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sábado, julho 28, 2012

Infernynho

Estão gravando o show para lançamento em DVD. É preciso refazer duas canções. Hesitante, ele pede para recomeçar. Não entrou no tempo certo. Para novamente, quer desistir. Não está conseguindo as notas mais altas. Sua companheira de palco insiste. Ele hesita de novo, mas atende aos apelos do público. O público retribui com louvor profano a oportunidade de estar diante do deus-danado. Um coro de vozes acesas e corpos quentes canta alto e o impulsiona a atingir as notas desejadas: altas, bem altas. Ele agradece. Há tempos não cantava a canção. O público exulta. Em tempos de sensações pré-fabricadas e sentimentos claros, não é a toda hora que se pode ter o privilégio de devolver ao deus a danação que ele mesmo nos legou como potência.
Quem é ele? Todo mundo sabe quem é ele. Ele é o amor, ele é todo amor: da cabeça aos pés. E em que outra voz e corpo canções como "Amor objeto", "Açúcar candy", "Folia no matagal" e "Debaixo dos pano" encontrariam melhores traduções? E quem mais, no nosso careta contemporâneo, guarda o segredo daquilo que existe debaixo da linha do Equador? E quem mais tem mostrado que a civilização ocidental não dá conta do Brasil, com suas misturas de xamanismo e possessão? Que trepa no coqueiro e toma banho de espuma.
Doce devassa, a companheira de palco não se deixa intimidar. Contaminada pela danação danada de boa, ela é canibal que devora o canibal. E juntos eles fazem do cantar com o corpo-todo a exaltação da vida. Da vida tropical: purgatório da beleza e do caos; infernynho, com ipsilone. E ensaiam responder à pergunta sem resposta fixa: Por que que a gente é assim?
Incensada de fogo e paixão, a pistola das entidades no palco dispara baunilha na boca e no dorso do público. E o Infernynho, que só poderia ser idealizado por um pesquisador danadinho danado de tesão como Rodrigo Faour, ferve: delícias, vertigens e desmaios – possessão e incorporação. 
Íntimos, gamados, cheios de mania, Ney Matogrosso e Marília Bessy fazem da noite de 27/07/2012, no Teatro Rival (RJ), um acontecimento histórico, a permanência da certeza da beleza de fazer da vida um objeto de amor identificado.

2 comentários:

Rodrigo Faour disse...

Lindo e emocionante relato. Muito obrigado por sua sensibilidade. Rodrigo Faour

Rodrigo Faour disse...
Este comentário foi removido pelo autor.