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terça-feira, setembro 11, 2007

Entre o rural e o experimental

Compositor de “Parque industrial”, quinta faixa do disco-manifesto Tropicália (1968), Tom Zé sempre fez da fusão entre consciência política e experimentação estética, aliada ao deboche incorreto, característica de suas composições. A letra citada, por exemplo, sarcasticamente forja a comemoração do avanço industrial no Brasil.
Naquele mesmo 68, estréia disco solo e, talvez por não se render aos apelos mercadológicos, começa a se isolar, afastando-se dos outros tropicalistas. Em 1973 lança Todos os olhos, em que o olho fotografado na irreverente capa, afrontando a censura, é uma bola de gude colocada na cavidade de um ânus. Após este período, amarga o ostracismo. Sua obra passa a ser tida como difícil e aberta apenas aos iniciados, passando a circular mais nos ambientes acadêmicos e lugares "alternativos".
Só nos anos 90, ele teve seu trabalho (re)descoberto por David Byrne, que comprou o cd Estudando o samba, seu melhor trabalho, numa loja do Rio. Tom Zé, sempre de fora dos domínios centrais, vive certa popularidade. É o período da Europa e dos Estados Unidos conhecerem ele. Porém, ainda assim, não abre mão do protesto social.
A verdade é que Tom Zé consegue sobreviver ao desgaste do termo “experimental” de forma irônica e sábia. Ele tira proveito mesmo dos erros embarcando, e levando junto seus ouvintes, numa viagem de pura abertura de fronteiras, onde a especulação parece ser o objetivo.
Sempre perturbando fãs e críticos, em 2000 ele lança Jogos de Armar, disco que recria “Asa Branca” e “Pisa na fulô” e que é a radicalização de seus experimentos com sons e instrumentos sonoros. O disco foi censurado nas rádios por causa de versos como, “Ah, puta que pariu / Bate estaca, bate rock”. Contradição de um país que em rap, funk e afins estrangeiros ou nossos, ouve-se ''fuck your mother, fuck your father, fuck your mind'', analisou Tom Zé, na época.
Agora é a vez de Danç-Êh-Sá - Dança dos Herdeiros do Sacrifício, disco aparentemente distante do seu processo criativo, pois as sete faixas não contam com a especialidade do compositor: letra. Há um instrumental vigoroso, acompanhado de vocalizações que brincam com sons. A referência no título ao sacrifício das nações negras para a formação das américas está bastante tematizada nos resultados sonoros do disco.
Tom Zé revelou que o cd foi concebido depois de saber o resultado de uma pesquisa da MTV, na qual se aponta a tendência para o hedonismo, o consumismo e a irresponsabilidade social dos jovens contemporâneos. Aliado a isso, a afirmação de Chico Buarque de que a canção está morta. Há, portanto, a busca de comunicação com esses jovens, que apontaram um certo desprezo pelas letras e a preferência pela música eletrônica.
O show homônimo ao disco, apresentado este fim de semana aqui no Rio, pelo DJ TãoZé - mais uma graça à música eletrônica - é cansativo para quem está acostumado com o Tom Zé letrista, mas agrada por mostrar a irreverência de sua vitalidade e capacidade de criação e performance. Aliás é esta performance que proporciona a aproximação com o público. O trânsito livre entre erudito e popular, resultado de sua formação na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, e entre os mitos gregos e as chagas sociais atuais são a marca do show desse artista com inacreditáveis 70 anos de vida.

O carinho pelo Nordeste, rural e artesanal, também está presente no show, especialmente no olhar agudo da letra “O pib da pib” – "A prostituição infantil barata / É a criança coitadinha do Nordeste / Colaborando com o Produto Interno Bruto / E esse produto enterra bruto" – canção do cd Jogos de Armar. Aliás é quando interpreta as canções deste disco que surge uma clara resposta do público, até então apenas "protocolarmente participativo".
No show, Tom Zé é acompanhado por músicos afinadíssimos com seu atual projeto pessoal. Danç-Êh-Sá, combinação de experimento e artesanato sonoros, não é o melhor trabalho de Tom Zé, nem tem a pretensão de sê-lo, mas evidencia a continuidade no seu processo de aprofundamento e originalidade de nossa música.
Por fim, mesmo sem letras, Danç-Êh-Sá fala demais.

Um comentário:

Henrique Oliveira disse...

Rapaz, que maluquice minhas semanas anteriores! Quase nada de tempo para escrever no blog, quem dirá ler os blogs dos amigos... Mas consegui atualizar-me com teus textos, quanta informação! E uma coisa me chamou a atenção, eu fui o milésimo acesso após 7 meses de vida desse cantinho mágico, média (crescente, suponho) de 150/mês. E viu que nesse último mês e meio teve mais 464 acessos? Média disparou para 300/mês! Bela performance! E sabe que quando meus pais disseram que iam para o Rio as primeiras pessoas que pensei foram vocês? Mas não dava, infelizmente. Mas qualquer hora apareço para um café! Forte abraço pro6! Beijos