Como pesquisador de canção popular, uma das inquietações que tem estimulado minha pesquisa atual é tentar perceber quais são os mecanismos incorporados pelo mercado a fim de criar um produto que (melhor) sirva de trilha sonora às nossas vidas.
E qual foi a minha surpresa quando captei na peça Deus é um DJ, do alemão Falk Richter, o mesmo tatear na incerteza e na vontade de busca.
"REALIDADE num mundo midiático? Autenticidade? Existe isso em frente a uma câmera?", pergunta Richter ecoando nossas dúvidas (nem tão) atuais. Deixando apenas uma sugestão de certeza: "o poder do mundo fala conosco pela linguagem da mídia. Pela mídia eles formatam os cidadãos necessários para permanecer no poder. E eles transformam a democracia através desses novos formatos que eles nos apresentam".
Em cartaz no Oi Futuro Flamengo (Rio de Janeiro) até 13/11, sob a direção de Marcelo Rubens Paiva, Deus é um DJ elenca os sintomas de uma era pós-tudo em busca de ideologias: se por um lado ainda temos as rádios filtrando o que devemos ouvir, por outro lado temos a possibilidade de samplear, mixar, montar as trilhas sonoras que melhor nos cantam - e o que é mais complexo: podemos carregar nossas sereias na palma da mão, conectar-se a elas onde e quando quiser.
Mas, ao mesmo tempo em que o indivíduo pode compor sua própria trilha, ele é bombardeado pelos apelos midiáticos e se confunde, indistiguindo o seu desejo daquele outro instalado por um mercado cada vez mais diversificado, portanto, abridor de um leque maior de possibilidades (sempre) previsíveis.
Afinal, quando vai para o rádio a música deixa de ser independente (anônima: prenha do espírito colaborativo)? Como escolher um repertório? A sonoridade que me é estranha também é música? Como encontrar um lugar entre a borda e o mainstream quando a vida on line parece mais interessante que a vida off line? O que difere uma vida da outra? Como afetar e ser afetado pela canção de Deus: esse DJ que mixa nossas necessidades sem deixar a música parar a fim de que a vida nos cante da melhor forma possível? O que é a vida ou um show ao vivo via internet? O que é cultura e o que é entretenimento: quais as semelhanças, diferenças e onde elas se tocam?
A certa altura a personagem de Maria Ribeiro (uma VJ) declara nietzscheanamente: "Deus morreu". Se isso é verdade, quem, então, anda programando nossos sons, nossas trilhas? De fato, Deus parece ser encontrado na resignificação (veloz) de nossos bens simbólicos. Afinal, para onde caminha a música e, consequentemente, nós (ouvintes) ameaçados em nosso registro físico?
São muitas as questões levantadas na peça Deus é um DJ, justamente como são múltiplos os questionamentos do indivíduo posto no entrelugar exato do on/off line.
Representado por Marcos Damigo, um DJ inspirado, mergulhado na parafernália tecnológica claustrofóbica que cerca o jogo cênico, espelha o indivíduo contemporâneo ao se perguntar como evitar o rapto da subjetividade na nossa autopromoção diária e, ao mesmo tempo, estar aberto aos sons totais do mundo.
Sabemos apenas que num mercado global, as fronteiras das diferenças entre a Europa (hegemônica) e a América Latina (redemocrática: importância do pirata na circulação da música, por exemplo), quanto ao modo de enfrentamento de crises, são borradas.
Deus é um DJ é ação, reação e meio: uma suspensão do juízo, uma oportunidade lúcida (um descanso perturbador) de reflexão da manutenção da loucura.
segunda-feira, outubro 17, 2011
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2 comentários:
Se tivesse um botãozinho Curtir para clicar aqui, é o que eu teria feito, meu caro! Já havia lido algo a respeito desse cartaz, mas foi bom saber ou reavivar que se trata de uma peça... Assistiu, né?! Boas reflexões... Manêro... : ) Abraço, - W.
Já havia lido a sinopse da peça no jornal, mas não dei importância. Lendo você, percebo que minha primeira impressão foi displicente, a peça deve ser interessantíssima, pois traz questões que muito me interessam. Abraço!
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