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sábado, janeiro 10, 2015

Nossa casa, minha vida - Visite um apartamento decorado



Um visitante menos avisado pode ser levado a pensar que em "Nossa casa, minha vida - Visite um apartamento decorado" Nelson Leirner tenha ultrapassado a linha tênue sobre a qual sua obra (tão bem) sempre se equilibrou e pendido para o panfletário - menos ambiguidade, mais crítica.
Leirner criou um apartamento modelo, sem ter um modelo desses apartamentos como guia. Usou matérias da imprensa para criar sua obra. De fato, reduzir a recriação de uma "moradia popular", na Sala Inglesa da Fundação Eva Klabin, a lençol de poliéster, paredes coloridas, flores de plástico e TV sintonizada na Globo pode soar como a negação de todo o processo de politização(?) em cena no Brasil atual.
Além disso, o excesso de cuidado e a arrumação asséptica dos objetos vibram mais como cenário, eliminam a vida do lugar, como a paisagem vazia vista pela falsa janela. Tudo é frio, sem viço, apesar do colorido. O uso de imagens religiosas poderia negar também o neo-pentecostalismo em expansão no Brasil. Mas a Bíblia está lá. Ocupa a mesma casa, entre Iemanjá e Maria.
Penso que Leirner desloca o "quarto dos fundos" para o centro da "casa-grande". Ou, ainda, tomando a metáfora da boneca russa matrioshka, utilizada pelo curador do projeto Respiração, Marcio Doctors, podemos dizer que o apartamento criado por Leirner é a boneca do centro, a com bigode, a estranha, o estanque.
Fica evidente a opressão da casa-apêndice dentro daquela casa-museu. Porém, igual a essa, aquela também guarda coleções. Diferentes, mas movidas pelo mesmo gesto: guardar para contar (nossa) história. É esse contraste o que me interessa. É aí que reside a ironia. Leirner desarma as situações de classe, os mecanismos de consagração do circuito das artes, daquilo que é, ou pode ser, colecionável.
Por fim, a Sala Inglesa e o apartamento popular brasileiro estão no mesmo nível de voz e de valor estético e social. É a arte dialogando com a tal horizontalidade evocada pelas ruas.

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