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sexta-feira, agosto 01, 2008

Olho cego

No som toca “Olho mágico”, canção do novo CD de Gilberto Gil, “Banda Larga Cordel”. Os primeiros versos dizem “você quer ver um piolho no pêlo da minha púbis”. A letra é um diálogo entre alguém que quer esmiuçar a vida de outra pessoa, como se este estivesse no “big brother”, e esta pessoa reage indignada.
“Quer meu álbum de retratos / Remexer minha gaveta / Arrumar o meu armário / Refazer meu guarda-roupa”, canta Gil, para logo a seguir responder “Que saco, que saco! / Como se isso fosse um jeito / De você bisbilhotar meu silêncio / Ou minha festa”.
Gil mostra ao longo da canção o quanto os estereótipos dos “reality shows”, na tentativa de atenderem à diversidade social e cultural, acabam por reduzir seus participantes a indivíduos “vivendo algo patético ou trágico”.
Penso que, o jogo com o EU, levado ao extremo no mundo virtual, não escapa dos jogos do ilusionismo e da ficção assumida como tal. Pensar o contrário é ingenuidade. A perscrutação da vida íntima não é autêntica, pois qualquer tentativa de “documentar” a intimidade faz com que ela deixe de existir e tudo soa forjado e falso.
O sujeito da canção quer uma relação longe da evasão de privacidade que o outro tenta impor, em que os dois, sendo “um” juntos, possam manter suas individualidades e diz “você pensa que eu estou fora de moda / porque ainda considero a solidão”.
Ora, considerar a solidão, num momento em que tudo é visto-em-tempo-real-por-todos, é no mínimo desafiador para o outro, e mesmo para o sujeito imerso neste pensamento coletivo. Solidão definitivamente não combina com o exibicionismo de nosso tempo.
A letra de Gil sugere ainda que desejamos ver além do que o olho sensível permite. Daí criar um “olho mágico”, que filma “tudo o tempo inteiro”. “Estou me dando todo”, diz a letra. Mas, o outro não percebe, cego que está, paradoxalmente, no contexto.
Não restam dúvidas de que os avanços tecnológicos jogam novas luzes sobre questões do passado e de sempre. No momento em que discutimos qual será o futuro das relações interpessoais diante da interconectividade, o novo trabalho de Gilberto Gil lança sobre tais (in)definições um olhar otimista, sem perder de vista o olho crítico.

Texto publicado no jornal A União-PB, 26/07/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme Batman – O coringa, como todos supuseram, rouba a cena. E desta vez, sem sua caverna escura (agora ele tem uma ultra-iluminada) a escuridão está imbricada no interior das incertezas de Batman. Imperdível!
= Exposição Ilustrando em Revista – Amostra de ilustrações que marcaram as publicações da Editora Abril. A riqueza das técnicas e estilos são o grande lance da exposição que ocupa o Centro Cultural da Justiça Federal até 31/08.
= Show Ná Ozzetti canta Carmen Miranda – Longe de querer estilizar Carmen, Ná cantou o nosso maior ícone com toda a consciência crítica possível. Tema para meu próximo texto.
= Mostra Cine LGBT (Homenagem ao escritor Caio Fernando Abreu) – Enquanto filmes, "Dama da noite" de Mário Diamante, "Sargento Garcia" de Tutti Gregianin e "Aqueles dois" de Sérgio Amon têm suas qualidades. Uma pena que muito pouco do imaginário de Caio Fernando Abreu tenha sido captado pelos diretores.

4 comentários:

Anônimo disse...

acabei de ler seu último texto no blog e veio bem a calhar porque acabei de escrever um texto (o trabalho que fiz para a Carmem Lúcia), em que abordei a questão da experiência privada explorada pelo romance moderno. Gênero burguês por excelência, o romance vai tornar pública a experiência privada, possibilitando, com a mimesis da vida burguesa, que os leitores se esgueirem pela privacidade doméstica, como disse Francis Jeffrey. Acredito que essa primeira manifestação de um voyeurismo foi a gênese da vitrine que se tornou a vida particular hoje em dia, seja através de reality shows, câmeras de segurança, web cams, etc. Vou além, se a ficção foi a responsável por mostrar ao público a intimidade das personagens, é justamente essa possibilidade de observação, aliada às novas tecnologias que permitem que vejamos com nitidez tudo o que quisermos, seja o que um interlocutor está fazendo em sua casa por uma web cam, seja por um programa de televisão, que a ficção, atualmente, perde terreno para a realidade, daí romances como Nove noites, por exemplo, precisar recorrer à realidade no espaço ficcional.

Abraços e bom texto, pra variar.

alineaimee disse...

Belíssimo seu texto! Você escreve bem, com calma, é um texto suave. E sua análise é cuidadosa e pertinente. Quanto ao Batman, que eu não estava nem um pouco curiosa em assistir, talvez eu lhe dê uma chance por causa dos seus comentários. Beijinhos.

Félix Maranganha disse...

Quase fiquei cego observando a imagem.

Márcia Leite. disse...

Leozinhoo, não sabia que o Gil tava com disco novo no ar, acabei de baixá-lo! Post com gosto de novidade!

=*
=)