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segunda-feira, setembro 27, 2010

Marya Bravo: a garota má

Não esquecemos facilmente a voz de uma sereia. A primeira vez que ouvi Marya Bravo foi no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, na capital paraibana. Marya fazia back vocal no show "Memórias, crônicas e declarações de amor", de Marisa Monte. Mas aquela moça, no fundo do palco, seus vocalizes, suas entradas nas horas certas, sua voz, enfim, despertaram minha atenção. Em rápida busca na internet, descobri que Marya era, ou foi, (ninguém mais, ninguém menos) a garotinha do famoso comercial da Cremogema. Sim: “cre cremo cremo cremogema”.
Mas a perdi de vista. Voltei a vê-la, e ouvi-la, para minha surpresa, no elenco do musical “Cauby! Cauby!”, interpretando a imbatível Ângela Maria. Descobri que Marya Bravo é cantriz: e fiquei encantado com sua presença enriquecedora nos musicais “Beatles num céu de diamantes”, “7: o musical” e “Oui...Oui... A França é aqui”, entre outros.
Foi com expectativa que ouvi seu primeiro disco: “Água demais por ti” (2009), produzido por Carlos Trilha. Aqui se pode perceber a potência da voz de Marya: essa garota má que, através da generosidade com que oferece seu dom – (trans)piração – de cantar, arrasta o ouvinte à afirmação da vida através da música: respirações, silêncios, manejos, alturas, posições do som.
No show do disco, sua presença de palco, com a experiência dramática dos musicais que participa, tem a tragicidade (dor e prazer se autodevorando) que entontece e diz sim: desdobra o expectador para dentro e para fora. Sua voz é sua vida (real) e se torna, de viés, por um tempo, enquanto dura a audição, o show, nossa vida (mais real). Mundos no mundo.
Na pele de uma diva dadivosa, eternamente ressacada (bebericando whisky), dos palcos dos (sub)mundos, Marya – a princesa de botina preta, garota má – coroa e destrona a si mesma, rasga a fantasia, cria outras (mais alegres, mais tristes), para roçar a pele de quem lhe ouve. Com cada nota meticulosamente sentida, penetra e faz eco: forte, rock pesado, sem dó – má.
O show de Marya Bravo, na companhia da excelente Banda Rockz, é delícia e estranhamento (consolo e desconforto); aponta que a ficção cria a realidade: tudo e nada não passam de ilusões, mentiras sinceras que criamos para consolar nossa (eterna) busca por verdade. Aliás, Marya sabe disso, sua voz lhe denuncia, a única verdade possível é a verdade estética, sobre a qual Marya Bravo é dona, rainha e sereia: sempre má.

Texto publicado no jornal A União, em 17/09/2010

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

- Filme Tudo pode dar certo - O tempo só faz bem a Woody Allen. O filme flui leve, mas é cortante como uma folha nova (e em branco) de papel.
- Filme A origem - Une ação e reflexão. Imagens incríveis e tema denso.
- Filme Meu malvado favorito - Peca pelo final "redondo demais".
- Filme Salt - Boas imagens e investigações sobre tema contemporâneo.
- Filme Coco Chanel & Igor Stravinsky - Direção de câmera estonteante!!!.
- Filme A ressaca - Vale pelo mote daquilo que, se pudéssemos voltar atrás, modificaríamos ou não.
- Filme Solomon Kane - Um antiherói com vigor.
- Peça Casting - Para rir a veras.
- Peça Epheitos colaterais Novas methamophosis - Arrebatedor: texto incrível e atuações impagáveis.
- Peça Devassa - O teatro como happening: muito bom!
- Peça Mulheres que bebem vodka - Tiques e afetações no grau exato.
- Peça Hipóteses - Assistir às montagens de Os Satyros é sempre um mergulho para dentro.
- Peça Orfeu - É sofisticado, mas falta certo glamour orgânico ao espaço cênico.
- Dança 4x4 - Plasticamente, o ato com os vasos de cerâmica é lindo.
- Exposição Fernando Pessoa - Apesar de pequena, um banho de Pessoa na pessoa.

Um comentário:

Lizzie Bravo disse...

Adorei o texto! Agradeço os elogios à minha amada e muito talentosa filha.