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quinta-feira, novembro 01, 2007

Lendo Clarice e ouvindo Cazuza

Estão à venda o CD e o DVD Barão Vermelho – Rock In Rio 85, com o registro da famosa apresentação da banda na primeira edição daquele festival. Além disso, em um debate semana passada aqui no Rio, Ezequiel Neves, descobridor da banda, anunciou o lançamento do livro Por que a gente é assim, biografia do Barão, escrita por ele juntamente com o jornalista Rodrigo Pinto e o baterista do grupo, Guto Goffi, com lançamento previsto para o final de novembro.
Sempre que se fala de Barão Vermelho lembro de Cazuza. Esta semana, por exigências acadêmicas, reli A hora da estrela, de Clarice Lispector e fiquei pensando nas semelhanças temáticas entre sua escrita e as letras de Cazuza. Pesquisei um pouco e descobri que A descoberta do mundo, livro de crônicas de Clarice, era o livro de cabeceira de Cazuza. Bingo!
Penso que para entender a produção de Clarice e Cazuza seja preciso investigar o contexto histórico no qual elas estão inseridas. Eles são intérpretes de um mundo cada vez mais veloz, com a urgência das informações e da fragmentação do ser humano. De uma sociedade que se torna cada vez mais escrava da imagem.
Donos de uma sensibilidade por vezes mórbida e de uma aparente insatisfação com o mundo, eles tematizam insistentemente as peripécias do “ser-no-mundo”.
Clarice e Cazuza fazem das dúvidas inconfessáveis a matéria-prima de suas obras, desmascarando a si próprios. Rompem com o equilíbrio do cotidiano a partir do momento em que questionam as verdades estabelecidas. Colocam em discussão a visão de um mundo múltiplo e que nos perturba exatamente pelas várias opções de resolução para uma questão interior e individual. Ao mesmo tempo em que percebem que nenhuma resposta satisfaz. Temos tantas opções que não sabemos o que fazer. Escolhe-se tudo. Escolhe-se nada.
Buscar a verdade é um desejo pontual de todos nós. Uns encontram a duras penas, outros a perseguem por toda a vida, porém a idéia de uma verdade maior, relacionada a nossa própria origem, incomoda muito. Quanto às verdades “menores”, o que se percebe em Clarice e Cazuza, é que qualquer acontecimento pode ser o detonador de verdades. Basta lembrar o caso da personagem G. H. diante de uma barata, ou ainda, Rodrigo S. M. diante de Macabéa. É preciso estar atento. Ou não? São as verdades que nos acham?
Há, e cada vez mais isso se agrava, a falta de paradigmas. “Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder”, ou ainda, “as ilusões estão todas perdidas, os meus sonhos foram todos vendidos”. É este ser, atormentado pelas descobertas de algumas verdades e sentindo-se só diante da necessidade de enfrenta-las, quem atravessa grande parte das letras de Cazuza. Estar no mundo e vivenciar seus paradoxos atormenta. Há uma urgência em viver o agora, pela ausência de perspectivas futuras.
Voltando a Clarice, Macabéa é um exemplo desse “ser-fraturado”, rompendo com a ordem das coisas quando, sendo virgem, admira Marilyn Monroe, símbolo sexual. O equilíbrio entre tradição e o embate com essa tradição paira sobre a única certeza de que não existe uma verdade única. A verdade é construída de acordo com a ocasião e as escolhas que cada um de nós fazemos. Daí que “raspas e restos, pequenas poções de ilusão e mentiras sinceras me interessam”. Isto é, diante da falta de uma verdade universal, “mentiras sinceras” nos ajudam a continuar lutando pela vida.
Nenhum dos dois têm medo e pudores ao tratar da normalidade de seus receios e erros diante da vida, pois viver, estar vivo, já é um grande feito e redime qualquer culpa. Fica claro que o que interessa a Clarice e a Cazuza não são os indivíduos em si, mas a paixão que os domina, a inquietação que os conduz, a existência que os subjuga. Por isso, enquanto Clarice dizia que “os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro o que me interessa.”, Cazuza afirmava que “há um incêndio sobre a chuva rala”. Cabe a cada um de nós sentir pra entender. Ou não.


RODAPÉ:

Sob curadoria de André Vallias, Friedrich W. Block e Adolfo Montejo Navas, está em cartaz Poiesis – Poema / entre pixel e programa, com vinte e sete poetas, de onze países, mostrando com quantos bytes, letras e números, formas e sons se faz um poema hoje, no mundo das novas tecnologias. Entre os artistas estão Augusto de Campos, Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes, Lenora de Barros e Ricardo Aleixo. A exposição fica até 2 de dezembro no Oi Futuro, Rio de Janeiro. Imperdível!

4 comentários:

Bruno Lima disse...

Mais uma vez na mosca! Excelente texto!

Abraços

Yonara Costa disse...

Adorei a paródia homoerótica. Ficou um texto cheio de referências inteligentes!

Unknown disse...

Leonardo, adorei, muito bom. Meu nome é Saulo, moro em Resende, estou me formando em Letras (espero, pelo menos), e o tema do meu tcc tem tudo a ver com esse seu artigo. Provavelmente você será uma das referências citadas (a não ser que você se oponha). Então, se possível, queria que você me mandasse mais alguma informação sobre a sua formação, para que eu não tenha problemas com referências.
enfim, faz esse favor pra mim. meu e-mail é egotropismo@hotmail.com.

brigadão.

Karen disse...

Boa observação!