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quarta-feira, maio 14, 2008

A nova coreografia de Deborah Colker*

Quão cruel podemos ser nas nossas relações? Este é o mote do novo espetáculo da Companhia de Dança Deborah Colker, que esteve em cartaz de 22 a 28 de abril no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Com o apropriado nome de “Cruel”, o espetáculo quebra a expectativa dos acostumados às seqüências acrobáticas que, desde “Vulcão” (1994), caracterizam a Cia. E assim, se a coreógrafa mostra estar consciente de que as fronteiras da arte vêm se dissolvendo, ao conceber uma montagem híbrida, com movimentos do clássico e do urbano, corre o risco de, ao abrir mão de seu diferencial, perder o público conquistado.
A presença de fortes elementos narrativos, aliada à (quase) ausência dos suportes cênicos, essenciais nos espetáculos anteriores, causa “desconforto” em quem acompanha o trabalho de Colker. Aliás, o desejo de “contar uma história fechada” já esteve presente no espetáculo “Nó” (2005), mas agora é radicalizado.

“Cruel” começa com um palco nu – o único elemento cênico é um imenso lustre em formato de globo – onde tem lugar um baile, espaço de encontro entre os corpos e dos arquétipos comportamentais. Já aqui, percebemos uma personagem feminina que não encontra um parceiro para dançar e atravessa toda a coreografia sozinha, ensimesmada entre hesitações e avanços em direção ao “outro”. Merece destaque ainda a curiosa trilha sonora, que mescla desde a serenata para cordas de Dvorák às batidas modernas.
As relações domésticas, em que laços sangüíneos nos limitam, é outro ambiente investigado. Entra em cena uma mesa de cinco metros de comprimento, onde personagens do universo familiar executam à sua volta movimentos que traduzem desejo e traição, rancor e competição, silêncio e contato íntimo. O ato termina com facas – instrumento ritualístico e símbolo fálico – sendo atiradas, culminando com a presença da morte.
Na segunda parte, imensos espelhos giratórios servem aos personagens permitindo que confrontem seus limites físicos e psicológicos. Tais espelhos simbolizam tanto as portas místicas para um mundo paralelo, quanto as esferas onde vivemos, seja pelo narcisismo, seja pela multiplicação contemporânea das possibilidades de escolha. Como a mulher combalida pelas investidas no mundo, que, numa cena pungente, mas previsível, fecha o espetáculo.

Ao buscar uma narrativa que mostra o quão cruel podemos ser com nossos desejos, Deborah Colker peca ao apresentar um espetáculo “pronto” e fechado. Uma crueldade com o espectador.


* Texto publicado na coluna do jornal
A União (10/05/2008).

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

- CD Amigo é casa (Simone e Zélia Duncan) – As duas apresentam canções já interpretadas por elas e outros artistas. Mas as escolhas sonoras de Zélia Duncan atravessam todo o repertório do cd.
- Show Ao Vivo no Estúdio (Arnaldo Antunes) – Com performance, pra lá de original, Arnaldo mostra suavidade e clareza nas suas atuais interpretações, outrora rasgadas e "sujas" de ruídos.
- Filme
Speed Racer – Mais uma vez, os irmãos Wachowski inaugural um novo visual para a telona.
- Filme
Cassandra's Dream - Um Woody Allen com um pé (em falso) na tragédia grega.
- Exposição
Arquitetura do medo (André Gardenberg) – A intenção de registrar "o medo" na contemporaneidade se dilui e algumas imagens são equivocadas.
- Livro As Dobras do Sertão (Josina Nunes Drumond) – Análise da dialética inconclusa de Grande sertão: veredas e sua transposição para a linguagem plástica de Imagens do Grande Sertão. Tudo focado nos mecanismos da construção neobarroca.

4 comentários:

Anônimo disse...

Vc tem muito futuro, amigo.

bj

Márcia Leite. disse...

Só aumentou minha vontade de assistir a um espetáculo dessa companhia!

Outra coisa, adoro essa seção "Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias". Muito bom acompanhar tuas referências!

Bjoon!

=*
=)

deco disse...

Não assisti, pois moro distante dos gdes centros! Mas, talvez, inovando - e bastante - em relação aos espetáculos anteriores, a diretora do espetáculo tenha querido problematizar e demonstrar o quão imprevisíveis e complexas são as relações humanas. Mto possivelmente, a ausência proposital de recursos cênicos tenha lançado luz e objetivado chamar a atenção dos espectadores para o "balé" das relações humanas propriamente ditas e para os desejos que se estabelecem a nelas, por elas e partir delas...
Adoro guinadas de 180º, pois demonstram: ou ousadia ou instabilidade, o que também faz parte do processo e da evolução da arte, se é que se quer chamar atenção para isto...

Abçs!

Anônimo disse...

Irmão querido

Estou muito orgulhosa em ver o quanto tens se destacado em seu trabalho. Parabéns pelas conquistas, pelo seu esforço, por seres tão dedicado e batalhador. Você tem se aprimorado cada vez mais, seus textos são de uma visão crítica fantástica de compreensão para poucos. Espero que tenhas muito sucesso, que sejas muito feliz e que este dom seja reconhecido por todos.

Saudades da irmã-postiça!!!

Aninha