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segunda-feira, agosto 29, 2011

Inbox

Os laços humanos estão cada vez mais frágeis. Talvez como nunca na história. Talvez apaixonar-se e desapaixonar-se jamais tenham sido movimentos tão fáceis. Basta um torpedo e o começo do começo e/ou o fim do fim está dado. Talvez.
Ao mesmo tempo em que tudo parece mais fácil - tornamo-nos mestres em "facilitar a vida", basta tomar os remédios certos e deletar os contatos que insinuam qualquer possibilidade de dor -, o fato é que manter uma relação erótica-afetiva, com todas as consequências gozosas e dolorosas, tem exigido reinvenções íntimas em cada parceria, em cada parte envolvida.
Como lidar com os apelos que a vida on line e suas sedutoras sugestões à imaginação oferecem é uma delas. Pela internet entramos em contato apenas com o lado ficcional do outro. E não há nada mais apaixonante do que isso.
Inbox (direção de Bel Garcia), com Maria Eduarda e Gregório Duvivier, ao apresentar uma escritora em crise criativa e vivendo em uma relação gasta pelo cotidiano e o seu contato com um fã misterioso, via email, despoleta o arco teso das novas formas que o amor tem encontrado para ainda se fazer presente.
As soluções cênicas - as movimentações corretas e sugestivas das personagens - são exatas no desejo de presentificar o texto. A plateia entra numa intimidade que é a cada instante mais próxima.
A surpresa final, tantas vezes sugerida ao logo da peça, é comovente: lança luz e esperança - aquece, promove conexões insuspeitadas.
O mais radicalmente interessante no texto (Clarice Falcão e Gregório Duvivier) de Inbox é que questões como "olhar para o que está perto", "reconhecer o valor necessário do cotidiano" e "lidar com a ordem 'natural' das coisas" não soam pieguas, nem nostálgicas. Ao contrário.
Inbox usa os elementos da vida on line como um veneno-remédio para o tratamento e o cuidado dos afetos.
Com versatilidade precisa, Inbox tematiza o amor em tempos de excesso dos meios de comunicação versus a escassez de comunicabilidade "de perto": com aquelas pessoas com quem dividimos a casa, a mesa, a cama.
John/André (Duvivier) quer mostrar que, se há amor, deve haver - mesmo que seja na elaboração ficcional de si - a capacidade de adaptação e de manutenção do desejo.
Ao captar e traduzir o nublado desejo de Clara (Eduarda) ele se descobre. E faz do risco que isso implica uma aprendizagem: um livro dos prazeres compartilhados, construídos em parceria.
O último romântico? Talvez. Mas talvez também ele seja apenas um sujeito abrindo um novo labirinto dentro do labirinto que é - "sempre foi assim, assim será" - a arte de amar.

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