O Instituto Moreira Sales abrigou no recente 29/03 uma noite memorável, tanto para quem curte/estuda poesia, quanto para quem curte/estuda música e canção.
O evento Poemúsica reuniu Augusto de Campos, Cid Campos e Adriana Calcanhotto em uma celebração cerebral, corporal, visual e vocal da palavra feita canção.
Através de uma showversa, Augusto apresentou como as inovações da Poesia Concreta fizeram a cabeça sonora dos compositores contemporâneos brasileiros e vice-versa.
Augusto lembrou que a Poesia Concreta começou com música, pela ênfase no canto não "operístico" e pela substituição da declamação pelo que os concretistas chamaram de oralização.
Não é segredo para nenhum interessado no assunto que Webern, Schönberg, Berg, Cage e Varèse por exemplo, fizeram parte do paideuma dos concretistas. Mas Augusto destacou ainda a dicção de Lupicínio Rodrigues e Noel Rosa como "autores" básicos para a construção da filiação musical do movimento. Além de Billie Holiday, Dizzy Gillespie e Miles Davis, que fizeram da chegada de João Gilberto à cena cancional um júbilo de certezas.
Ou seja, Poesia Concreta pode sim ser ouvida, falada ou cantada. Contrariando alguns detratores de primeira ordem, Caetano Veloso, que segundo Augusto de Campos (em referência a uma fotografia em que Caetano aparece sombreado na cabeça de Augusto) "radiogravou" a intenção do poeta concretista ao cantar o poema "Dias dias dias" (1973) com a ênfase no som (polivocal) e nas citações metalinguísticas de Webern e Lupicínio.
Mais tarde, em 1975, Caetano reafirmaria a mirada sonora da Poesia Concreta ao gravar "O pulsar". Poema que regravaria outras vezes, inclusive ao vivo.
Sistematicamente, o trabalho de Cid Campos é a melhor tradução sonora da Poesia Concreta. O disco Poesia é risco, não me deixa mentir.
Mas, voltando a Poemúsica, os três poetas apresentaram a bela interpretação de "O verme e a estrela". Poesia de Pedro Kilkerry que está registrado no disco A fábrica do poema, de Adriana Calcanhotto. Aqui, graves e agudos se sobrepoem e dialogam buscando alcançar o eixo da mensagem de Kilkerry.
No momento Arnaut Daniel, Adriana cantou ao modo medieval uma bela canção - "Canção de amor cantar eu vim" - do poeta (conhecido pelas estruturas rítmicas e rímicas inventivas), fazendo a frequente questão - letra de música é poesia? - caducar. A sofisticação de Adriana deu a leveza exata à canção.Obviamente, Ezra Pound não poderia ficar de fora; e muito menos Herman Melville (com Calcanhotto tirado o "canto da baleia" do Cello).
"Sem saída" poema de Augusto, cantado por Calcanhotto no disco Maré, foi apresentado com citações e referências à "It's a long way", de Caetano Veloso. Afinal, sem saída é it's a long long long long way.
O momento Lewis Carrol, em que Augusto, Adriana e Cid apresentaram as traduções de Augusto, para a obra do escritor, foi a mais encantadora. No sentido de que a persona Partimpim de Adriana (quase) se fez presente. "O mocho e a gatinha" e "Canção da falsa tartaruga" foram interpretadas com cuidado estético e graça. Além de "Alface", tradução de Augusto para poema de Edward Lear.
Emily Dickson e Janis Joplin, entre outros, também foram lembradas e identificadas com a Poesia Concreta.
Por fim, ficou a confirmação de que a informação musical formou a poesia que pretendia ser “verbivocovisual” (expressão do Finnegans Wake, de Joyce).
Em um momento em que as produções (acadêmicas, ou não) sobre canção não param de aumentar, ouvir Augusto de Campos lembrar pontos (comodamento esquecidos) da história de nossa poesia e de nossa canção é fundamental e iluminador.
A união entre poesia experimental e música (para além da letra com a melodia) , oxalá, ainda renderá outros bons trabalhos e momentos como este do Poemúsica.
Quanto a Augusto, como ele próprio registrou, como disse Schönberg, “a melhor forma de entender a minha música é: esqueçam as teorias, o dodecafonismo, a dissonância e, se possível, a mim mesmo”.
Através de uma showversa, Augusto apresentou como as inovações da Poesia Concreta fizeram a cabeça sonora dos compositores contemporâneos brasileiros e vice-versa.
Augusto lembrou que a Poesia Concreta começou com música, pela ênfase no canto não "operístico" e pela substituição da declamação pelo que os concretistas chamaram de oralização.
Não é segredo para nenhum interessado no assunto que Webern, Schönberg, Berg, Cage e Varèse por exemplo, fizeram parte do paideuma dos concretistas. Mas Augusto destacou ainda a dicção de Lupicínio Rodrigues e Noel Rosa como "autores" básicos para a construção da filiação musical do movimento. Além de Billie Holiday, Dizzy Gillespie e Miles Davis, que fizeram da chegada de João Gilberto à cena cancional um júbilo de certezas.
Ou seja, Poesia Concreta pode sim ser ouvida, falada ou cantada. Contrariando alguns detratores de primeira ordem, Caetano Veloso, que segundo Augusto de Campos (em referência a uma fotografia em que Caetano aparece sombreado na cabeça de Augusto) "radiogravou" a intenção do poeta concretista ao cantar o poema "Dias dias dias" (1973) com a ênfase no som (polivocal) e nas citações metalinguísticas de Webern e Lupicínio.
Mais tarde, em 1975, Caetano reafirmaria a mirada sonora da Poesia Concreta ao gravar "O pulsar". Poema que regravaria outras vezes, inclusive ao vivo.
Sistematicamente, o trabalho de Cid Campos é a melhor tradução sonora da Poesia Concreta. O disco Poesia é risco, não me deixa mentir.
Mas, voltando a Poemúsica, os três poetas apresentaram a bela interpretação de "O verme e a estrela". Poesia de Pedro Kilkerry que está registrado no disco A fábrica do poema, de Adriana Calcanhotto. Aqui, graves e agudos se sobrepoem e dialogam buscando alcançar o eixo da mensagem de Kilkerry.
No momento Arnaut Daniel, Adriana cantou ao modo medieval uma bela canção - "Canção de amor cantar eu vim" - do poeta (conhecido pelas estruturas rítmicas e rímicas inventivas), fazendo a frequente questão - letra de música é poesia? - caducar. A sofisticação de Adriana deu a leveza exata à canção.Obviamente, Ezra Pound não poderia ficar de fora; e muito menos Herman Melville (com Calcanhotto tirado o "canto da baleia" do Cello).
"Sem saída" poema de Augusto, cantado por Calcanhotto no disco Maré, foi apresentado com citações e referências à "It's a long way", de Caetano Veloso. Afinal, sem saída é it's a long long long long way.
O momento Lewis Carrol, em que Augusto, Adriana e Cid apresentaram as traduções de Augusto, para a obra do escritor, foi a mais encantadora. No sentido de que a persona Partimpim de Adriana (quase) se fez presente. "O mocho e a gatinha" e "Canção da falsa tartaruga" foram interpretadas com cuidado estético e graça. Além de "Alface", tradução de Augusto para poema de Edward Lear.
Emily Dickson e Janis Joplin, entre outros, também foram lembradas e identificadas com a Poesia Concreta.
Por fim, ficou a confirmação de que a informação musical formou a poesia que pretendia ser “verbivocovisual” (expressão do Finnegans Wake, de Joyce).
Em um momento em que as produções (acadêmicas, ou não) sobre canção não param de aumentar, ouvir Augusto de Campos lembrar pontos (comodamento esquecidos) da história de nossa poesia e de nossa canção é fundamental e iluminador.
A união entre poesia experimental e música (para além da letra com a melodia) , oxalá, ainda renderá outros bons trabalhos e momentos como este do Poemúsica.
Quanto a Augusto, como ele próprio registrou, como disse Schönberg, “a melhor forma de entender a minha música é: esqueçam as teorias, o dodecafonismo, a dissonância e, se possível, a mim mesmo”.
4 comentários:
leonardo
adorei essa postagem sua, longe do Rio e cheio de vontade de saber como foi esse evento, sua "resenha" foi muito informativa e divertida. gostei do seu blog também, não conhecia, já add aos meus favoritos e espero voltar até ele.
bjs
marcio junqueira
Maravilhosa cobertura. Obrigada. Eu ia, mas me acovardei com a chuva. Agora fui, ainda que de carona na sua reportagem.
Abraços pascais da
Carlinda.
Adorei o texto sobre o Poemúsica!!! ;)
Puxa, Leo
Você fez o roteiro intelectual do show. Adorei o texto.
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