A fim de promover a antologia O artista inconfessável, de João Cabral de Melo Neto, lançada há poucos dias pelo selo Alfaguara, da Editora Objetiva, o jornal O Globo reuniu ontem, em seu auditório, Ferreira Gullar, Bráulio Tavares e Eucanaã Ferraz, com mediação de José Castello, em um debate sobre a vida e a obra do poeta.
Entre outras coisas questionou-se a idéia do artista que se “confessa” em sua obra, algo que Cabral sempre lutou veementemente contra. Para ele, poesia era o trabalho do exercício com a palavra. E a palavra era tida como pedra ou faca sem cabo. Para o semioticista Roman Jakobson, “a linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções” e parece ter sido este o propósito de Cabral.
A mim incomoda bastante esta análise do texto pelo viés psicanalítico, proposta pela nova antologia do poeta. Buscar soluções para as questões textuais na vida dele é deixar de lado a especificidade do objeto artístico e cair na má crítica, ou na crítica limitada. Fazer isso, por vezes, corro o risco de dizer, é constatar a incompetência crítica diante da obra.
Contemporaneamente, vemos um número cada vez maior de leituras com este objetivo de encontrar o artista dentro da obra. Penso que seja uma busca de ressuscitar o autor, e numa leitura mais ampla o indivíduo, perdido em meio à fragmentação moderna e “pós-moderna”, e que teve sua morte constatada principalmente pelos filósofos Foucault e Barthes.
Mas, voltando à poesia de João Cabral, com sua gramática única, ela não se deixa fruir livremente. Não há como entrar no universo cabralino e sair da mesma forma, pois nele reside aquilo que o crítico inglês Ezra Pound já definiu como Literatura, ou seja, trabalho com a linguagem carregada de sentido a mais não poder. E isso não é discurso do meio acadêmico, como vem afirmando Inez Cabral, filha do poeta. A dificuldade na interpretação da poesia de Cabral é constatada por qualquer um que se detenha sobre ela.
João Cabral torna possível, pela arquitetura de seus poemas, uma ruptura radical dos versos, que no Brasil viviam à sombra do simbolismo e da retórica pomposa. Com sua concisão, desprezo ao enfeito e ao sentimentalismo barato e com sua limpeza de estilo, ele cria leitores de poesia ou, pelo menos, desperta nos leitores já existentes novas consciências do fazer literário.
Avesso ao lírico e à música, pois, segundo ele, a música “desarruma” os sentidos e ele temia esta “falta de controle”, Cabral coloca seu leitor na crise do não-reconhecimento com a mensagem. Ele entorta a linguagem para não deixar que ela frua, para exigir mais do leitor. Esta tentativa atual, de tentar facilitar a leitura de sua obra através do viés autobiográfico, pode aniquilar todo o "Projeto João Cabral" de fazer poesia.
Recordo o texto “Direito à literatura”, do mestre de todos que trabalham com as Letras no Brasil, Antônio Cândido, com a sugestão, tomo aqui a liberdade de interpretá-la, de que todo artista, como diz a canção, “tem de ir aonde o povo está”, porém, esse “baixar o nível”, no intuito de ficar mais fácil e atingir um número maior de público, subestima e provoca a estagnação intelectual desse mesmo público. Cabral, ao contrário, convida o público para dentro do seu universo, elevando o nível e instigando o leitor.
Fica a pergunta de resposta fácil: A poesia de João Cabral emociona? Sim. Mesmo ao revés dele, há quem vá às lágrimas. Mas emociona pela arquitetura, pela transpiração sobre a palavra cuidadosamente pensada e calculada, pela beleza de seus jogos semânticos.
Em resumo: João Cabral não é um poeta fácil, pois ele é daqueles artistas que criam leitores, leitores conscientes de que a Literatura acontece quando o poeta consegue usar a linguagem em benefício da própria linguagem, transformando e colocando ela em movimento.
Se a proposta de agora é promover o descobrimento de sua obra, pela facilidade e comodidade da leitura puramente autobiográfica, se, como afirmou sua filha, a “guerra atual” é mostrar que João Cabral de Melo Neto é pop, no sentido de consumo fácil, desejo sorte aos atuais e futuros críticos de arte.
A mim incomoda bastante esta análise do texto pelo viés psicanalítico, proposta pela nova antologia do poeta. Buscar soluções para as questões textuais na vida dele é deixar de lado a especificidade do objeto artístico e cair na má crítica, ou na crítica limitada. Fazer isso, por vezes, corro o risco de dizer, é constatar a incompetência crítica diante da obra.
Contemporaneamente, vemos um número cada vez maior de leituras com este objetivo de encontrar o artista dentro da obra. Penso que seja uma busca de ressuscitar o autor, e numa leitura mais ampla o indivíduo, perdido em meio à fragmentação moderna e “pós-moderna”, e que teve sua morte constatada principalmente pelos filósofos Foucault e Barthes.
Mas, voltando à poesia de João Cabral, com sua gramática única, ela não se deixa fruir livremente. Não há como entrar no universo cabralino e sair da mesma forma, pois nele reside aquilo que o crítico inglês Ezra Pound já definiu como Literatura, ou seja, trabalho com a linguagem carregada de sentido a mais não poder. E isso não é discurso do meio acadêmico, como vem afirmando Inez Cabral, filha do poeta. A dificuldade na interpretação da poesia de Cabral é constatada por qualquer um que se detenha sobre ela.
João Cabral torna possível, pela arquitetura de seus poemas, uma ruptura radical dos versos, que no Brasil viviam à sombra do simbolismo e da retórica pomposa. Com sua concisão, desprezo ao enfeito e ao sentimentalismo barato e com sua limpeza de estilo, ele cria leitores de poesia ou, pelo menos, desperta nos leitores já existentes novas consciências do fazer literário.
Avesso ao lírico e à música, pois, segundo ele, a música “desarruma” os sentidos e ele temia esta “falta de controle”, Cabral coloca seu leitor na crise do não-reconhecimento com a mensagem. Ele entorta a linguagem para não deixar que ela frua, para exigir mais do leitor. Esta tentativa atual, de tentar facilitar a leitura de sua obra através do viés autobiográfico, pode aniquilar todo o "Projeto João Cabral" de fazer poesia.
Recordo o texto “Direito à literatura”, do mestre de todos que trabalham com as Letras no Brasil, Antônio Cândido, com a sugestão, tomo aqui a liberdade de interpretá-la, de que todo artista, como diz a canção, “tem de ir aonde o povo está”, porém, esse “baixar o nível”, no intuito de ficar mais fácil e atingir um número maior de público, subestima e provoca a estagnação intelectual desse mesmo público. Cabral, ao contrário, convida o público para dentro do seu universo, elevando o nível e instigando o leitor.
Fica a pergunta de resposta fácil: A poesia de João Cabral emociona? Sim. Mesmo ao revés dele, há quem vá às lágrimas. Mas emociona pela arquitetura, pela transpiração sobre a palavra cuidadosamente pensada e calculada, pela beleza de seus jogos semânticos.
Em resumo: João Cabral não é um poeta fácil, pois ele é daqueles artistas que criam leitores, leitores conscientes de que a Literatura acontece quando o poeta consegue usar a linguagem em benefício da própria linguagem, transformando e colocando ela em movimento.
Se a proposta de agora é promover o descobrimento de sua obra, pela facilidade e comodidade da leitura puramente autobiográfica, se, como afirmou sua filha, a “guerra atual” é mostrar que João Cabral de Melo Neto é pop, no sentido de consumo fácil, desejo sorte aos atuais e futuros críticos de arte.
3 comentários:
Teu texto está maravilhoso! Não apenas bem escrito, mas,
principalmente, bem dito!
Abraços
Concordo. Na minha opinião é o melhor post do blog. A opinião está em primeiro plano, ousada e clara. Muito bom!
Eu
Muito lúcido o texto, Léo, adorei! É um tiro certeiro naqueles que querem ver na obra literária um trauma infantil ou uma traição conjugal, por exemplo... A literatura não é terapia, o autor escreve ficção e elabora, assim, sua criação estética. Quanto à "frieza" de João Cabral, só tenho a dizer que sua "carpintaria" lingüística, sem apelar ao sentimentalismo, é plenamente capaz de despertar emoções, como vc bem apontou. É impossível ao leitor ficar indiferente à força de sua linguagem.
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