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segunda-feira, junho 15, 2009

O Estrangeiro Jorge Mautner

A certa altura do disco "Eu não peço desculpa" Jorge Mautner sentencia: "Ou o mundo se brasilifica ou vira nazista". Esta expressão parece ser uma chave de entendimento da obra desse artista que soube sacar a relação amalgamada entre "Jesus de Nazaré e os tambores do Candomblé", pelo filtro da sombra do vulto de Zaratustra.
Assim, o livro "O filho do holocausto" é mais do que as memórias de infância e adolescência do "vigarista Jorge". O livro apresenta a trama total da gênese de uma obra impregnada pela dança das instabilidades do mundo. Nele, Mautner se permite ficar exposto aos raios da kriptonita e demonstrar como é possível entender a complexidade do Brasil, pela via da hibridização, ou amálgama, como ele prefere chamar, dos signos.
Como vampiro e supremo tarado, adepto da antropofagia oswaldiana, percebe-se que a obra de Mautner luta contra essencialismos com um amor flutuante acima do bem e do mal, mesmo seguido pela sombra do passado, e talvez por isso mesmo. É possível sentir lampejos de vida para a compreensão do demasiadamente humano no Brasil, onde a moral mantem-se por um fio dental. Pergunta-se: Maior liberdade ou maior repressão? Os dois, amalgamados. Samba jambo, samba japonês, feitiço indecente e vodu.
Jorge Mautner olha demais para o amor, mesmo sabendo, e talvez por isso também, que amor não é aquilo que a gente deseja que ele seja. Mautner ensina que viver sem grilo é possível, mesmo com a cricrilar da memória afetiva. Ao exemplo de Nietzsche em "Ecce homo", Mautner passa em revista suas inúmeras influências literárias e filosóficas e faz exaltações. Além de evocar sua chegada ao Brasil como filho do holocausto e da alegria de ter tido uma adepta do candomblé como babá. Tudo com linguagem bastante singular. Ele joga o anzol para pescar o sol e sabe (e como ele sabe!) que tudo que pesca é um rouxinol, que canta para causar um riso de amor.
No livro "O filho do holocausto", diante da emergência do sujeito, Mautner - profeta que sempre prega no deserto - experiencia o espaço incorporando a sabedoria do que é cotidiano e simples. Esconde as lágrimas negras, vez por outra, e tem a certeza da impossibilidade de ter paz no coração, por viver embriagado de paixão. Astronauta da saudade eletrônica, Jorge Mautner, sabedor de que a cor negra é um acúmulo de azuis, em "O Filho do holocausto", é um pensador contra a ideologia da agonia. "Belezas são coisas acesas por dentro / Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento", canta.

Texto publicado no Jornal A União em 13/06/2009

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme Otto; Or, Up With Dead (Bruce La Bruce) - Imprescindível metáfora de nossos dias, em que um jovem (suposto) zumbi se questiona se vale a pena morrer quando já estamos mortos. Os recursos de sobreposições pornográficas dão o clima exato deste meta-filme.
= Filme Angels & Demons (Ron Howard) - A presença de Ewan McGregor entrega muita coisa. O filme vale pelas belas locações.
= Livro Culturas híbridas (Nestor Garcia Canclini) - A história da hibridização das culturas é contada e exemplificada em linguagem acessível.
= Livro Proteu ou a arte das transmutações (Luís Carlos de Morais Junior) - Pioneiro trabalho acadêmico sobre a obra de Jorge Mautner.

2 comentários:

roncalli dantas disse...

Leo,
Fui ver anjos e demônios e concordo contigo.- O filme é muito ruim - É quase uma novela, com o verbal sempre redundante em relação as imagens. Esse diretor acha que somos idiotas!

Unknown disse...

Adoro visitar o seu blog, vc escreve muito bem! Gosto de dar uma passada por aqui pra me manter atualizado, várias vezes escolhi um filme, ou um disco ou um show por ter lido algo aqui, vc me influencia, forte abraço e tudo de bom!