Pesquisar neste blog

terça-feira, junho 26, 2007

Pré-pós-tudo-bossa-band (em CD e DVD)

Desde o seu primeiro trabalho, quando ainda assinava Zélia Cristina, Zélia Duncan tem demonstrado a consciência e o engajamento com a palavra cantada e mesmo com a palavra escrita, usando por vezes recursos eletrônicos de última geração, sem perder de vista a tradição.
Complicado? Para ela parece que não, pois são nesses contatos (ou seriam entre-lugares?) entre clássico e contemporâneo, Deus e Diabo, dor e elegância que se cria a atmosfera do disco Pré-pós-tudo-bossa-band.
Este trabalho de Zélia é um exemplo de como ser lúcido, sem ser politicamente chato. Longe do panfletarismo, o disco mistura o "mundo inteiro" e apresenta da primeira a derradeira canção – termo usado aqui no sentido definido pelo crítico e teórico Luiz Tatit, para quem o compositor é um malabarista equilibrando letra e melodia – um instigante projeto de crítica e avaliação do comportamento humano em tempos “pós-modernos”, tencionado também pelo encontro de vários gêneros e estilo
s musicais.
Na primeira faixa, de Lenine e Duncan, que dá título ao disco, os versos “todo mundo quer ser de novo o novo / O ovo de pé, o estouro” fica clara a intenção irônico-reflexiva do eu-lírico em relação ao narcisismo galopante de nossa época. Senão lembro também dos versos “todo mundo quer ser da hora / tem nego sambando com o ego de fora”. “Ego” está dentro da palavra “nego” e é onde, metaforicamente, deveria ficar. Porém, dado o contexto atual, o eu-lírico observa a inversão de posição.
Há ainda uma forte presença, essencialmente nas letras, da fanopéia de Pound, ou seja, as imagens criadas dão o tom esperado. É só observar a letra de “Mãos atadas”, de Simone Saback, dedicada à sempre presente Cássia Eller.
Para os que buscam a passionalização, as letras de “Inclemência”, “Eu não sou eu” e “Não” vão além da expectativa, com composições impactantes.

Particularmente gosto de “Carne e Osso”, de Duncan e Moska, na qual os versos, “A alegria do pecado / às vezes toma conta de mim” e “Perfeição demais / me agita os instintos / quem se diz muito perfeito e é tão bom não ser divina”, questionam a humanidade do divino e a divindade do humano, de maneira bem humorada.
Destaco também a letra de “Benditas”, de Mart’nália e Duncan, e os versos “bom é não saber o quanto a vida dura / ou se estarei aqui na primavera futura / posso brincar de eternidade agora / sem culpa nenhuma. E a canção “Vi, não vivi”, de Itamar Assumpção e Christiaan Oyens. Além, claro da música de Itamar Assumpção para o poema “Dor elegante”, de Paulo Leminski.

Esta semana Zélia Duncan lançou o DVD com o show homônimo. Está tudo lá, e muito mais, entre regravações e novidades, com algumas modificações aqui e ali nos arranjos, próprias para apresentações ao vivo, mais com a interpretação sem medo do risco sempre perceptível.
E no DVD destaco “Milágrimas”, canção absurdamente linda e comovente de Itamar Assumpção e Alice Ruiz, interpretada com a participação especialíssima de Alenis Assumpção, filha de Itamar, cujo verso “A cada mil lágrimas cai um milagre”, que, se a princípio soa cafona, exorciza qualquer baixo-astral.
Mas minha canção preferida, a que já embalou alguns bons momentos de reflexão interior, e a que, acredito, define bem a concepção deste trabalho é “Distração”, de Duncan e seu inseparável parceiro de trabalho Christiaan Oyens. Transcrevo a letra:

Se você não se distrai, o amor não chega / A sua música não toca / O acaso vira espera e sufoca / A alegria vira ansiedade / E quebra o encanto doce / De te surpreender de verdade
Se você não se distrai, a estrela não cai / O elevador não chega / E as horas não passam / O dia não nasce, a lua não cresce / A paixão vira peste / O abraço, armadilha
Se você não se distrai, / Não descobre uma nova trilha / Não dá um passeio / Não ri de você mesmo / A vida fica mais dura / O tempo passa doendo / E qualquer trovão mete medo / Se você está sempre temendo / A fúria da tempestade
Hoje eu vou brincar de ser criança / E nessa dança, quero encontrar você / Distraído, querido / Perdido em muitos sorrisos / Sem nenhuma razão de ser
Olhando o céu, chutando lata / E assoviando Beatles na praça / Olhando o céu, chutando lata / Hoje eu quero encontrar você

Enfim, Pré-pós-tudo-bossa-band, CD (estúdio), ou DVD (show ao vivo) é antes de tudo uma proposta de parceria com a vida, para aproveitar dela o que de melhor pode oferecer. Aponta que mesmo as coisas e situações “más” tem importância dentro da engrenagem, basta estar distraído para não deixar o acaso sufocar e atento a sua filosofia individual.
E haja adjetivos para "qualificá-lo".

2 comentários:

Bruno Lima disse...

Leo, nunca gostei da Zelia Duncan, mas após ler seu texto me proponho a ouvir com mais atenção, embora eu confesse que não acredito que vou mudar de idéia. Depois te digo.

Abraços!

Aldenor Souza disse...

Leo, também concordo com Bruno Lima. Não curto muito a voz de Zélia Duncan já que o tom baixo da voz dela me causa incômodo. Ainda assim, existe algumas músicas dela que são muito boas e não consigo imaginar na voz de outra pessoa como "Por que não pensei nisso antes", "Alma"... Fora isso, o show dela é muito bom. Ela é muito boa de palco! É inesquecível pra mim quando ela, em pleno show, parou a música porque uma pessoa atendeu o celular pra conversar lorota - claro que dou toda razão pra ela!

Abração!