Pesquisar neste blog

segunda-feira, agosto 08, 2011

Dia do Orgulho Hetero

Para além do apelo comercial, pois até mesmo as intenções e os momentos mais nobres, revolucionários e íntimos são rapidamente absorvidos pelo mercado - o que, por um lado, não é de todo ruim -, destacamos no calendário os dias que, de tão importantes, naturalizam-se e perdem sentido na roda viva. Marcamos para não esquecer o que não pode ser esquecido.
Em geral, estes dias servem à lembrança e à celebração das vitórias e dos avanços humanos. É assim com o dia da mulher, da consciência negra, da independência nacional. Mas também para alertar o muito que ainda precisa ser feito para que a vida seja mais feliz, tais como, além dos também já citados, o dia das crianças, o dia do índio, o dia do orgulho lgbt e o dia do trabalho. Entre tantos.
Outros apertam sentimentos pessoais: se no dia das mães alguns lembram que tem (ou teve) uma, no natal - paralelo à comemoração religiosa e ao convite dos shoppings - damos mais atenção aos afetos, ao que de fato importa. Isso sem contar o dia dos namorados, dos pais, do amigo, da confraternização universal, de finados.
Aliás, por falar em religiões, é de se estranhar que elas não tenham percebido ainda que "a íris do olho de deus tem muitos arcos". Se somos todos filhos de um mesmo deus-pai (não importando o nome que se dá a ele), ou seja, formamos uma mesma família universal, por que a prática segregária engendrada por muitos líderes e seguidores religiosos: onde o ódio e a discórdia entre os "irmãos" são alimentados?
Eles dizem querer salvar a família e manter os bons costumes. Primeiro: ninguém salva a família, ela não é passível de pedestal, de cristalização - ela transmuta-se com o tempo que roda. À revelia de seus "protetores", a família (o conjunto formado por pessoas envolvidas pelo afeto) adapta-se aos tempos. A vida real, o cotidiano tem provado isso. Basta ter olhos para ver.
Segundo: ao definir o que são ou não são bons costumes estaremos sempre trabalhando no campo da subjetividade - do interesse de um grupo em detrimento de outro. E é aí que reside o germe da segregação, do ódio. Basta ter sentidos para sentir.
Ora, não podemos ser ingênuos bastantes ao ponto de pretender a concórdia geral. Somos diferentes e é a diferença que torna a vida complexa, rica, repleta de significados possíveis. Mas estamos expostos às mesmas (semelhantes) inquietações: o ser e o estar no mundo. O que deveria ao menos promover diálogos.
Seja como for, agendamos as datas que não queremos (nem podemos) esquecer. O dia do orgulho hetero, aliado a um iminente dia da consciência branca, lembra-nos que não importa nada - nem o horror da escravidão, nem o presidente mulato dos EUA; nem os sutiãs queimados, nem a lei Maria da Penha, nem a presidenta do Brasil; nem o Stonewall, nem os homossexuais vítimas fatais do ódio; nem a nossa brasileira genealogia mestiça, nem o ecumenismo que (ainda: por enquanto) nos sustenta - o macho adulto branco ("que só usa dez por cento de sua cabeça animal") vai estar sempre no comando.
(In)conforme-mo-nos.

Nenhum comentário: