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terça-feira, outubro 07, 2008

Dois cantos-flash

Susan Sontag escreveu que uma “fotografia é, antes de tudo, um modo de ver. Não é a visão em si mesma”. Tal afirmação ecoa fundo em quem se propõe a observar que na vida não existe uma foto final ou total. Cada qual procura “tornar presente” os recortes íntimos que o atravessamento de tudo nos impõe. Como flashes semi-cortantes.
Estas reflexões são inevitáveis se percebermos os novos discos de Marcelo Camelo e Frejat como fotografias íntimas do universo ao redor destes dois artistas, e como a realidade suporta olhares diferentes.
Em seu primeiro trabalho solo desde que o grupo Los Hermanos entrou em recesso, Marcelo Camelo faz de “Sou” um registro da solidão. A doce solidão que estimula uma profusão de experimentos – letras e ritmos – que se misturam à própria voz do cantor. A certa altura ele diz “solidão, foge que eu te encontro”, intensificando o processo do discurso noturno de quem se questiona sobre o que fez com a liberdade moderna.
“Sou” vibra tão próximo do ouvinte que se tem a sensação de estarmos no lugar onde Camelo “melancolicamente” compõe, por exemplo, o delicado carimbó “Menina bordada”. Mesmo quando ouvimos a marchinha “Copacabana” é a solidão do trabalho e a saudade de outros carnavais o que se impõe como estrutura semântica.
Oposto a isso, em certa medida, temos “Intimidade entre estranhos”, terceiro disco solo de Frejat. Nele o tema central das letras é a dialética entre o “controle remoto” e a verdade. Ou seja, é o registro de um ser que fica dividido entre a fantasia e o “cheiro de fumaça dos carros” e entre a segurança e o desejo de ver além do perigo.
Como já vinha fazendo, Frejat parece acompanhado por uma musa que guia e inspira seu canto, ora para letras engajadas - “Eu só queria entender”, ora para a indefinição de papéis nas relações afetivas - “Farol. Mas não ultrapassa isso e mantém sua postura de “rapaz bem comportado” longe do Barão Vermelho.
Num mundo onde tudo parece já estar etiquetado, nomeado e mapeado, em que nos resta apenas reconhecer as coisas, uma foto pode estar querendo apenas dizer que “algo” também é possível. Se assim for, “Sou” e “Intimidade entre estranhos” são dois cantos-flash (não opostos, mas distintos) da certeza de que a vida se faz nas anotações do dia-a-dia de um mundo absurdo, onde a lei de causa e efeito perdeu sentido.

Texto Publicado no Jornal A União-PB 04/10/2008

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:


Comentário sobre os filmes, semana que vem!

Um comentário:

Robson de Moura disse...

Preciso ouvir ambos. E essa leitura, agora, poderá me ser útil quando o fizer.