Dentre as efemérides da celebração pelos 50 anos de Renato Russo, o livro “Como se não houvesse amanhã” – coletânea de contos inspirados nas canções da Legião Urbana, organizada por Henrique Rodrigues – é uma boa homenagem ao cantor e compositor.
Todos os vinte contistas são, assumida e sensivelmente, fãs banda que ainda hoje mantém aficionados. A angústia produtiva e a inadaptação ao mundo, que atravessavam as canções também direcionam as tentativas de traduções interssemióticas do livro. Mesmo que as canções sejam uma referência distante, ou que versos apareçam diluídos nos textos, a lição de Renato foi introjetada.
Desde “Será”, de Daniela Santi, que abre o livro com lente hitchcockiana e persegue o amadurecimento prematuro, através de dramas sem motivos aparentes, de uma jovem estudante, até “Sagrado coração”, de Maurício de Almeida, de teor confessional, há algo que mina,
falta e jorra. Um remexer intenso e vazio nas caixas da memória.
O gozo erótico fica no plano escritural, pois a fisicalidade diegética está sempre fraturada. “Um corpo morto não goza”. Os sujeitos se paralisam diante dos convites e intimações da existência. Delírios, separações e sêmen no chão dão o tom.
A ausência de verdade, ou a proliferação exagerada delas, é uma das musas das canções da Legião Urbana. Buscar, dentro do sereno da madrugada, exaspera o querer do sujeito, como mostra o conto “Sereníssima”, de Ramon Mello. Há, aqui, um grito de alerta e a procura da palavra mais certa para dizer o indizível.
Este conto, aliás, é uma “ode” à canção popular. Muitas tessituras sonoras se cruzam, como os caminhos cruzados das personagens. A cama é tatame, o fracasso é relativizado pela inscrição do desejo amoroso e os atos são desenhados sobre acordos íntimos desbotados. O sujeito, exasperado, canta o eterno retorno do fim.
Para o bem e para o mal, o desespero, a ansiedade (adolescente) e o enfado diante do mundo provocam as ranhuras doídas e insofismáveis das canções da Legião Urbana e, consequentemente, dos contos. As personagens sem nomes próprios adensam o desejo de atingir o inconsciente do ouvinte-leitor e a intimidade é, por vezes, conseguida.
“Como se não houvesse amanhã”, com as irregularidades que marcam qualquer coletânea, é uma boa amostra sintomática de uma geração cuja certeza passa pela sabedoria de que algo se quebrou e está se quebrando.
Texto publicado no Jornal A União em 29/05/2010
Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:
= Filme - Alice in the Wonderland - Não vi os créditos para as traduções de Augusto de Campos, mas o filme, um recorte bacana das histórias, é muito bem feito.
= Filme - Shutter Island - Mais um título brasileiro ridículo (Ilha do medo), para um filme bem armado.
= Filme - The box - Roteiro confuso para uma ideia forte.
= Filme - Did you hear about the Morgans? - Rende umas risadas aqui e ali.
= Filme - The men who stare at goats - Excelente e desbundado roteiro. Além das atuações brilhantes.
= Filme - Histórias de amor duram apenas 90 minutos - Um dos melhores filmes brasileiros de agora. Maduro, bem acabado e com enredo empolgante.
= Filme - Chico Xavier - Um roteiro de "novela das seis", mas que merece ser visto pela história de Chico.
= Filme - The road - Denso e pessimista (ao ponto).
= Filme - From Paris with love - Ação e humor (quase) em harmonia.
= Filme - The bounty hunter - Rende algumas risadas.
= Peça - Vicente celestino: a voz orgulho do Brasil - Impecáveis interpretações e um musical à altura do grande mestre.
= Peça - Dona Otília e outras histórias - Leve e precisa como um encontro casual em uma floricultura.
= Peça - Acorda, Zé! - Cenografia, figurino e atuações em perfeita sincronia.
= Peça - Fronteiras - Filosofia em cena.
= Dança - P.P.P. de Philippe Ménard - Performance aterradora fora a liquefação das certezas.
= Dança - Trittico do Balletto Dell'Esperia - Bonito de se ver.
Desde “Será”, de Daniela Santi, que abre o livro com lente hitchcockiana e persegue o amadurecimento prematuro, através de dramas sem motivos aparentes, de uma jovem estudante, até “Sagrado coração”, de Maurício de Almeida, de teor confessional, há algo que mina,
falta e jorra. Um remexer intenso e vazio nas caixas da memória.
O gozo erótico fica no plano escritural, pois a fisicalidade diegética está sempre fraturada. “Um corpo morto não goza”. Os sujeitos se paralisam diante dos convites e intimações da existência. Delírios, separações e sêmen no chão dão o tom.
A ausência de verdade, ou a proliferação exagerada delas, é uma das musas das canções da Legião Urbana. Buscar, dentro do sereno da madrugada, exaspera o querer do sujeito, como mostra o conto “Sereníssima”, de Ramon Mello. Há, aqui, um grito de alerta e a procura da palavra mais certa para dizer o indizível.
Este conto, aliás, é uma “ode” à canção popular. Muitas tessituras sonoras se cruzam, como os caminhos cruzados das personagens. A cama é tatame, o fracasso é relativizado pela inscrição do desejo amoroso e os atos são desenhados sobre acordos íntimos desbotados. O sujeito, exasperado, canta o eterno retorno do fim.
Para o bem e para o mal, o desespero, a ansiedade (adolescente) e o enfado diante do mundo provocam as ranhuras doídas e insofismáveis das canções da Legião Urbana e, consequentemente, dos contos. As personagens sem nomes próprios adensam o desejo de atingir o inconsciente do ouvinte-leitor e a intimidade é, por vezes, conseguida.
“Como se não houvesse amanhã”, com as irregularidades que marcam qualquer coletânea, é uma boa amostra sintomática de uma geração cuja certeza passa pela sabedoria de que algo se quebrou e está se quebrando.
Texto publicado no Jornal A União em 29/05/2010
Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:
= Filme - Alice in the Wonderland - Não vi os créditos para as traduções de Augusto de Campos, mas o filme, um recorte bacana das histórias, é muito bem feito.
= Filme - Shutter Island - Mais um título brasileiro ridículo (Ilha do medo), para um filme bem armado.
= Filme - The box - Roteiro confuso para uma ideia forte.
= Filme - Did you hear about the Morgans? - Rende umas risadas aqui e ali.
= Filme - The men who stare at goats - Excelente e desbundado roteiro. Além das atuações brilhantes.
= Filme - Histórias de amor duram apenas 90 minutos - Um dos melhores filmes brasileiros de agora. Maduro, bem acabado e com enredo empolgante.
= Filme - Chico Xavier - Um roteiro de "novela das seis", mas que merece ser visto pela história de Chico.
= Filme - The road - Denso e pessimista (ao ponto).
= Filme - From Paris with love - Ação e humor (quase) em harmonia.
= Filme - The bounty hunter - Rende algumas risadas.
= Peça - Vicente celestino: a voz orgulho do Brasil - Impecáveis interpretações e um musical à altura do grande mestre.
= Peça - Dona Otília e outras histórias - Leve e precisa como um encontro casual em uma floricultura.
= Peça - Acorda, Zé! - Cenografia, figurino e atuações em perfeita sincronia.
= Peça - Fronteiras - Filosofia em cena.
= Dança - P.P.P. de Philippe Ménard - Performance aterradora fora a liquefação das certezas.
= Dança - Trittico do Balletto Dell'Esperia - Bonito de se ver.
4 comentários:
Querido: Tudo bem? Sempre que leio seu blog sinto-me um verdadeiro amador!! Vc escreve bem demais! Gostei da dica do livro. Acho que irei compra-lo, afinal esse é um universo do qual eu conheço -e muito: Na época em que o Legiao surgiu eu estava em plena ebuliçao cultural e com uma enorme energia ,afinal nao foi a toa que estou -mesmo- na foto do livro do cazuza , em pleno circo voador.
Um abraço
Olá,navegando em pesquisas o Google me trouxe aqui e sinceramente gostei muitos dos conteúdos e do modo como são registrados.Então desde já seguindo também da Itália,Bergilde Croce
Olá, Leonardo.
Gostei muito da sua resenha. Têm saído muitas matérias sobre o livro, mas poucos textos mais analíticos como o seu. É bom saber que o livro não só está sendo lido, mas bem lido.
Grande abraço,
--
Henrique Rodrigues
www.henriquerodrigues.net
Muito bom descobrir aqui em João Pessoa seu texto tão especial... Verdadeiro deleite... Parabéns tb pelo belíssimo blog. Refleti bastante na verdade que vc externa, que a "sabedoria de que algo se quebrou e está se quebrando", pois é uma percepção que me assombra a algum tempo...
Abraço e Força sempre!
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