O primeiro texto que escrevi aqui foi “Duas doses de Caetano”. Trata da minha feliz possibilidade de poder assistir a duas apresentações, em um curto espaço de tempo, de um dos maiores artistas brasileiros contemporâneos. O show em questão era Cê, lançado agora, em cd e dvd, ao vivo.
Diferentemente do disco Prenda minha, que registra o show sobre o cd Livro, com ausência total de canções do disco de estúdio, Cê ao vivo, gravado na Fundição Progresso, aqui no Rio, traz, em 17 faixas, o registro de palco de grande parte das músicas do Cê original.
Há sempre uma inquietação, por parte dos críticos, quando um cantor lança um disco ao vivo feito sobre o show de um discoem estúdio. Particularmente , penso que, se por um lado temos o monstro do comercialismo banalizante, temos também o calor da música registrada fora do estúdio, com a recepção direta do público.
Tais trabalhos podem proporcionar ainda as revisitações de repertório. No caso de Cê ao vivo, Caetano pinçou “Nine out of tem” e “You don’t konw me”, do paradigmático disco Transa, de 1972, “Um Tom” (1997), dedicado agora ao maestro Jacques Morelenbaum, “O homem velho” (1984), “Como dois e dois” (1971) - finalmente gravada por ele, “Sampa” (1978) e “Desde que o samba é samba” (1992), ambas com arranjos atualíssimos, “London London” (1971) e “Fora da ordem” (1991).
Das releituras não autorais ele trouxe apenas a contagiante “Chão da praça” (1978), de Moraes Moreira e Fausto Nilo e a delicada “Ilusão à toa” (1959), de Johnny Alf. Do trabalho em estúdio, a certeira “Outro”, a introspectiva “Minhas lágrimas”, a sincera “Homem”, a híbrida e subjetiva “Odeio” – adoro odeio, a melancólica “Não me arrependo” e a pesada “Rocks”.
Destaco a canção “Amor mais que discreto”, escrita na primeira pessoa, única inédita e que dialoga intertextualmente com “Ilusão à toa”. Segundo Caetano, em entrevista a Rolling Stone, a canção é sobre “dois caras curtindo o sexo deles”. Mais que isso, é sobre um homem velho e o amor, quase platônico, por um jovem. Sobre isso o cantor disse que “aquele modelo grego do homem com um adolescente é um arquétipo na cabeça da gente”, e disparou: “sou velho, então já posso pensar nessa perspectiva”.
Os versos “você é bonito o bastante / complexo o bastante / bom o bastante / pra tornar-se ao menos por um instante / o amante do amante / que antes de te conhecer / eu não cheguei a ser” dão a dimensão objetiva e melancólica da letra. É a voz de alguém que muda completamente sua expectativa de vida diante do novo, do amor.
No cd ele mostra que continua fiel à tradição do rock, mas trocando os dilemas mais simples de adolescente pelos mais complexos, vividos por um sexagenário exalando uma dura sexualidade masculina. Mesmo quando trata o tema do amor homoerótico. “A mim esse tema sempre interessou, é um tema meu. Não entro em ambiente nenhum sem meus temas principais. Não iria deixar isso de fora”, concluiu o assunto, sem levantar bandeira, como sempre.
Caetano já deu voz a diversos tipos. Dentre eles, a voz do indivíduo sexualmente ambíguo, ou em dúvida quanto a sua sexualidade, está representada na letra da canção “Eu sou neguinha?”. Há ainda “Ele me deu um beijo na boca”, “Nosso estranho amor”, “Gatas extraordinárias”, “Escândalo”, “O namorado”, entre outras. A presença do tema do homoerotismo, das mais diferentes formas, sempre esteve presente na obra de Caetano.
Capa da Rolling Stone de agosto, aquela em que se supôs, devido à sempre competente especulação midiática, ele apareceria fotografado nu, Caetano está sempre em foco com suas afirmações e questionamentos, por mais que discordemos, repletos da consciência de quem observa de perto o Brasil.
O som de Cê ao vivo, que resulta das amarras das guitarras de Pedro Sá, da bateria de Marcelo Callado e do baixo e piano de Ricardo Dias Gomes, é o registro exato de um som visceral, “feliz e mau como um pau duro”.
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Há sempre uma inquietação, por parte dos críticos, quando um cantor lança um disco ao vivo feito sobre o show de um disco
Tais trabalhos podem proporcionar ainda as revisitações de repertório. No caso de Cê ao vivo, Caetano pinçou “Nine out of tem” e “You don’t konw me”, do paradigmático disco Transa, de 1972, “Um Tom” (1997), dedicado agora ao maestro Jacques Morelenbaum, “O homem velho” (1984), “Como dois e dois” (1971) - finalmente gravada por ele, “Sampa” (1978) e “Desde que o samba é samba” (1992), ambas com arranjos atualíssimos, “London London” (1971) e “Fora da ordem” (1991).
Das releituras não autorais ele trouxe apenas a contagiante “Chão da praça” (1978), de Moraes Moreira e Fausto Nilo e a delicada “Ilusão à toa” (1959), de Johnny Alf. Do trabalho em estúdio, a certeira “Outro”, a introspectiva “Minhas lágrimas”, a sincera “Homem”, a híbrida e subjetiva “Odeio” – adoro odeio, a melancólica “Não me arrependo” e a pesada “Rocks”.
Destaco a canção “Amor mais que discreto”, escrita na primeira pessoa, única inédita e que dialoga intertextualmente com “Ilusão à toa”. Segundo Caetano, em entrevista a Rolling Stone, a canção é sobre “dois caras curtindo o sexo deles”. Mais que isso, é sobre um homem velho e o amor, quase platônico, por um jovem. Sobre isso o cantor disse que “aquele modelo grego do homem com um adolescente é um arquétipo na cabeça da gente”, e disparou: “sou velho, então já posso pensar nessa perspectiva”.
Os versos “você é bonito o bastante / complexo o bastante / bom o bastante / pra tornar-se ao menos por um instante / o amante do amante / que antes de te conhecer / eu não cheguei a ser” dão a dimensão objetiva e melancólica da letra. É a voz de alguém que muda completamente sua expectativa de vida diante do novo, do amor.
No cd ele mostra que continua fiel à tradição do rock, mas trocando os dilemas mais simples de adolescente pelos mais complexos, vividos por um sexagenário exalando uma dura sexualidade masculina. Mesmo quando trata o tema do amor homoerótico. “A mim esse tema sempre interessou, é um tema meu. Não entro em ambiente nenhum sem meus temas principais. Não iria deixar isso de fora”, concluiu o assunto, sem levantar bandeira, como sempre.
Caetano já deu voz a diversos tipos. Dentre eles, a voz do indivíduo sexualmente ambíguo, ou em dúvida quanto a sua sexualidade, está representada na letra da canção “Eu sou neguinha?”. Há ainda “Ele me deu um beijo na boca”, “Nosso estranho amor”, “Gatas extraordinárias”, “Escândalo”, “O namorado”, entre outras. A presença do tema do homoerotismo, das mais diferentes formas, sempre esteve presente na obra de Caetano.
Capa da Rolling Stone de agosto, aquela em que se supôs, devido à sempre competente especulação midiática, ele apareceria fotografado nu, Caetano está sempre em foco com suas afirmações e questionamentos, por mais que discordemos, repletos da consciência de quem observa de perto o Brasil.
O som de Cê ao vivo, que resulta das amarras das guitarras de Pedro Sá, da bateria de Marcelo Callado e do baixo e piano de Ricardo Dias Gomes, é o registro exato de um som visceral, “feliz e mau como um pau duro”.
RODAPÉ: Com o objetivo de divulgar o importante movimento cultural que tem lugar na Zona da Mata de Pernambuco, aconteceu, no dia 20 de setembro último, o Rio Pernambuco.com com apresentações de Mestre Zé Duda e o Terno do Maracatu Estrela de Ouro de Aliança, dividindo o palco do Teatro Nelson Rodrigues com Jorge Mautner e Nelson Jacobina. Os dois, além de interpretarem músicas próprias, algumas do cd Eu não peço desculpa, que Mautner divide com Caetano, se uniram no número final ao grupo de maracatu de Mestre Zé Duda e fizeram “Maracatu atômico” (1973). Esta se tornou a canção-manifesto do movimento Manguebeat nos anos 90. O resultado foi uma apresentação indescritível, de beleza e riqueza artística.
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