(...) Belo Monte...
Pinheirinho... Terena... Munduruku... Kaiowá... Aldeia Maracanã...
Maré... Orquestrada pelos governos, sob os aplausos de quem se esforça para
manter a invisibilidade das culturas indígenas, a polícia reafirmou sua
truculência ao enxotar os índios que ocupavam a Aldeia Maracanã, no entorno do
famoso estádio de futebol. Enquanto uma parte emparedava manifestantes e
imprensa, outra parte da polícia expulsava de um prédio público um grupo de
índios de várias etnias que ali se reuniram e moravam há tempos. Voltei para
casa transtornado, tamanha a minha impotência diante do violento absurdo. 1500?
Não, 2013.
Coniventes, alguns perguntavam: "Por
que as regras da cidade não podem ser aplicadas aos índios?". Em
contrapartida, outras perguntas me vinham à mente: "o que se odeia no
índio"? O que se odeia nas culturas africanas? Era o Maracanã em pleno
processo de "civilização", desta vez, tendo como colonizadora a FIFA,
com seus padrões higienistas.
Não tenho o menor interesse por
jogo de futebol, mas entendo, respeito e admiro a beleza de quem vibra, torce,
tem um time para chamar de seu e usa o futebol como escape contra o cotidiano
vazio. Voltando de SP, sobrevoo o Maracanã iluminado, "objeto-sim
resplandecente", e me emociono. Isso também é Brasil. Morando na esquina
do estádio, acompanhei, dia após dia, as regras de assepsia sendo implantadas.
É o preço que se paga por sediar a Copa do Mundo. É?
O elogio cego dos civilizados
embasbacados com a luxuosidade do estádio restaurado a altos custos não tardou
para ser contraposto à realidade fora do Maracanã, da ilha. E quem ousasse
protestar era violentamente reprimido, sob a autorização dos jornalões do país.
Dizendo "não à repressão", grande parte da população se agitou e,
finalmente, legitimou os manifestos levantando bandeiras das mais diversas
vontades. O enxame difuso tomou as ruas.
"Pacíficas",
"ordeiras" e "fotogênicas" para os padrões de nossa TV,
enquanto o jogo não começava, as manifestações eram válidas. Mas bastou a bola
rolar em campo, bastou a TV voltar todos os seus olhos para os pés dos
jogadores e os confrontos recomeçavam com a polícia "dispersando" a
multidão inconformada, limpando as ruas para assegurar a saída de quem pagou
para assistir ao jogo.
Eis a potencialização do sonhar
ilhas, as esferas protetoras do sonho civilizatório construtor da ponte que "me"
separa do "outro". Deslumbrados com as ofertas paradisíacas da ilha,
os alunos de uma colega minha de profissão perguntam se "favelado é
cidadão". 1500? Não, 2013. Fora da ilha, outros (adultos) deslumbrados
perguntam por que não tirar o direito de voto daqueles que recebem o "bolsa
família". E as remoções compulsórias se espalham pela cidade. Isso também
é Brasil.
Na "grande final", o
narrador esportivo diz na TV que o Maracanã agora "é de primeiro
mundo", reafirmando nosso "complexo de colonizado", tão
disseminado no imaginário coletivo pelas recorrentes comparações midiáticas
entre nós e a Europa, ou os EUA. Dentro da ilha, Fred faz um belo e brasileiro
gol macunaímico, de oportunidade. Fora da ilha, a fumaça de gás de pimenta
empesteia o ar. Dentro da ilha, brasileiros que nem eu, ora dançarinos,
protestam em plena festa da FIFA, erguem cartazes, ora, a cada gol, um jogador
corre para o abraço do torcedor. Antropofagicamente, sujam a festa asséptica
que a FIFA quer impor. Roubam a festa para os de fora da ilha.
Dentro da ilha: "a grandeza
épica de um povo em formação [cantando o Hino Nacional] nos atrai, nos
deslumbra e estimula", no entanto, os rostos em close não negam a limpeza
étnica, a acentuação das diferenças entre classes. Fora da ilha: um sistema de
mobilidade urbana caduco e ineficiente. E uma ação incompreensível, porém,
reflexo de nós mesmos, da polícia no Complexo da Maré: só para mostrar
"como é que pretos, pobres e mulatos, e quase brancos quase pretos de tão pobres
são tratados". Fora da ilha, a lenta luta diária é o regime.
Moradores da Rocinha e do Vidigal
nos lembram de que a "a polícia que joga bomba de borracha no asfalto é a
mesma que invade a favela com balas letais". Na TV, o consultor de segurança
dá a dica, confirmando a atrocidade: "Fuzil deve ser utilizado em guerra,
em operações policiais em comunidades e favelas. Não é uma arma para se
utilizar em área urbana".
O que faremos com a ilha quando a
FIFA devolvê-la de volta? Símbolo do país, o Maracanã-ilha se separou do Brasil-continente,
à revelia deste. Fora da ilha, à margem do perímetro de 3 km desenhado pela
FIFA, os índios da Aldeia Maracanã continuam com a bandeira em punho pela paz sem
fronteiras. E as perguntas vêm: É tão difícil entender que o Complexo-da-Maré e
o Complexo-do-Maracanã não são partes de países distintos? Por que o Caveirão
que aterroriza os moradores das favelas e periferias vira "atração
turística" quando instalado como forma de intimidação nas proximidades do
estádio? Por que é tão difícil entender que a posição afirmativa dos índios da
Aldeia Maracanã é emblema da resistência contra a violência diária perpetrada
por políticos eleitos com o nosso voto? O voto, este mais importante
instrumento de luta que temos, além do corpo e da voz – da vida.
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