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domingo, janeiro 22, 2012

O Brado Retumbante

O Brado Retumbante é uma fogueira de ressentimentos e recalques. São tantos deslizes e passos atrás no avanço das questões que tangem desigualdade social e dignidade no Brasil que chega a meter medo.
Para colar-se ainda mais ao modelo norte-americano de séries e filmes que tem presidentes como protagonistas, O Brado Retumbante transfere (ou divide) a sede do governo para o Rio de Janeiro e suas locações neoclássicas, facilitando os movimentos estonteantes e grandiloquentes das câmeras, a iluminação heróica e os enquadramentos sofisticados. Além, claro, de com isso exorcizar o recalque em relação à mudança - ainda hoje engasgada e mal resolvida - da capital federal do Rio para Brasília.
Nada mais conservador. Mas Paulo Ventura é blogueiro, dá voz à primeira dama preocupada com a educação do país e tem um filho transexual. Pronto. A cota de "ousadia" e mudernidade da série está posta. De resto, somente reforça a teledramatúrgica mitologia dos bastidores do poder. Nenhuma novidade ou originalidade. Ah, sim: o excesso de ministros e um senador poderoso dão um clima de contemporaneidade(!) e uma fresta de realidade(!) à trama.
Chupada da personagem que Carlos Vereza interpretou na novela O rei do gado, mas deslocada e adaptada às intenções de um novo contexto sócio-histórico, a personagem do ótimo ator Domingos Montagner precisa da sombra (quase) ninfomaníaca para não cair de vez no clichê do macho político honestíssimo.
Mas é na beleza e na elegância (aí sim) retumbantes de Maria Fernanda Cândido que o texto montado minimetricamente para nublar as discussões sobre "liberdade de imprensa" (o que é isso mesmo, no Brasil?), preconceito linguístico (reforçado pelo sotaque nordestino em alguns - os de comportamento mais reprováveis - dos inúmeros ministros herdados por Paulo Ventura), o fato das boas intenções serem bloqueadas pela máquina administrativa e a atuação de ONGs encontra a melhor tradução e respaldo para aproximar-se e ser docemente aceito pelo público.
Onde está o brado repúdio à avalanche desmoralizadora em que vive as esferas do poder? Invertendo, ridicularizando e/ou deturpando as premissas e os empenhos ideológicos dos movimentos sociais, o texto referenda o discurso ressentido de quem não admite a emergência social e, consequentemente (ou não), a perda - ou fragmentação - de poder.
Ipsis litteris, podemos ouvir espalhadas na fala de algumas personagens da série, mas condensadas na voz de Antonia (Maria Fernanda) as queixas de quem não está (será?) mais no poder e ironiza - com requintes de sofisticação (o ponto alto do texto) - a ideologia de quem tenta desmontar verdades absolutas historicamente construídas e disseminadas.
Paulo Ventura torna-se presidente do Brasil por acaso. Muito embora a posição que lhe permite chegar a tal cargo - presidente da Câmara dos Deputados - seja o resultado da manipulação daqueles que ele mesmo quer combater: os corruptos (palavra que parece que entrou a pouco tempo no vocabulário brasileiro). Mas comentar o fato do presidente e do vice serem vítimas do mesmo acidente aéreo faz tanto sentido quanto o acidente em si.
Aquarelada de forma divertida e colorida, como sempre, dos cabelos pintados de preto como a asa de graúna ao comportamento caricato e coronelista de políticos, a vida nos bastidores do poder é um eterno gerador de polêmicas e de risos. Tudo rasamente assimilado e analisado. Mas, afinal, O brado retumbante é uma obra de ficção. E é feito para queimar ressentimentos.

Um comentário:

Cinthia Maria Bezerra disse...

Excelente análise, Leonardo! Uma visão precisa e lúcida desse texto que pode manipular...
Parabéns!