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terça-feira, abril 03, 2007

Ah as malditas comparações!

Sexta-feira passada, Carlos e eu fomos assistir à peça “A hora e a vez de Augusto Matraga”, adaptação do conto de mesmo nome de João Guimarães Rosa. Ao final saí com a sensação de que havíamos assistido a um bom espetáculo, mas com a sensação de que faltou alguma coisa. Sei que toda adaptação é difícil, ainda mais quando é para uma linguagem diferente de arte. Por isso não se deve fazer comparações, mas...
“A hora e a vez de Augusto Matraga” é considerado por muitos críticos a mais importante produção do escritor em Sagarana, tanto por sua estrutura narrativa quanto pelo tratamento da luta entre o bem e o mal, e todo o questionamento decorrente de uma tomada de consciência do homem optando por uma dessas forças.
Isso, de alguma forma, está presente na peça e de maneira muito interessante do ponto de vista das soluções cenográficas elaboradas por Carlos Alberto Nunes, dos figurinos de Ney Madeira e do projeto de luz de Renato Machado – desde a metáfora da personagem Mimita (flor despetalada), passando pela surra que Nhô Augusto leva (um pedaço de carne é “amaciado” em cena), até a luta final.
No texto de Rosa, o próprio narrador questiona o conceito de realidade e ficção na literatura, muitas vezes caracteriza como folclóricas as histórias que conta, inserindo nelas quadrinhas populares e dando-lhes um tom épico. Na peça, o texto é narrado e interpretado e as quadrinhas cantadas por todos os personagens em cena, numa fragmentação que realmente funciona.
Há, no conto, três movimentos nodais que impingem a ação e bem marcados na peça, sob a direção de André Paes Leme:

1º Movimento – Augusto como figura do mando, perverso, brutal, desregrado, mundano, demoníaco e assassino;
2º Movimento
– Metáfora da queda financeira, moral (perda da mulher para Ovídio), peia que leva do Major Consilva e queda física;
3º Movimento
– Homem do bem, metáforas e signos da religião cristã;

Fica claro, mesmo com estas pequenas observações acima, que interpretar uma personagem como Matraga – “Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves (...)” – é um processo desafiador para qualquer ator. São muitas as nuanças, sutilezas, subjetividades e subtextos presentes e característicos da obra rosiana.
Como disse Rosa
“O sertão é o terreno da eternidade, da solidão”, e é exatamente esta “solidão” que falta à interpretação de Vladimir Brichta. O espectador mais consciente da linguagem rosiana fica esperando pelas transformações internas da personagem, aliás tais movimentos só são perceptíveis no todo da peça, numa clara mostra de que o processo de construção da figura dramática, para Brichta, ficou na superfície.
Há momentos, aqui e ali, de maior empenho do ator, mas o “homem” cuja história de redenção e espiritualidade, cuja história de conversão e de passagem do mal ao bem, da perdição à salvação, esse eu não vi em cena.

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Em tempo, não posso deixar de lembrar que assisti à bela e melhor resolvida – por parte da interpretação de Nanego Lira (Primo Ribeiro), Soia Lira (Ceição), Servílio Gomes (Jiló) e Everaldo Pontes (Primo Argemiro) e sonoplastia do músico Escurinho – montagem de “Vau da Sarapalha”, uma adaptação do conto "Sarapalha", também de Sagarana, com direção de Luiz Carlos Vasconcelos, do Grupo Piolim-PB.

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Leonardo!

Muito interessante a sua matéria, embora eu não tenha assistido à peça.
Olha... acesse este site:

http://www.cineclick.com.br/noticias/index.php?id_noticia=15951

É sobre um prêmio que o ator Selton Melo recebeu por sua atuação em "O
Cheiro do Ralo". Ainda não assisti a esse filme, mas me parece ser
interessante também.

Talvez venha lhe ser útil tal informação!

Feliz Páscoa!!!

Abraço,

Webert

Jefferson Cardoso disse...

Oi Leo.
Ainda não li esse conto tão famoso de G. Rosa, mas fiquei bem curioso para ler. Sei que deve ser ótimo, pois Miguilim me emocionou um bocado! Confesso que fui pouco ao teatro, talvez pela falta de boas produções por aqui.
@br@ço!
Bom Feriado!

Anônimo disse...

Léo como sempre seus textos são perfeitos, parabéns.
Continue assim em pleno vigor físico e literário.

Anônimo disse...

Léo, há uns 11 anos atrás eu publiquei um textículo que tratava das adaptações de literatura para cinema. É inevitável que se façam comparações entre uma obra literária e sua adaptação para o cinema e inevitável também que se privilegie a primeira. Não me recordo de ter achado um filme melhor do que o livro e isso se dá, talvez, porque quando lemos um romance, por exemplo, nós construímos os personagens, o espaço da narrativa, etc. A nossa leitura é, pois, única. Quando vemos materializado o mesmo romance na tela, assustamo-nos com uma leitura que não é a nossa. Parece que um sentimento de indignação nos assalta por vermos nossos personagens apresentados tão diferentemente. Uma defesa natural e inconsciente parece surgir e em conseqüência damos menos importância ao texto cinematográfico do que ao literário.



Um romance é produzido solitariamente e solitariamente é consumido, o que não ocorre com o cinema, seja na produção, seja na recepção. São dois meios de comunicação completamente distintos e independentes que produzem dois textos perfeitamente autônomos. Dessa forma pouco importa se o desfecho do filme será o mesmo do livro e se há uma reclamada "fidedignidade".



Apesar de compreender a autonomia dos dois veículos de comunicação, executores de dois textos distintos, eu muito provavelmente, se tivesse a oportunidade de, como você, ter assistido à peça A Hora e a Vez de Augusto Matraga, também teria feito as malditas comparações, afinal acabam sendo mesmo inevitáveis.



Um grande abraço!