Foi impossível não ir assistir a Notas Sobre um Escândalo com a idéia de que ouviria comentários imbecis, como, por exemplo, os soltados nas salas de projeção onde era exibido o Brokeback Mountain.
Não há, pelo menos pra mim, comparações estruturais e formais entre os dois filmes, no entanto, ambos falam, numa superficial leitura, sobre solidão, (des)lealdade e amor homoerótico, ou não? Por mais que o excelente roteiro, assinado por Patrick Marber (o mesmo de Closer), tente desviar a atenção, o filme trata disso.
O interessante foi ouvir os sorrisos encantados com a excelente construção da personagem de Judi Dench. Sim, eu também ri várias vezes. Outro fato interessante é que em nenhuma crítica sobre o filme há piadas como: “é um filme sobre uma sapatão psicopata”, ao contrário das várias críticas que reduziram Brokeback a um filme sobre “Cawboys gays”. Todas elas, e com grande justiça, elogiam as interpretações tanto de Cate Blanchett, como de Judi Dench.
Nossa platéia (quiçá alguns críticos) está mudando? Serão os efeitos Brokeback? Duvido muito. Na verdade, a primeira impressão resultante é que numa sociedade hetero-burguesa-machista-totalirária e hipócrita, como a nossa, o homoerotismo feminino é melhor “aceito”. Será?
Brokeback incomoda porque “normaliza”, sem estereótipos, um sentimento que, de todas as maneiras, a sociedade tenta manter periférica. Mas, Notas, de certo modo, não tenta fazer isso também, apesar de reforçar o estereótipo da sapatão? De todo modo, as diferenças entre os filmes são inúmeras, Brokeback Mountain é um filme sobre o qual ainda se falará muito, apenas estou tentando entender a posição da platéia e da crítica diante deles.
Por fim, para mim, Notas Sobre um Escândalo mergulha fundo numa assustadora e escamoteada natureza humana. Tudo poderia resultar num filme pesado, cansativo e chato. Porém, o que temos é uma apresentação sutil, mas assustadora, de um “problema” muito comum entre nós, mortais e modernos, ou seja, é muito mais fácil e confortável viver uma “vida” imaginária, alimentando os nossos comportamentos infantis, quando muito pré-adolescentes (e a internet tem favorecido tal atitude), do que crescer e encarar as dores e as delícias de sermos adultos.
(Sobre o mote do “complexo de Peter Pan” temos, ainda em cartaz, o filme Little Children, que recebeu a terrível tradução de Pecados íntimos).
Nossa platéia (quiçá alguns críticos) está mudando? Serão os efeitos Brokeback? Duvido muito. Na verdade, a primeira impressão resultante é que numa sociedade hetero-burguesa-machista-totalirária e hipócrita, como a nossa, o homoerotismo feminino é melhor “aceito”. Será?
Brokeback incomoda porque “normaliza”, sem estereótipos, um sentimento que, de todas as maneiras, a sociedade tenta manter periférica. Mas, Notas, de certo modo, não tenta fazer isso também, apesar de reforçar o estereótipo da sapatão? De todo modo, as diferenças entre os filmes são inúmeras, Brokeback Mountain é um filme sobre o qual ainda se falará muito, apenas estou tentando entender a posição da platéia e da crítica diante deles.
Por fim, para mim, Notas Sobre um Escândalo mergulha fundo numa assustadora e escamoteada natureza humana. Tudo poderia resultar num filme pesado, cansativo e chato. Porém, o que temos é uma apresentação sutil, mas assustadora, de um “problema” muito comum entre nós, mortais e modernos, ou seja, é muito mais fácil e confortável viver uma “vida” imaginária, alimentando os nossos comportamentos infantis, quando muito pré-adolescentes (e a internet tem favorecido tal atitude), do que crescer e encarar as dores e as delícias de sermos adultos.
4 comentários:
léo, infelizmente não terei a oportunidade de presenciar a recepção deste filme em cinema por aqui na terrinha paraibana... mas, pelo que observo no dia-dia, acredito que a relação homossexual entre mulheres seja encarado com menos rancor em nossa sociedade.
-No meu caso,Eu nem lembro da primeira vez que vi duas meninas dando bitoquinhas, pois é tão comum o contato físico entre mulheres... pentear cabelos... abraços... ir juntas ao banheiro... em fim, A mulher tem uma educação em que as carências físicas são supridas desde a infância por ambos os sexos. Infelizmente conosco, "varões", não é bem assim.
Olá Léo, eis-me aqui devorando seus textos. Bacana a iniciativa de comentar sobre cinema, a análise comparativa feita entre dois títulos que nos interessam. Não sei se por gostar muito do Transitar, talvez pelo carinho fraterno que percebo entre você e seus amigos "Far away, so close", pela interação criada nos comentários e tornada pública, sinto-me ainda meio perdido nesse novo espaço, mas as primeiras impressões são boas. É um longo caminho, vou continuar acompanhando tuas considerações e tomando-te como parâmetro na hora de escolher novos filmes. Boa sorte nessa empreitada, quem sabe esteja aqui, no futuro, uma excelente referência para cinema gls. Já pensou em elaborar comentários também sobre clássicos que pode rever em dvd? Gostaria de saber suas impressões sobre títulos como "Minha adorável lavanderia", por exemplo. Um forte abraço!
parabéns, leonardo!
Rapaz, nao sabia q vc estava escrevendo tao bem e com tanta fluidez!!!
Continue assim, q vc chega longe!!!
Um abração
Léo, finalmente vou comentar este filme... Como já te disse, achei o filme muito bem elaborado, com destaque não só para as interpretações impecáveis das protagonistas (e os coadjuvantes tb são dignos de nota), mas para o roteiro enxuto e eficiente, e a direção vertiginosa, que faz o espectador mergulhar num clima de suspense marcante, tudo isso emoldurado pela trilha sonora fantástica de Philip Glass. E é justamente nessa perfeição artística do filme que, a meu ver, reside o maior problema: afinal, "Notas" nos apresenta um dos mais negativos retratos do afeto homoerótico que vi nos últimos tempos. O desejo que a personagem de Judi Dench sente por Blanchett é obsessão destrutiva, é a inclinação homoerótica com que ela mesma não consegue lidar, tornando-se uma psicopata sempre à procura da próxima da vítima (e o final do filme atesta bem isso). Ela é uma predadora, sendo relevante questionar a razão de se representar, hoje, um personagem homossexual com esse caráter, figurado como aquele que desestrutura, que não sabe relacionar-se de forma saudável, que cruza o caminho de uma mulher bem-casada, aparentemente feliz e mãe de dois filhos, para aproveitar-se, como um vampiro, de sua fragilidade e interferir na sua vida, para dominá-la. Será que não é essa a razão de a crítica não o ter desmerecido como "filme de uma sapatão psicopata", para usar sua expressão arguta? Um filme como Brokeback Mountain, que normaliza um sentimento tão estigmatizado, difere demais deste "Notas", que me faz lembrar aquele filme com Shirley MacLaine e Audrey Hepburn (infelizmente, não consigo lembrar o nome), em que duas professoras são acusadas de terem um caso e uma delas se mata no final. O homossexual é, invariavelmente, desestabilizador da ordem burguesa, que só pode ser restaurada com sua morte (assassinato/suicídio). Lembro agora daquele filme baseado em Tennessee Williams, "De repente no último verão", em que o marido de Elizabeth Taylor abusava dos meninos e acaba sendo morto por eles... e tb de "Um bonde chamado desejo", em que o marido de Blanche se mata após ter sua homossexualidade descoberta, o que desestrutura completamente a vida de sua esposa. Mas o principal é que lembrei de um documentário maravilhoso, "O outro lado de Hollywood", que faz um retrospecto de como a temática homossexual é tratada no cinema americano,destacando justamente essa representação constantemente negativa. Pois é, "Notas sobre um escândalo", sem dúvida um dos melhores filmes que vi neste ano, presta um desserviço à imagem do homoerotismo, talvez por isso tenha dispensado comentários depreciativos. O filme, em si, já diz tudo, pois nada pode ser tão repulsivo quanto a lésbica de Judi Dench.
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