Fica difícil destacar um ator. Todos demonstram o quanto de trabalho, de pesquisa e empenho emprestam para que a peça atinja o nível de excelência. Os jogos corporais e a voz preparada – que chega a soar estranha por ser pouco freqüente em nossos palcos – se unem a um todo cênico para formar um só conjunto orgânico, dificilmente visto nas últimas montagens cariocas.
Zona de Guerra é teatro no melhor uso do termo. A tentativa de mostrar os limites de um grupo de homens confinados por um longo período de tempo, com poucas alternativas de espaço é mais do que alcançada. E serve também para os que só conhecem o O´Neill de Longa jornada noite adentro. O espetáculo é realmente imperdível.
Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:
> Filme My Blueberry Nights – Se assistido na superficialidade, o filme é muito chato. Mas, entrando no universo criado pelo diretor, através de recortes de uma vida cotidiana, a construção das personagens é muito boa. E Norah Jones não decepciona como atriz.
> CD Feriado (Celso Fonseca) – Com seu projeto pós-bossanovista, o cantor recria clássicos e apresenta novidades. Destaque para a interpretação de “Queda”, que está rolando nas rádios, e “Ela só pensa em beijar”.
> Turismo Parque da Cidade – No Morro da Viração (Niterói). Bela vista da Baía de Guanabara, numa reserva biológica e florestal. Altitude de
> Livro Banalogias, de Francisco Bosco – Com sua tentativa despretensiosa de falar sobre o nada, o ensaísta toca em assuntos delicados da nossa malfadada contemporaneidade.
2 comentários:
Veja o barco (http://www.cineplayers.com/filme.php?id=567) filme alemão maravilhoso sobre o tema. Eu nao assistiria a peça em razão da minha claustrofobia. Ótimo texto. Beijos.
Teu texto da União, sobre os 3 travestis, ficou ótimo. Quando lia me empolgava; quando parei, fiquei com vontade de ler mais. Rapaz, meus parabéns. Forte abraço.
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