Em período de campanha eleitoral, não faltam aqueles candidatos que querem ser “a sua voz” nos poderes legislativo e executivo. Com a pluralidade, e especificidade, dos tipos, na tentativa de cobrir o maior número de público eleitor, opções para “médiuns” de “sua voz” enchem os programas eleitorais, além de emporcalharem as ruas.
O problema é que “minha voz é minha vida”: através daquilo que canto e conto invento um “eu” (um ser) e me sustento na existência, singularizo um “eu” no mundo. Ter voz, importa marcar, não é causar falatório: mas engendrar gestos de afirmação da vida – implicar-se com as palavras e as coisas do universo ao meu redor. Portanto, vale se questionar: quero dar minha voz, minha vida? E para quem?
Dar a voz (a única libertação) é perder a vida. Claro está que este desejo, tão caro aos candidatos, de ser “a sua voz” vem da nossa vocação (tão brasileira) à dissimulação: em, por exemplo, deixar todas e quaisquer decisões e responsabilidades nas mãos do governo (Estado), esvaziando-nos de comprometimentos.
Penso nisso enquanto ouço Cida Moreyra, no disco “Cida Moreyra canta Chico Buarque” (1993), com a lucidez musical que lhe é própria, interpretando a canção, de 1981, "A voz do dono e o dono da voz", de Chico Buarque.
No livro “Histórias de canções: Chico Buarque”, Wagner Homem registra que a canção, foi uma "resposta irada e irônica" à uma discussão entre Chico e sua gravadora de então.
Outra informação importante, oferecida por Wagner Homem, é a de que "a expressão 'o dono da voz' apareceu pela primeira vez nessa canção e rapidamente foi incorporada ao vocabulário da língua portuguesa. Era uma brincadeira de Chico com o lema 'The master's voice' (A voz do dono), da gravadora RCA Victor, que exibia um cachorrinho observando atentamente um gramofone".
Ao fechar a canção com o verso "o que é bom para o dono é bom para a voz" – canto paralelo (paródia, paráfrase) de "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil", a assustadora e reveladora frase dita por Juracy Magalhães, ministro das Relações Exteriores do governo militar brasileiro – Chico, ironicamente, amarra a discussão lançando o problema para o ouvinte. Ou seja, esta lógica é lógica?
Afinal, quem pode mais: a voz do dono, ou o dono da voz? Se tanta gente quer ser “a sua voz” é “somente porque ‘sua vida está’ aqui na voz”.
Texto publicado no jornal A União, em 02/10/2010
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