A obrigação de ser feliz nos sufoca. O quente é ser alegre: barulhento na
criação de efeitos especiais que nos dêem um pouquinho de felicidade. Sofrer e
morrer, definitivamente, não está nos planos. Ninguém sofre mais do que um milésimo de segundo, quando muito. E qualquer
indivíduo lúcido dirá que isso é o certo. Descartamos sujeitos e objetos com a
mesma competência. Temos confundido a afirmação
da vida com a denegação da dor, tão necessária – quanto a alegria – à nossa
presença no mundo: à intensidade dos sentidos – das diversas pontas da estrela;
dos muitos arcos que a íris do olho de Deus estampa. Afinal, matamos mesmo o
Todo Poderoso, ou recalcadamente pulverizamos (fragmentamos) sua presença nas
inúmeras bugigangas-próteses que enchem nossos lugares do afeto e têm produzido
mais poluição (trava no movimento) do
que consolo?
A intervenção estética de Elineide Alcântara complexifica
a pergunta ao investir na fotografia nublada do incapturável, da fissura no ponto
luminoso que nos (In)utiliza à vida. Cartografando os paliativos físicos –
externos ao indivíduo – criados para dar sentido e vida em abundância, Elineide
registra, em imagens e palavras, os penduricalhos, balangandãs (orteses) nossos
de cada dia; pinça o comum, o simples, o excesso de absurdos, de espantos. De
dentro da bolha ímpar que cada imagem e poema guardados em I(nu)tensílios representa há uma voz que sublinha o desnivelamento
entre a vida que desejamos, nós (leitores: viventes) e a que temos vivido.
Há remédio para (quase) tudo e essa certeza movimenta
comércios poderosos. Daí a urgência cíclica e permanente de criar no indivíduo
o desejo de outras novas necessidades vitais:
fórmulas, enfeites, muletas que, no mais das vezes, não conseguem ultrapassar a
pele. Deste modo, pela potência de anonimato, o ciberespaço auxilia o indivíduo
moderno na brincadeira de viver e se transformar em outros, que, na realidade,
é ele mesmo. Ou seja, os fakes da
internet são facetas (máscaras) do indivíduo que lhes cria. Indivíduo e fake (eu e o outro) não estão nem são
dissociados.
O I do título
deste livro, recuperando uma sintomática proliferação – Ipods, Ipads, Iphones –, em consonância com o nu, não deixa dúvidas: o desejo tem sido
urdido pelo lado de fora, na ficcionalização de eus. O acúmulo de acessórios – porta-estandartes de nossas
carências – no quarto da bagunça, no escaninho da memória, diz muito do caminho
traçado. E o amor é hiper quântico, canta a voz que sai do fone fúcsia de
ouvido. Sim, fúcsia. Temos um fone de cada cor, para combinar com cada tom de
roupa, bolsa, cinto, humor.
As vantagens do mundo moderno, com suas tecnologias
sempre à disposição do bem individual são inegáveis. Mas, e quando a cortina
fecha? E quando o indivíduo está sozinho, no seu quarto, no fim do dia, e o
mundo desaba? Há remédios para tamanha produção de presença de si? Eis por onde
passeia o sujeito lírico de Elineide: montando e desmontando mundos internos. Ao
contrário de uma apologia enviesada à dor, ao sofrimento, à lágrima, I(nu)tensílios canta os sintomas da
solidão existencial irremediável, convidando o leitor a entrar no espelho:
mergulhar na ficção – única vida possível?
Um comentário:
matar o "todo poderoso" teve seu preço, mas acho FUNDAMENTAL. Isto era A grande muleta e consolo fake, paliativo.
no mais, a reflexão me parece perfeita. fiquei com vontade de conhecer o texto, pois me parece alinhado com o que penso e me angustia no comportamento humano atual.
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