Milhares (aos montes) de crianças são violentadas diariamente no Brasil e no mundo. Não me refiro exclusivamente à violência sexual, mas também à usurpação de necessidades básicas e elementares à dignidade do indivíduo e da subjetividade.
Agora mesmo, enquanto escrevo, ou você lê este texto - que é uma exaltação ao direito que cada um deve ter em decidir o que quer ou não quer fruir no campo estético - as ruas estão cheias de crianças rastejando por um prato de comida, por um abrigo, pelo direito de uma educação escolar decente.
Muitas, a fim de denegar a situação cruel que a vida lhe impõe, vítimas das drogas: geradoras de degradação física, moral e ética. Ali na esquina há pelo menos uma criança queimando uma pedra de crack, pode ir olhar. Um tamanho horror perante os céus.
Eis o que efetivamente fere não apenas o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também a individuação, não um filme cujo propósito é chamar à atenção para tais chagas sociais, das quais os responsáveis jurídicos e políticos articulam-se para proibir uma exibição cinematográfica.
Eles querem salvar a família. Mas ninguém a salva. Ela é mutante: transmuta-se com o mundo que roda e escapa à competência intelectual tacanha da censura cristalizante.
Mesmo porque em A serbian film as cenas de profunda violência à criança estão mais na ordem da sugestão do que na imagem explícita.
Sim, há sangue e há horror em A serbian film. Mas talvez muito menos do que em muitos dos filmes classificados na mesma categoria. E muito menos ainda do que as fraturas sociais expostas com as quais a rua nos enche cotidianamente. Sim, a comparação pode ser esdrúxula, mas pertinente.
Exatamente por isso, por não suportar mais tais realidades, provavelmente eu não teria assistido a A serbian film, não fosse a censura que o filme vem sofrendo no Rio de Janeiro, no Brasil.
A personagem principal, aliás, cabe dizer, comete as atrocidades que A serbian film apresenta sob o efeito de estimulantes químicos injetados à sua revelia. Ou seja, dentro do próprio A serbian film há um filtro moral chamando a atenção do espectador para os horrores dos atos. Tanto é que, depois de descobrir que estuprou a mulher e o filho - a criança não aparece: só vemos seu rosto traumatizado e transtornado ao final do ato -, Milos (Srdjan Todorovic) não encontra outra solução diante da vida senão a morte do monstro em si.
Dito tudo isso, A serbian film não é um bom filme. Carece de produção, de melhores diálogos, atuações. Mas não expõe nada que nossos ouvidos perplexos e calejados já não tenham captado diante da nossa competência humana ao horror, à truculência - sem limites. Basta ligar a TV agora.
Censurar A serbian film não diminuirá em nada o terror (palavra da moda) diário ao qual nossas crianças são vítimas. Pelo contrário: os efeitos da censura, como sabemos, são tenebrosos.
Usar o argumento de que o filme incita à pedofilia é tão ilógico que, mesmo perplexo, nem me dou ao trabalho de comentar. Até porque se pessoas "sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade" existem isso é um problema que urge solução no campo político-social e não nas expressões artísticas. Deste modo, censurar um filme agiria sobre o efeito e não sobre a causa da ferida. Seria mais um paliativo: tentativa sempre frustrada de conter o incêndio com uma chuva rala de consequências assustadoras, repito.
Até hoje convivemos com a dor de quem perdeu um afeto para as patrulhas ideológicas e com a má interpretação (interesseira) do que seja "politicamente correto" e bom para o bem comum.
Enfim, o triste disso tudo é constatar que enquanto a regra do "Não vi, mas proibi" impera, o que de fato importa às instâncias jurídicas e políticas está ali na esquina gritando por socorro.
Agora mesmo, enquanto escrevo, ou você lê este texto - que é uma exaltação ao direito que cada um deve ter em decidir o que quer ou não quer fruir no campo estético - as ruas estão cheias de crianças rastejando por um prato de comida, por um abrigo, pelo direito de uma educação escolar decente.
Muitas, a fim de denegar a situação cruel que a vida lhe impõe, vítimas das drogas: geradoras de degradação física, moral e ética. Ali na esquina há pelo menos uma criança queimando uma pedra de crack, pode ir olhar. Um tamanho horror perante os céus.
Eis o que efetivamente fere não apenas o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também a individuação, não um filme cujo propósito é chamar à atenção para tais chagas sociais, das quais os responsáveis jurídicos e políticos articulam-se para proibir uma exibição cinematográfica.
Eles querem salvar a família. Mas ninguém a salva. Ela é mutante: transmuta-se com o mundo que roda e escapa à competência intelectual tacanha da censura cristalizante.
Mesmo porque em A serbian film as cenas de profunda violência à criança estão mais na ordem da sugestão do que na imagem explícita.
Sim, há sangue e há horror em A serbian film. Mas talvez muito menos do que em muitos dos filmes classificados na mesma categoria. E muito menos ainda do que as fraturas sociais expostas com as quais a rua nos enche cotidianamente. Sim, a comparação pode ser esdrúxula, mas pertinente.
Exatamente por isso, por não suportar mais tais realidades, provavelmente eu não teria assistido a A serbian film, não fosse a censura que o filme vem sofrendo no Rio de Janeiro, no Brasil.
A personagem principal, aliás, cabe dizer, comete as atrocidades que A serbian film apresenta sob o efeito de estimulantes químicos injetados à sua revelia. Ou seja, dentro do próprio A serbian film há um filtro moral chamando a atenção do espectador para os horrores dos atos. Tanto é que, depois de descobrir que estuprou a mulher e o filho - a criança não aparece: só vemos seu rosto traumatizado e transtornado ao final do ato -, Milos (Srdjan Todorovic) não encontra outra solução diante da vida senão a morte do monstro em si.
Dito tudo isso, A serbian film não é um bom filme. Carece de produção, de melhores diálogos, atuações. Mas não expõe nada que nossos ouvidos perplexos e calejados já não tenham captado diante da nossa competência humana ao horror, à truculência - sem limites. Basta ligar a TV agora.
Censurar A serbian film não diminuirá em nada o terror (palavra da moda) diário ao qual nossas crianças são vítimas. Pelo contrário: os efeitos da censura, como sabemos, são tenebrosos.
Usar o argumento de que o filme incita à pedofilia é tão ilógico que, mesmo perplexo, nem me dou ao trabalho de comentar. Até porque se pessoas "sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade" existem isso é um problema que urge solução no campo político-social e não nas expressões artísticas. Deste modo, censurar um filme agiria sobre o efeito e não sobre a causa da ferida. Seria mais um paliativo: tentativa sempre frustrada de conter o incêndio com uma chuva rala de consequências assustadoras, repito.
Até hoje convivemos com a dor de quem perdeu um afeto para as patrulhas ideológicas e com a má interpretação (interesseira) do que seja "politicamente correto" e bom para o bem comum.
Enfim, o triste disso tudo é constatar que enquanto a regra do "Não vi, mas proibi" impera, o que de fato importa às instâncias jurídicas e políticas está ali na esquina gritando por socorro.
Um comentário:
Comparo a polêmica ao filme a uma cena de linchamento onde o instinto mais agressivo do ser humano é "justificado" pela fúria coletiva de atirar a primeira e a última pedra a quem "tem de ser castigado". Quem tem a razão e quem é a vítima nesse caso? Inverte-se a lógica do crime.
Talvez a censura ao filme tenha provocado mesmo essa forma de linchamento visual de quem assistiu ao filme. Também sou a favor da liberdade de expressão, mas tratar da violência com simulação "quase-real" daquilo que sabemos ser tão pior nas estatísticas é uma forma de manifestar-se ou expressar-se contra essa violência?
Não acredito. E não conseguiria voltar para casa tranquilo depois desse filme com tudo aquilo que a gente repugna. A liberdade de expressão acabaria com a liberdade dos meus sonos tranquilos. Pertubaria.
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