Assim como a canção só tem razão se se cantar, o teatro é o efeito especial do instante-já da encenação. A parte isso, o teatro, enquanto gênero, reinventa-se com o mundo que roda.
Em tempos de artistas cujas carreiras são tão frágeis quanto suas competências profissionais, de espetacularização de toda sorte de efemeridades e de uma proliferação de monólogos, assistir a Fernanda Montenegro em Viver sem tempos mortos, no Teatro Dulcina, deveria estar entre aquelas 1000 coisas - se é que há tantas coisas imprescindíveis assim - para se fazer na vida.
Seja por ter sido no teatro, palco importante na história do Brasil, criado por Dulcina de Moraes, artista comprometida com sua arte, em uma era pré-Lei Rouanet; seja pela excelência do texto - uma adaptação a partir das correspondências de Simone de Beauvoir; seja pela economia da encenação em si - minimalista ao extremo; seja pela presença cênica de Fernanda Montenegro.
De fato, Viver sem tempos mortos é uma aula, nada didática. Felipe Hirsch (direção), Daniela Thomas (direção de arte), Beto Bruel (iluminação), Newton Goldman (pesquisa e compilação) e Fernanda Montenegro fazem da sensibilização a chave mágica da peça.
As sugestões cênicas - a cadeira no centro do palco, ao lado do túmulo invisível de Sartre, de onde Beauvoir reconstitui, pela memória, a própria vida; a luz focalizando a voz; e o comedimento gestual da atriz (de Beauvoir) - ampliam os sentidos de um texto meticulosamente bem montado: repleto de sugestões estimulantes do pensamento.
Viver sem tempos mortos mostra que, em teatro, um excelente texto só produz sentidos quando submetido a uma encenação que lhe é compatível. Afinal é aqui, em cena, que o texto encontra ressonância no mundo do espectador.
"Perceber é conceber", anotou Octávio Paz. Viver sem tempos mortos força (exige de) a plateia ao exercício - cada dia mais nublado pelos desejos impostos (enlatados e congelados) - da imaginação, da vontade de sentidos por trás do ruído.
Em resumo: O vigor de Viver sem tempos mortos está na sensibilização da intimidade. No redimencionamento do feminino em nós.
quinta-feira, agosto 25, 2011
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Um comentário:
Crueldade você ir ainda escrever uma crítica tão linda dessa...
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