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terça-feira, maio 22, 2007

A saída está na poesia!

Escrever sobre Ariano Suassuna é escrever sobre um bom humor irresistível, sobre seu grande talento literário (do qual destaco Uma mulher vestida de sol) e da enorme influência exercida sobre várias gerações, além, claro, de sua ranzinzisse crônica – na resistência contra a “desfiguração da identidade cultural” e a defesa da ancestralidade erudita nascida das manifestações populares.
É sobre este Suassuna escritor e pensador que assistimos – dia 18/05 – a peça Ariano, em cartaz no CCBB, do Rio de Janeiro, até 15 de junho. A montagem faz parte das homenagens pelos seus 80 anos.
Com autoria do jornalista paraibano Astier Basílio e Gustavo Paso e sob direção deste, a peça narra uma saga poética (começando pela marcante morte de seu pai), em que o jovem Ariano, interpretado pelo pernambucano Gustavo Falcão, segue em busca do Reino de Acauã, uma referência à Fazenda Acauã, onde o escritor nasceu, no interior da Paraíba.
Há uma reverência ao conjunto de criações do autor de O auto da compadecida, vemos o Ariano-personagem às voltas com seus adversários ou com suas criaturas de teatro e romance – quase todos retirados da admirável mitologia nordestina, sem esquecer do sebastianismo (Dom Sebastião é interpretado por Jorge Luís Cardoso), tão presente na obra do criador de Chicó (Ney Motta) e João Grilo (Maurício Baduh).
Misturando referências biográficas de Suassuna com personagens de sua obra, a peça segue a estrutura da Divina Comédia, de Dante Alighieri, com três atos, Sol (representando o inferno) Sangue (purgatório) e Sonho (paraíso).
Obviamente, uma peça com muitos atores – o talentoso Gustavo Falcão lidera um elenco de 14 atores, da Cia Epigenia Arte Contemporênea – tem lá uns personagens mal interpretados, mas nada que ofusque a totalidade e a magia criadas pelo texto, cenário e iluminação.
A saída está na poesia” é uma frase sempre dirigida ao Ariano quando o personagem se encontra diante dos dilemas levantados, mais uma poética e metalingüística solução, encontrada pelos autores da peça, para homenagear o autor da frase:

A gente tem uma tendência a querer que o tempo da história coincida com o tempo de nossa biografia. O progresso moral da Humanidade é muito lento.”

Numa cultura desmemoriada, como a nossa, Suassuna exerce um papel importante, mesmo que com conceitos questionáveis.
Fica registrado que há homenagens e Homenagens. Ariano é uma Homenagem apaixonada, inteligente – com todos os recursos intertextuais do texto e da encenação – e merecida, feita ao autor de A pedra do reino, o nosso Quixote sertanejo!

segunda-feira, maio 14, 2007

Música em cena II & III

II
"No cinema, a música cria uma tensão com a imagem, uma sensação imprescindível”

É com este conceito que Arnaldo Antunes participa de algumas trilhas de filmes, tais como “Benjamim”, “Bicho de sete cabeças”, “Dois perdidos numa noite suja”, entre outras, e por isso foi convidado para se apresentar no Música em Cena – 1º Encontro Internacional de Música de Cinema, no último dia 11 de maio, no Canecão, e dividir a noite de apresentações com André Abujamra, outro fazedor de trilhas e o oscarizado (duas vezes, por: “Brokeback Mountain” e “Babel”) Gustavo Santaolalla e a sua Banda Bajofondo.
A noite começou com o André Abujamra que, contrariando as expectativas, apresentou mais músicas de seu cd, do que as trilhas já produzidas para filmes – como “Domésticas” – tendo como participação especial Paulinho Moska, na vez de interpretar a sua “O Mundo”, sucesso na voz de Ney Matogrosso e Pedro Luis e a Parede.
Depois foi a vez do Arnaldo Antunes, artista que, com a mesma qualidade e consciência, consegue transitar por várias linguagens da arte (merecerá muitas outras discussões aqui no blog). Intercalando canções de seu mais recente cd “Qualquer” e canções feitas para filmes, como, além das já citadas, “Mil e Uma”, “Tema de Antônio”, etc. Fiquei particularmen
te feliz por ele ter cantado, com sua voz mono, enfatizando mais o texto do que a melodia, a bela “2 perdidos”: ta fazendo frio / nesse lugar / onde eu já não caibo mais / e já não caibo em mim.

E veio a grande atração da noite, para muitos, o fantástico Gustavo Santaolalla. Foi muito emocionante ouvir o tema de “Brokeback Mountain”, filme que é um divisor de águas pra muita gente, conheço algumas histórias lindas, surgidas a partir deste filme, ou melhor, de suas reverberações, e que abriu discussões mais sérias e efetivas sobre como a arte trata o amor homoerótico. O impressionante é que a trilha é tocada “apenas” pelo Santaolalla, como bem atentou o Carlos, no filme parecia que havia uma orquestra, tão grande é sua competência com o violão.
Marisa Monte foi convidada por ele e cantou “Infinito particular” (...vem cara me retrate / não é impossível / eu não sou difícil de ler / faça sua parte...), entre outras canções.
A noite encerrou-se com a excelente Banda Bajofondo, que tem Santaolalla como líder e integrante, cujo som surge da mistura do tango com música eletrônica.
Uma oportunidade ímpar de ver artistas tão admirados por mim, numa única noite!!!








III

O Música em Cena se encerrou ontem (13/05) com o concerto “A Música do Cinema Brasileiro”, com a Orquestra Petrobras Sinfônica regida por Julio Medaglia (um dos papas do tropicalismo, fazendo arranjos geniais para "Não identificado", "Coração materno", "Domingo no parque", etc), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
No Programa: “O descobrimento do Brasil”, “Orfeu”, “A ostra e o vento”, Dona flor e seus dois maridos”, “Abril despedaçado”, etc.

PS: O Gustavo Santaolalla e outros integrantes da sua Banda Bajofondo estavam lá, assistindo.

quarta-feira, maio 09, 2007

Música em cena I

Para falar sobre um concerto de Ennio Morricone, acredito que bastava lembrar que este ano ele recebeu um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra – que inclui trilhas para Cinema Paradiso, Os Intocáveis, A Missão e Era uma Vez na América, entre muitos outros – e postar aqui o programa da noite, mas houve mais...
O evento no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (05/05/2007) começou com a apresentação dos organizadores e a leitura de um discurso do Ministro da Cultura Gilberto Gil que, com gripe, foi lido pelo ator José Wilker.
No discurso sobre o 1º Encontro Internacional de Música de Cinema, Gil fez um apanhado da obra de Ennio Morricone, com alusões às investigações de John Cage, músico experimentalista, além de exaltar a importância da música no universo cinematográfico com um levantamento histórico do tema na produção cinematográfica do Brasil, relembrando as transformações impulsionadas pela inserção da “sétima arte” por aqui, citando a canção de Noel Rosa que diz: “O cinema falado é o grande culpado da transformação”, lembrando ainda a canção-exaltação “Cinema novo”, dele – Gil – com Caetano Veloso.
Houve uma tentativa de vaias abafadas pelos aplausos. Vejamos a versão, para isso, publicada pelo Estado de São Paulo:

"A figura mitológica do mais clássico dos compositores para cinema foi reduzida à de um "tropicalista italiano" no discurso do ministro Gilberto Gil, que não compareceu ao concerto alegando doença, encarregando a tarefa ao ator José Wilker. Motivo de riso e perplexidade geral, o interminável pronunciamento extrapolou o suportável, agravado pelo tom arrogantemente alto da voz de Wilker. Fez por merecer o princípio de vaia que tomou da platéia. Mas não vamos desperdiçar tempo e espaço com comentários sobre a intenção de polêmica implícita no discurso. A música de Morricone dispensa essas farofadas." Lauro Lisboa Garcia

Discordo de Garcia, ainda mais quando ele fala de “polêmica implícita”, pois, além de, como bem me apontou o Carlos, vaiar o Gil significar, na cabeça estreita de alguns, vaiar o Lula, isso restringe a capacidade inegável de concisão histórica elaborada pelo Ministro no texto lido, por Wilker.
Enfim, depois, acompanhado da Orquestra Petrobras Sinfônica, Morricone mostrou ao que veio. O concerto se dividiu em duas partes:

Primeira parte: Os intocáveis; Era uma vez na América; A lenda do pianista do mar; H2s; Os sicilianos; Metti una sera a cena: 2 temi; Maddalena; Três homens em conflito; Era uma vez no oeste; e Quando explode a vingança.

Intervalo: A hora de esbarrar com as celebridades presentes: Camila Pitanga, Julia Lemmertz, Wagner Moura, Letícia Spiller, Cristiani Torloni e etc e etc...

Segunda parte: A batalha de Argel; Investigações de um cidadão acima de qualquer suspeita; Sostiene Pereira; A classe operária vai ao paraíso; Pecados de guerra; Queimada; O deserto dos tártaros, Ricardo III; e A missão.

Devido aos insistentes aplausos e pedidos de bis, Morricone retornou três vezes ao palco e regeu trilhas já apresentadas. Por fim ele mesmo tirou suas partituras do púlpito para não dar margem a outros pedidos do público.
Uma noite mais que demais.

quarta-feira, maio 02, 2007

A representação do paraíso II

Dias 23 e 24 de abril, aconteceu o Colóquio Rumos Literatura, dentro do programa Rumos Itaú Cultural, aqui no Rio. Dentre outros assuntos debatidos, a questão “o que torna um autor cânone” merece destaque, para mim, talvez porque depois de (re)visitar Camões eu tenha ido (re)visitar Homero e Eça de Queiroz, cânones da nossa Literatura Universal, explico:
No Canto V, da Odisséia, Ulisses que se encontrava tristonho, mesmo vivendo em uma ilha paradisíaca com a bela Calipso que lhe prometera a imortalidade, prefere voltar para Ítaca, sua terra e onde está sua família, e começa a construir uma jangada para o retorno (óbvio que faço aqui uma leitura bastante reducionista).
Ogígia, ilha de Calipso, é um lugar prazeroso, os campos Elíseos da terra. Porém apesar da vitalidade, resultante da boa vida, do corpo de Ulisses, sua alma não tem paz. Ele prefere sua terra à imortalidade do corpo e ao prazer sem fim, ou seja,
é melhor envelhecer seu corpo ao lado da sua mulher, a querida Penélope, na pedregosa Ítala, fugindo da morte psíquica.
Em contrapartida, Eça de Queirós, baluarte do Realismo português, publica em 1897 o conto A perfeição, uma “adaptação” para o formato de conto, feita a partir do Canto V, do texto homérico. O conto, como define Júlio Cortazar, com algumas controvérsias, está para a fotografia, por sua narrativa curta, focada em poucos personagens e num determinado tempo e espaço, com total utilização estética da limitação, eliminando as situações intermediárias, assim como o romance está para o cinema.
Ogígia, - “de crescimento admirável, a vinha os pimpolhos estende / da gruta côncava em torno, a vergar com o peso dos cachos. / Água mui clara promana de quatro nascentes vizinhas, / que juntas surdem, mas abrem caminhos por partes diversas. / Prados macios em torno se viam, com aipo e violeta, / cheios de viço. Até um deus imortal que ali viesse, por certo se admiraria com tal espetáculo, na alma folgando.” - é a representação do ideal a ser alcançado.
Porém, influenciado pela estética simbolista, que nega a anterior da busca alucinada pela forma perfeita trazendo ao homem uma realidade mais subjetiva, Eça nos sugere que é a procura da felicidade, com todas as dificuldades e vulnerabilidades que torna o homem feliz, chegando a sugerir também que a perfeição cansa.

Ao declarar: “Morro de saudades da morte”, o Ulisses queirosiano demonstra que sente falta das coisas do quotidiano comum e que foram esquecidas pela busca de uma vida perfeita. Uma das intenções de Eça de Queirós, como de alguns intelectuais de sua época, é chamar a atenção para a superação da visão racionalista e mecanicista do universo. O símbolo implica na expressão indireta de um significado que é impossível dar diretamente, que é essencialmente indefinível e inesgotável, ficando claro o porquê de Eça de Queiroz resgatar o texto de Homero.Ulisses, abandona a perfeição de um mundo físico ideal e vai à busca da essência do ser humano, aquilo que ele tem de mais profundo e comum: a alma e as inquietações dela. A perfeição está nas angústias e prazeres do dia-a-dia, nas imperfeições da vida comum? Isto é, é o caminhar que torna a vida perfeita, em detrimento do chegar? Será isso que estes dois cânones da nossa Literatura Universal quiseram nos mostrar?
Talvez essa seja uma das características de um cânone: levantar questões que não se limitam no tempo e espaço, levantar questões universais.

Em tempo: Voltando ao campo literatura, é preciso absorver, mas também é preciso discutir o cânone, isso em todos os campos do saber, foi esta inquietação e a visão crítica que fizeram Haroldo e Augusto de Campos reposicionarem, não só Gregório de Matos, mas também Sousândrade e Pedro Kilkerry, na história da nossa Literatura Brasileira.