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quinta-feira, maio 08, 2008

Geni e o Fenômeno

A esta altura, até os índios da aldeia mais afastada dos centros urbanos já sabem que Ronaldo foi flagrado num motel com três travestis.
Desde a famosa madrugada, a vida de nenhum dos envolvidos no caso tem sido “fácil”. Por um lado, Andréia é acusada de extorsão e sofre pressão de outros travestis que não querem perder clientes. Por outro, Ronaldo, além de “sujar” sua imagem pública, já perdeu alguns milhões em contratos e credibilidade.
Não cabe aqui a defesa de ninguém. A mídia já está exercendo este papel, e o de promotoria também. Porém, e além das incontáveis piadas – até o desconhecido frevo “Três travestis”, de Caetano Veloso, gravado por Zezé Motta em 1982, saiu do limbo – a questão é bem mais profunda.
Vem cá: E se fosse uma prostituta? Teríamos todo esse estardalhaço? De fato, o que incomoda nessa história toda é a presença do personagem travesti. Incomoda saber que o “fenômeno” foi seduzido por um “corpo montado”.
Como analisou lucidamente o jornalista Eduardo Peret (aqui), travestis são consideradas aberrações, pessoas doentes, sem identidade, "com o diabo no corpo". Ainda são vistas como "homens homossexuais que tentam ser mulheres". E continua: A travesti não é homossexual. Os gays de uma forma geral não querem se tornar mulheres. A travesti também não é transexual.
o que perturba e amedronta nossa mentalidade tacanha é esta indefinição conceitual. A androginia de uma “mulher com pau” ameaça, mina e trinca nossa perspectiva arcaica de sociedade. Não é nem “ele” nem “ela”, mas o elo entre os dois. Não sabemos nem como nos referir a esse elo (?).
Essa coexistência de significantes masculinos e femininos arranha a imagem do macho – esse travesti al revés (travesti ao contrário), como afirmou o ensaísta franco-cubano Severo Sarduy, ao analisar a figura do travesti na literatura. Porém, é também uma repulsa que suscita e subverte-se em atração e sedução para muitos. Ronaldo que o diga.
Figura da noite, seu corpo é dos errantes. Dos que buscam saciar desejos reprimidos.
Durante o dia, ela é feita pra apanhar. Ela é boa de cuspir.
Ficou claro que Andréia se “aproveitou” da situação. Mas Milene, a primeira esposa de Ronaldo, não se aproveitou ao ter um filho que lhe rende uma gorda pensão? Cicarelli não tirou o time de campo quando percebeu que não poderia engravidar? Uma ex-namorada dele vai faturar num filme pornô intitulado "Vivi Ronaldinha, minha primeira vez", "atuando" com um sósia do fenômeno. Serão estas benditas enquanto Andréia é a maldita?
Cada um deve saber onde melhor coloca o seu desejo. E tem todo o direito de fazer. Compreender isso requer singularidades e disposição que não cabem aqui. Inquieta, e muito, a hipocrisia do pensamento estreito que se expressa com furor nas ruas e nos jornais. Se houve ou se não houve sexo entre eles é o que menos importa.

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

* CD Maré (Adriana Calcanhotto) – Sofisticado e conciso. Assunto para um próximo post.
* CD Candy Hard (Madonna) – Ela reinventa-se mais uma vez para adaptar-se ao mercado. Só que dessa vez não me disse muita coisa.
* Espetáculo Cruel (Cia. Deborah Colker) – Pelas especificidades, merece uma discussão mais demorada depois.
* Filme Iron Man – Ganha pelas atitudes politicamente incorretas do protagonista.
* Exposição Heaven to hell: belezas e desastres – Fotos do americano David LaChapelle.
* Livro Lendo Música – Reunião de ensaios sobre 10 canções da MPB, organizado por Arthur Nestrovski.

8 comentários:

Anônimo disse...

ficar quieto, vc?? eu duvidaria... vc sabe o q diz e na hora certa, tem o dom!! bjs

Anônimo disse...

Leonardo,

Seu artigo é maduro e muito bem fundamentado. Os transgêneros sempre abalaram as sociedades, em qualquer ponto da história e do planeta. Gostei especialmente do seu tom, que é informativo e pessoal, convincente e reflexivo. O Ronaldo, no conjunto de sua análise, é o que menos importa. Foi para escanteio. O artigo é bola dentro.

Gostei muito. Parabéns.

Um abraço da

Carlinda.

Anônimo disse...

Leozinho, como sempre seus textos no "mirar e ver" me enriquecem muito culturalmente. Não deixe de sempre me enviar suas atualizações. Geralmente as leio, mas não faço comentários pq não me sinto à vontade como um dia já te falei.
Vc é lindo de todos os ângulos, cara!
Bjos no coração e sucesso em dobro
Eita inveja desse povo de literatura!!!!
Amo-te (como já diria Jerônimo, hihihi)

Anônimo disse...

Léo, adorei seu texto sobre o "fenômeno"; muito bem construído, o q n é novidade, e crítico.
Bj grande, querido, saudadonas, viu?

Anônimo disse...

adorei seu texto, peço permissão para publicá-lo no blog da conferencia.

abraços.

deco disse...

Pô, show de bola!

Prabéns plo excelente texto, mto bem escrito, fundamentado e articulado. Dissertas com llaneza e com perspicácia suscitas a reflexão, esse exercício q tanto nos "hace" falta ultimamente...
Quizá nossa mídia fosse melhor comandada e povoada em suas redações... O que m "choca" é que nenhuma reflexão semelhante à sua tenha sido feita em jornal algum. Tbm pudera, mais fácil e cômodo jogar a culpa em - e continuar estereotipando - quem já a carrega praticamente desde o princípio das eras, como se fosse uma herança atávica...

Abç!
E pbéns + 1 vez!!!
André Adriano Brun

Márcia Leite. disse...

Sempre tão coerente...!

=**

Anônimo disse...

Também gostei da sua abordagem do assunto.
A figura do travesti realmente talvez seja a que está mais à margem da maioria das sociedades. Eles têm quase que total "invisibilidade" e não estão inseridos em nenhuma instância ou classificação.
Confesso que me incomoda bastante a atitude de pessoas que diante da notícia fazem comentários do tipo: "A vida pessoal dele não importa". Gostaria que essas pessoas tivessem adotado essa mesma postura quando a imprensa nos bombardeou com os namoros, traições e casamentos relâmpago dele. Se até agora admitiram a "vida pessoal" do sujeito como assunto, porque o caso com os travestis também não pode ser ponto de pauta? Agora a ex-namorada dele, providencialmente, se diz grávida. Por que ninguém questiona o interesse público dessa notícia?
Ele sempre usou a chamada "vida particular" para fazer marketing pessoal. Sempre se empenhou em transmitir a imagem de jogador de futebol rico e pegador de mulher. Tão preocupado ele está com a imagem pessoal que até a vendeu para a Nike que detém os direitos sobre como "ele será visto pelo mundo" até depois da morte dele.
É impossível confundir aqueles três homens com mulheres e acho bastante improvável que eles tenham passado 4 horas em um quarto de motel, tendo consumido boa parte do frigobar, apenas conversando. Gostaria muito que ele tivesse a hombridade de assumir o que se passou. Obviamente ele não é obrigado a isso e realmente ninguém tem nada com a vida dele. Mas saber que ele manteve relações com três travestis interessa tanto quando saber que ele namorou Milene, Daniela, Suzana, Viviane, farreou com prostitutas na adolescência e que a atual namorada(?) dele está(?)grávida.