No som toca “Olho mágico”, canção do novo CD de Gilberto Gil, “Banda Larga Cordel”. Os primeiros versos dizem “você quer ver um piolho no pêlo da minha púbis”. A letra é um diálogo entre alguém que quer esmiuçar a vida de outra pessoa, como se este estivesse no “big brother”, e esta pessoa reage indignada.
“Quer meu álbum de retratos / Remexer minha gaveta / Arrumar o meu armário / Refazer meu guarda-roupa”, canta Gil, para logo a seguir responder “Que saco, que saco! / Como se isso fosse um jeito / De você bisbilhotar meu silêncio / Ou minha festa”.
Gil mostra ao longo da canção o quanto os estereótipos dos “reality shows”, na tentativa de atenderem à diversidade social e cultural, acabam por reduzir seus participantes a indivíduos “vivendo algo patético ou trágico”.
Penso que, o jogo com o EU, levado ao extremo no mundo virtual, não escapa dos jogos do ilusionismo e da ficção assumida como tal. Pensar o contrário é ingenuidade. A perscrutação da vida íntima não é autêntica, pois qualquer tentativa de “documentar” a intimidade faz com que ela deixe de existir e tudo soa forjado e falso.
O sujeito da canção quer uma relação longe da evasão de privacidade que o outro tenta impor, em que os dois, sendo “um” juntos, possam manter suas individualidades e diz “você pensa que eu estou fora de moda / porque ainda considero a solidão”.
Ora, considerar a solidão, num momento em que tudo é visto-em-tempo-real-por-todos, é no mínimo desafiador para o outro, e mesmo para o sujeito imerso neste pensamento coletivo. Solidão definitivamente não combina com o exibicionismo de nosso tempo.
A letra de Gil sugere ainda que desejamos ver além do que o olho sensível permite. Daí criar um “olho mágico”, que filma “tudo o tempo inteiro”. “Estou me dando todo”, diz a letra. Mas, o outro não percebe, cego que está, paradoxalmente, no contexto.
Não restam dúvidas de que os avanços tecnológicos jogam novas luzes sobre questões do passado e de sempre. No momento em que discutimos qual será o futuro das relações interpessoais diante da interconectividade, o novo trabalho de Gilberto Gil lança sobre tais (in)definições um olhar otimista, sem perder de vista o olho crítico.
Texto publicado no jornal A União-PB, 26/07/2008
Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:
= Filme Batman – O coringa, como todos supuseram, rouba a cena. E desta vez, sem sua caverna escura (agora ele tem uma ultra-iluminada) a escuridão está imbricada no interior das incertezas de Batman. Imperdível!
= Exposição Ilustrando em Revista – Amostra de ilustrações que marcaram as publicações da Editora Abril. A riqueza das técnicas e estilos são o grande lance da exposição que ocupa o Centro Cultural da Justiça Federal até 31/08.
= Show Ná Ozzetti canta Carmen Miranda – Longe de querer estilizar Carmen, Ná cantou o nosso maior ícone com toda a consciência crítica possível. Tema para meu próximo texto.
= Mostra Cine LGBT (Homenagem ao escritor Caio Fernando Abreu) – Enquanto filmes, "Dama da noite" de Mário Diamante, "Sargento Garcia" de Tutti Gregianin e "Aqueles dois" de Sérgio Amon têm suas qualidades. Uma pena que muito pouco do imaginário de Caio Fernando Abreu tenha sido captado pelos diretores.
Gil mostra ao longo da canção o quanto os estereótipos dos “reality shows”, na tentativa de atenderem à diversidade social e cultural, acabam por reduzir seus participantes a indivíduos “vivendo algo patético ou trágico”.
Penso que, o jogo com o EU, levado ao extremo no mundo virtual, não escapa dos jogos do ilusionismo e da ficção assumida como tal. Pensar o contrário é ingenuidade. A perscrutação da vida íntima não é autêntica, pois qualquer tentativa de “documentar” a intimidade faz com que ela deixe de existir e tudo soa forjado e falso.
O sujeito da canção quer uma relação longe da evasão de privacidade que o outro tenta impor, em que os dois, sendo “um” juntos, possam manter suas individualidades e diz “você pensa que eu estou fora de moda / porque ainda considero a solidão”.
Ora, considerar a solidão, num momento em que tudo é visto-em-tempo-real-por-todos, é no mínimo desafiador para o outro, e mesmo para o sujeito imerso neste pensamento coletivo. Solidão definitivamente não combina com o exibicionismo de nosso tempo.
A letra de Gil sugere ainda que desejamos ver além do que o olho sensível permite. Daí criar um “olho mágico”, que filma “tudo o tempo inteiro”. “Estou me dando todo”, diz a letra. Mas, o outro não percebe, cego que está, paradoxalmente, no contexto.
Não restam dúvidas de que os avanços tecnológicos jogam novas luzes sobre questões do passado e de sempre. No momento em que discutimos qual será o futuro das relações interpessoais diante da interconectividade, o novo trabalho de Gilberto Gil lança sobre tais (in)definições um olhar otimista, sem perder de vista o olho crítico.
Texto publicado no jornal A União-PB, 26/07/2008
Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:
= Filme Batman – O coringa, como todos supuseram, rouba a cena. E desta vez, sem sua caverna escura (agora ele tem uma ultra-iluminada) a escuridão está imbricada no interior das incertezas de Batman. Imperdível!
= Exposição Ilustrando em Revista – Amostra de ilustrações que marcaram as publicações da Editora Abril. A riqueza das técnicas e estilos são o grande lance da exposição que ocupa o Centro Cultural da Justiça Federal até 31/08.
= Show Ná Ozzetti canta Carmen Miranda – Longe de querer estilizar Carmen, Ná cantou o nosso maior ícone com toda a consciência crítica possível. Tema para meu próximo texto.
= Mostra Cine LGBT (Homenagem ao escritor Caio Fernando Abreu) – Enquanto filmes, "Dama da noite" de Mário Diamante, "Sargento Garcia" de Tutti Gregianin e "Aqueles dois" de Sérgio Amon têm suas qualidades. Uma pena que muito pouco do imaginário de Caio Fernando Abreu tenha sido captado pelos diretores.
4 comentários:
acabei de ler seu último texto no blog e veio bem a calhar porque acabei de escrever um texto (o trabalho que fiz para a Carmem Lúcia), em que abordei a questão da experiência privada explorada pelo romance moderno. Gênero burguês por excelência, o romance vai tornar pública a experiência privada, possibilitando, com a mimesis da vida burguesa, que os leitores se esgueirem pela privacidade doméstica, como disse Francis Jeffrey. Acredito que essa primeira manifestação de um voyeurismo foi a gênese da vitrine que se tornou a vida particular hoje em dia, seja através de reality shows, câmeras de segurança, web cams, etc. Vou além, se a ficção foi a responsável por mostrar ao público a intimidade das personagens, é justamente essa possibilidade de observação, aliada às novas tecnologias que permitem que vejamos com nitidez tudo o que quisermos, seja o que um interlocutor está fazendo em sua casa por uma web cam, seja por um programa de televisão, que a ficção, atualmente, perde terreno para a realidade, daí romances como Nove noites, por exemplo, precisar recorrer à realidade no espaço ficcional.
Abraços e bom texto, pra variar.
Belíssimo seu texto! Você escreve bem, com calma, é um texto suave. E sua análise é cuidadosa e pertinente. Quanto ao Batman, que eu não estava nem um pouco curiosa em assistir, talvez eu lhe dê uma chance por causa dos seus comentários. Beijinhos.
Quase fiquei cego observando a imagem.
Leozinhoo, não sabia que o Gil tava com disco novo no ar, acabei de baixá-lo! Post com gosto de novidade!
=*
=)
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