Pesquisar neste blog

segunda-feira, janeiro 16, 2012

As mimosas da Praça Tiradentes

Há tempos venho pensando na importância de travestis e transformistas para a construção e manutenção das memórias cancional e cultural brasileiras. O empenho cênico (dramático) e afetivo (amoroso) destes artistas com suas musas e divas ampliam nossas leituras e entendimentos daquilo que entendemos por "viver de arte e de arte viver".
E são tantas as bidus, chiquinhas, rúbias, carmens, ângelas, elizetes, bethânias (re)coroadas infinitamente em interpretações personalíssimas e dignas de notas!
Em cartaz no Teatro Carlos Gomes, As mimosas da Praça Tiradentes, além de contar - entre o didático e o vivencial - a história da Praça tema, e seus arredores, um dos núcleos forte e definidor da formação cultural do Brasil, onde surgiu o teatro brasileiro, é o desenho exato de que enquanto os homens exercem seus podres poderes [transformando teatros ora em centro de arrecadação de dinheiro em nome de um Deus separatista, ora em estacionamentos], índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes, vedetes e estrangeiros e ciganos fazem o carnaval-Brasil: abrem os pulmões do país.
Com um texto (Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche) cheio de colagens, citações e arremedos do cotidiano próximo e mnemônico - o que facilita a empatia da plateia com a festa no palco - o musical As mimosas da Praça Tiradentes colore uma história atravessada por ciúmes, incêndios, vinganças, invejas e paixão: muita paixão.
Por falar em texto, merece destaque o desempenho deste na voz e no corpo de Milton Filho - a Catula de Montecarlo: a "cota" muito bem humorada e crítica afrodescendente do espetáculo.
A alegria e o tesão pelo fazer dos artistas em cena é outro ponto alto. Com Cláudio Tovar - nada melhor do que um Dzi Croquette para tal posto - como mestre de cerimônia, professor Lola , César Augusto (Tatá - Samantha Overbook), Gustavo Gasparani (Vânia - Vanilla Cherry), Jonas Hammar, Milton Filho e Marya Bravo purpurinam a imagética do público diante das personagens (demasiado humanas) em cena.
E o que é Marya Bravo em cena? Ela sempre surpreende com sua competência vocal, cênica, artística: uma diva dadivosa essa Marya Bravo. Aliás, a dúvida de gênero na montagem de sua personagem é o esplendor, como diria Lola, do jogo lúdico.
A direção segura de Sergio Módena e Gustavo Gasparani foca no brilho individual de cada personagem, engrandecendo o todo. Os diretores utilizam bem um cenário (Ronald Teixeira) que ora é bastidor, ora é palco para a movimentação de emoções.
O corpo de baile demonstra afinação e se hamoniza na trama, sob a direção do movimento de Renato Vieira. Os bailarinos-cantores Arthur Marques, Wallace Ramires, Thiago Pach, Pedro Arrais, Thadeu Matos e Paulo Mazzoni tencionam bem a luxúria e a malandragem (argamassa mítica da Praça) nos gestos corporais.
Os músicos - Nando Duarte (violão / guitarra), Itamar Assiere (piano), Pedro Mangia (baixo), Carlos César (bateria) e Dado (sopros) - entram na diversão e desempenham com entusiasmo suas funções.
As mimosas da Praça Tiradentes restitui tempos e espaços em que a palavra liberdade era mais do que um mero mote para teses ou grito de ordem politicamente correto. Aqui, liberdade é a festa interior e coletiva de cada um ser o que é: entre tropeços e avanços na vida. E só por isso merece ser visto. Mas As mimosas da Praça Tiradentes é mais. Bem mais. Confere dignidade e respeito às matenedoras da mitologia da praça: as mimosas.

Um comentário:

Arthur Marques disse...

obrigado pelo seu olhar "iluminador" sobre "As Mimosas", Leonardo!
Grande abraço e que, como diz Tatá, que "As Mimosas" seja um "estouro"!
Arthur.