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terça-feira, novembro 03, 2009

Apontamentos: Canção e Memória II

Como diz Tom Zé: "Tudo só se acha no passado. O futuro é uma coisa que a gente tropeça nele". O Brasil tem muitos músicos intuitivos (etnólogos de ouvido). A importância do registro das apresentações se faz necessária e urgente. Avançamos muito em termos de remasterização e tecnologias de gravação, mas há muito por fazer com o que restou do passado, já que as gravadoras, quando demitiam seus artistas, jogavam fora, todo o material referente a eles. Quantos momentos de extensa importância para se pensar a cultura brasileira foram perdidos! Além do óbvio prejuízo financeiro.
Precisamos romper com a necessidade (imposição, devido à falta de arquivos) de recorrer às coleções de fora para que os pesquisadores possam desenvolver trabalhos sobre a canção brasileira. Os exemplos são inúmeros: O material de Carmen Miranda, o arquivo sobre Edu Lobo e as gravações de Tom Jobim são alguns. Se comparados com os feitos no Brasil da mesma época, os registros de lá denunciam a péssima qualidade de nossos recursos técnicos. Além disso, os arquivos brasileiros são caros e mal cuidados, até porque o restauro, por aqui, não dá visibilidade ao patrocinador.
Assim, a importância dos acervos privados é inegável. Felizmente não são poucas as pessoas que têm consciência de preservação. O pesquisador de música Almirante (pioneiro da conservação), cujo acervo está no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e José Ramos Tinhorão, com objetos sob a guarda do Instituto Moreira Sales, são dois bons exemplos. Afinal, são nas coleções privadas (e públicas) que encontramos a "memória genérica" da identidade brasileira.
Há ainda a questão dos direitos autorais (o triste episódio "Hélio Oiticica" aponta isso), que tem se tornado um sério problema para quem deseja pesquisar, divulgar e disponibilizar as obras. Como preservar o direito de herança e dar ao público em geral o direito de contato com as obras? Esta é uma questão cada vez mais premente.

Precisamos aprender a guardar nossas obras. Certamente, guardar não significa por em cofre, mas manter vivo e em circulação. Guardar é redefinir o que é "autêntico" e "nacional", dentro da perspectiva brasileira, um país cuja musa é híbrida. Entenda-se híbrida como mistura genética e estética. Isso não é teoria, é cotidiano. O samba - nosso "gênero primeiro" - é mestiço. Portanto, guardar é não hierarquizar, mas respeitar as especificidades. (Continua).


Texto publicado no Jornal A União 31/10/2009


Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:


= Peça Theatro Musical Brazileiro 1860-1914 - O espetáculo em cartaz no CCBB é imperdível para quem quer conhecer melhor a história da nossa canção popular. As influências, os temas, as apropriações... Imperdível. As atuações emprestam brilho imprescindível aos costumes de época.

= Peça Oui Oui a França é aqui - João Fonseca dirige um espetáculo que passa em revista (com certeiros exemplos) a influência que a música (e não apenas) francesa exerceu sobre a brasileira.
O elenco é fabuloso.
= Peça Primus - Muito barulho por nada, apesar da boa pesquisa.

= Livro Vinis Mofados (Ramon Mello) - Este tão aguardado livro é exemplar na afirmação do diálogo entre o "novo" e o "antigo" e nas apropriações que a palavra escrita faz da palavra cantada. Merece um texto próprio aqui no blog.

= Exposição Wifredo Lam Gravuras - Maior exposição do artista (surrealista) no Brasil. Até 03/01/2010, na Caixa Cultural.

= Exposição Obranome II - A importância de peças fundamentais para se pensar e estudar a poesia visual no Brasil ficou sufocada na péssima montagem da exposição no Parque Lage.

= Show Festa Amor Devoção - Bethânia é a senhora de todos nós, o avesso do bordado... reconvexo.

Um comentário:

carla giffoni disse...

Muito bom, lindinho, o texto sobre canção e memória.
beijos